LEIA AQUI O DESPERTAR DESTA SEMANA
Para além do texto "CUNHA ROCHA ESTEVE NA BAIXA (2)", deixo também as crónicas "UMA PORTA QUE SE FECHA E UMA ESPERANÇA QUE NÃO MORRE"; "PARABÉNS À MARGARIDA; e "REABRIU O GAT NO TERREIRO DA ERVA".
CUNHA ROCHA ESTEVE NA BAIXA (2)
No apontamento anterior contava
que António Cunha Rocha -conjuntamente com a sua esposa, Isabel Mora, esta com
uma mostra de bijuteria original de grande qualidade- esteve na Praça do
Comércio com uma exposição de obras suas recentes. Ou não fosse ele paisagista
plástico e um dos maiores aguarelistas nacionais. Antes de prosseguir, vou fazer-lhe
a vontade. Na entrevista que fez o favor de me conceder, referiu várias vezes:
“não esqueça de referir um agradecimento ao Manuel Mendes, comerciante da antiga
Praça Velha, o meu grande amigo de sempre e que gratuitamente me cedeu este
espaço para eu poder expor as minhas obras.”
Continuando então a narrar
retalhos da vida de Cunha Rocha, contava-me que ainda na infância começou a
trabalhar com Vasco Berardo, “esse grande artista multifacetado, onde para além
da pintura é um gerador de formas; basta lembrar as suas criações na cerâmica e
na medalhística”, enfatiza com emoção. A sua primeira exposição foi na galeria
de O Primeiro de Janeiro, este espaço tão emblemático na vida de tantos
pintores de Coimbra. Nesse tempo distante, começou por assinar “Oinótna Ahcor”,
que era o seu nome invertido e para lhe dar um toque de estrangeiro, e a seguir
“António Rocha” e só mais tarde “Cunha Rocha”, que viria a ser o seu nome
artístico de guerra e que perdurará para sempre nos anais do tempo. Ainda nesta
fase, recordava, um dia, aquando de uma exposição que tinha patente, Miguel
Torga bateu-lhe no ombro e, friamente, disse para ele mudar de vida, que como
pintor não tinha futuro.
Relatava ainda na primeira parte
que, em 1978 e depois de ter regressado do Brasil, numa conversa n’A Brasileira,
entre ele, Rui Pato e o desaparecido Joaquim Machado, da Livraria Almedina,
acabou por ir viver para a Figueira da Foz e nesta cidade foi adotado como um
filho natural. Sente-se ali, na praia da claridade, muito acarinhado e reconhecido
por todos. Ainda neste ano transato, em Março de 2012, quando comemorou as suas
80 primaveras, durante um mês, teve uma grande mostra de pintura sobre o tema
“80 anos 80 obras”, no Museu Municipal Santos Rocha –já agora, pergunto eu:
para quando uma exposição coletiva no Museu Municipal do Chiado, deste pintor,
de Vasco Berardo, de Santana Alho –que está no Brasil presentemente-, de Pedro
Olaio (filho), de Victor Costa e de outros que agora não recordo? No meu
entendimento o rés-do-chão deste espaço museológico deveria virar-se muito mais
para os nossos artistas e ocupar o espaço deixado vago pel’O Primeiro de
Janeiro.
Nos princípios da década de 1990,
na última exposição que realizou n’O Primeiro de Janeiro, e antes do seu
encerramento -era sobre a Alta desaparecida e sobre o lema “Isto… dantes”-, vendeu
32 quadros em uma hora. Mas se o seu contentamento já era enorme, um outro
acaso viria dar-lhe um regozijo incomensurável. Ao chegar junto do responsável
pela galeria este questionou: “sabe quem acabou agora mesmo de adquirir uma
pintura sua?... Miguel Torga!”. Cunha Rocha interiormente sentiu um baque. Nem
queria acreditar. Aquele que, umas décadas antes e de uma maneira indecente, o
desmotivou a seguir a carreira de pintor tinha adquirido uma obra da sua
autoria. Só poderia ser o destino a fazer das suas graças. Correu para A
Brasileira e, cara-a-cara, demandou o poeta: “por acaso, o senhor doutor recorda-se,
há muitos anos, de me dizer para eu mudar de vida? Lembra? Pois, muito obrigado
pela satisfação que me deu agora ao ter adquirido um quadro meu!”. Respondeu
Torga: “eu comprei um quadro teu? Tu nem as pensas, homem! Eu nunca adquiri
nada teu!”. Em constatação, rememora Cunha Rocha: “ele comprou a minha pintura porque
não reconheceu a assinatura; sem saber que o autor era o mesmo!”
(Conclusão)
(Conclusão)
UMA PORTA QUE SE FECHA E UMA ESPERANÇA QUE NÃO MORRE
Olhando os olhos daquele pequeno
corpo de pouco mais de metro e meio, apesar de agora estarem profundamente
tristes, dá para ver que por uma estrela se apagar não significa que outras não
comecem a brilhar. Susana Lopes tem 36 anos de idade. Há muitas décadas que os
seus pais detêm um negócio de artesanato em Arrotéia, na Redinha, Pombal. Desde
criança lhe incutiram que é preciso procurar novos mares quando a pesca rareia.
Foi assim que em Agosto de 2008, juntamente com seu marido, abriu a loja de
artesanato “típico ’Art”, na Praça do Comércio. Com uma renda mensal de 900
euros nessa altura até conseguia levar o barco a bom porto. Os problemas
começaram quando o mar se encapelou e um “tsunami”, de crise arrasadora, varreu
toda a costa europeia e, mais concretamente, o nosso país. A sua jangada de
pedra, a sua loja, começou a meter água, como quem diz, começou a não aguentar
tanto peso de despesas. Com o negócio a cair a pique falou com a proprietária e
esta baixou-lhe a renda para 750 euros. Cortando aqui, encurtando acolá, foi
aguentando até que deu. Tentou tudo para não se deixar vencer pelas
circunstâncias de contraciclo. Fez feiras de artesanato, fez parte de outras
mostras, esteve no Dolce Vita durante quinze dias. Lá, neste centro comercial,
contrariamente a esta zona velha, notou que o público tem poder de compra, mas,
como a sua intenção era chamar clientes para o seu estabelecimento na Baixa,
acabou por ver gorado o seu plano e encerrou no fim do ano.
Antes de claudicar, tentou
sensibilizar a senhoria para, mais uma vez, lhe baixar a renda. Esta não anuiu.
Argumentou que tinha outras muito antigas em que lhe pagavam uma ninharia. “Que
culpa tenho eu disso?” -questiona a Susana. “Não quer baixar, paciência! Vou-me
embora. E quanto antes! Vou fazer uma exposição na Redinha, junto à estrada
Nacional 1, e vou à luta. Saio bem desta experiência. Os clientes da Baixa são
de excelente qualidade. Fiz muitas amizades. Deixo cá muitos amigos. Muito
obrigado a quantos nestes anos foram meus fregueses. Do fundo do coração,
bem-haja a todos.
Por parte dos colegas
comerciantes, lamento dizê-lo, não levo saudades, são egoístas de mais para a minha
forma de ser e no que fui educada. Não têm noção de que precisam do vizinho;
são demasiado individualistas. Há muita inveja entre eles. Hoje, que estou de
partida, interrogo-me: se a vida é um fôlego entre o pôr-do-sol e o amanhecer,
por que são assim?”
PARABÉNS À MARGARIDA
A Margarida Pimentel comemorou
esta semana o seu aniversário e, por isso mesmo, recebeu um ramo de flores. Um
pouco em atraso, vamos todos gritar bem alto: PARABÉNS! Bem sei que deveria
dizer há quantos anos nasceu, mas, com aquela cara de menina imberbe, corria o
risco de não ser levado a sério. Assim sendo, tomei a opção de não dizer. Posso
adiantar que a Margarida está a trabalhar na sapataria Teresinha, na Rua
Eduardo Coelho, há 24 anos. Continua a amar a Baixa como uma parte de si mesma,
mas tem muitas saudades de outros tempos, sobretudo, quando veio laborar para
este estabelecimento em que eram 7 funcionários e agora apenas dois dão bem
conta do recado.
REABRIU O GAT NO TERREIRO DA ERVA
No sábado, a notícia no Diário de
Coimbra caiu que nem um meteorito no Centro Histórico: “Toxicodependentes
perderam Gabinete de apoio na Baixa”. Especulando, será de supor que, tal como
quando chove o comerciante que vende guarda-chuvas fica contente e o transeunte
sente uma arrelia, também aqui alguém teria chorado e outros cantaram de contentamento.
Contra todas as premonições catastróficas, esta organização de apoio e por conta
da Cáritas reabriu na terça-feira.
Quem por aqui calcorreia estes
becos e vielas sabe que os operadores comerciais e as forças policiais, na
maioria, não veem com bons olhos a instalação desta estrutura importantíssima
no apoio aos adictos, nomeadamente toxicodependentes e alcoólicos, aos
sem-abrigo e prostitutas. Ou seja, já conhecemos a sua opinião generalizada. E
a outra parte, os utentes, já alguém se deu ao trabalho de a escutar? Conheço o
“João” –vou chamar-lhe assim que ele não se importa- há muitos e muitos anos.
Fosse lá por Karma ou por outra coisa qualquer, a verdade é que este rapaz
trocou uma vida, aparentemente dita normalizada onde tinha tudo para ser feliz,
por outra sem eira nem beira e a dormir onde calha. Encontrei-o à hora do
almoço de terça-feira, junto ao GAT, Gabinete de Apoio a Toxicodependentes, no
Terreiro da Erva. Depois do tradicional cumprimento, de supetão, atirei-lhe a
pergunta: diz-me lá, João, ao que parece, a Cáritas já reabriu este espaço
hoje. O que achas do encerramento?
-Olha, meu, encerrar isto é muito
mau! Pode ser uma tragédia, um flagelo, “tás” a ver? Pensas que pelo facto de
isto fechar o pessoal vai embora? Só pensa assim quem não sabe nada de nós, nem
nunca procurou saber. Para eles somos lixo… humano. Não somos gente. Ninguém se
importa. Só olham ao seu interesse e nada mais. É aqui que estão os nossos
amigos. Há cerca de uma década que frequentamos o GAT. Se persistissem no seu
encerramento tudo continuaria igual. É um erro pensar o contrário. Com uma
agravante: iria haver muito mais criminalidade e mais mortes. Com isto aberto
ainda vão sabendo, mais ou menos, quantos somos, como vivemos e as nossas
necessidades. Dão-nos uma palavra de conforto e esperança… “tás” a ver, meu?
Encerrar esta coisa é um contrassenso. E numa altura em que as farmácias já não
trocam seringas? Consegues imaginar esta zona em redor da Rua Direita toda
pejada de agulhas pelo chão? Consegues? Estes gajos são uns tolos, meu! E a
Câmara? Não terá nada a dizer? Cá para mim a autarquia, como velejador
experiente, limita-se a surfar a onda sem fazer nada pelos danos colaterais.
Durante a manhã fizeram aí uma
reunião aberta –agora estão apenas 5 técnicos e vão estar com horário reduzido.
Anteriormente eram 8 e, incluindo fins-de-semana, estavam diariamente abertos
entre as 9h30 e as 23h00. Até chorei de felicidade, meu! Chorei por ver estas
pessoas, que nos tratam bem, outra vez cá. Chorei por aqueles que perderam o
emprego –tu conheces-me, sabes que não sou exemplo para ninguém, mas aqui
dentro, dentro do peito, bate um
coração, meu! Ao que sei a Cáritas está a fazer um grande esforço para
manter isto de portas abertas. Foi dito na reunião que os resultados de uma
nova candidatura ainda não saíram. Por isso, ao que entendi, não se sabe muito
bem o futuro disto. Como está, está mal, meu! Deveria haver capacidade para
prever… não sei se me entendes, meu! Todos os anos é sempre igual. Abrem sempre
os concursos de candidatura em cima do encerramento, e é o mesmo no todo
nacional. Já viste a insegurança que quem cá trabalha deve sentir? Isto é tudo
muito estranho, meu!”
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