sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

LEIA O DESPERTAR



LEIA AQUI O DESPERTAR DESTA SEMANA 

Para além  do texto "CUNHA ROCHA ESTEVE NA BAIXA (2)", deixo também as crónicas "UMA PORTA QUE SE FECHA E UMA ESPERANÇA QUE NÃO MORRE"; "PARABÉNS À MARGARIDA; e  "REABRIU O GAT NO TERREIRO DA ERVA".



CUNHA ROCHA ESTEVE NA BAIXA (2)

 No apontamento anterior contava que António Cunha Rocha -conjuntamente com a sua esposa, Isabel Mora, esta com uma mostra de bijuteria original de grande qualidade- esteve na Praça do Comércio com uma exposição de obras suas recentes. Ou não fosse ele paisagista plástico e um dos maiores aguarelistas nacionais. Antes de prosseguir, vou fazer-lhe a vontade. Na entrevista que fez o favor de me conceder, referiu várias vezes: “não esqueça de referir um agradecimento ao Manuel Mendes, comerciante da antiga Praça Velha, o meu grande amigo de sempre e que gratuitamente me cedeu este espaço para eu poder expor as minhas obras.”
Continuando então a narrar retalhos da vida de Cunha Rocha, contava-me que ainda na infância começou a trabalhar com Vasco Berardo, “esse grande artista multifacetado, onde para além da pintura é um gerador de formas; basta lembrar as suas criações na cerâmica e na medalhística”, enfatiza com emoção. A sua primeira exposição foi na galeria de O Primeiro de Janeiro, este espaço tão emblemático na vida de tantos pintores de Coimbra. Nesse tempo distante, começou por assinar “Oinótna Ahcor”, que era o seu nome invertido e para lhe dar um toque de estrangeiro, e a seguir “António Rocha” e só mais tarde “Cunha Rocha”, que viria a ser o seu nome artístico de guerra e que perdurará para sempre nos anais do tempo. Ainda nesta fase, recordava, um dia, aquando de uma exposição que tinha patente, Miguel Torga bateu-lhe no ombro e, friamente, disse para ele mudar de vida, que como pintor não tinha futuro.


Relatava ainda na primeira parte que, em 1978 e depois de ter regressado do Brasil, numa conversa n’A Brasileira, entre ele, Rui Pato e o desaparecido Joaquim Machado, da Livraria Almedina, acabou por ir viver para a Figueira da Foz e nesta cidade foi adotado como um filho natural. Sente-se ali, na praia da claridade, muito acarinhado e reconhecido por todos. Ainda neste ano transato, em Março de 2012, quando comemorou as suas 80 primaveras, durante um mês, teve uma grande mostra de pintura sobre o tema “80 anos 80 obras”, no Museu Municipal Santos Rocha –já agora, pergunto eu: para quando uma exposição coletiva no Museu Municipal do Chiado, deste pintor, de Vasco Berardo, de Santana Alho –que está no Brasil presentemente-, de Pedro Olaio (filho), de Victor Costa e de outros que agora não recordo? No meu entendimento o rés-do-chão deste espaço museológico deveria virar-se muito mais para os nossos artistas e ocupar o espaço deixado vago pel’O Primeiro de Janeiro.


Nos princípios da década de 1990, na última exposição que realizou n’O Primeiro de Janeiro, e antes do seu encerramento -era sobre a Alta desaparecida e sobre o lema “Isto… dantes”-, vendeu 32 quadros em uma hora. Mas se o seu contentamento já era enorme, um outro acaso viria dar-lhe um regozijo incomensurável. Ao chegar junto do responsável pela galeria este questionou: “sabe quem acabou agora mesmo de adquirir uma pintura sua?... Miguel Torga!”. Cunha Rocha interiormente sentiu um baque. Nem queria acreditar. Aquele que, umas décadas antes e de uma maneira indecente, o desmotivou a seguir a carreira de pintor tinha adquirido uma obra da sua autoria. Só poderia ser o destino a fazer das suas graças. Correu para A Brasileira e, cara-a-cara, demandou o poeta: “por acaso, o senhor doutor recorda-se, há muitos anos, de me dizer para eu mudar de vida? Lembra? Pois, muito obrigado pela satisfação que me deu agora ao ter adquirido um quadro meu!”. Respondeu Torga: “eu comprei um quadro teu? Tu nem as pensas, homem! Eu nunca adquiri nada teu!”. Em constatação, rememora Cunha Rocha: “ele comprou a minha pintura porque não reconheceu a assinatura; sem saber que o autor era o mesmo!”
(Conclusão)


UMA PORTA QUE SE FECHA E UMA ESPERANÇA QUE NÃO MORRE

 Olhando os olhos daquele pequeno corpo de pouco mais de metro e meio, apesar de agora estarem profundamente tristes, dá para ver que por uma estrela se apagar não significa que outras não comecem a brilhar. Susana Lopes tem 36 anos de idade. Há muitas décadas que os seus pais detêm um negócio de artesanato em Arrotéia, na Redinha, Pombal. Desde criança lhe incutiram que é preciso procurar novos mares quando a pesca rareia. Foi assim que em Agosto de 2008, juntamente com seu marido, abriu a loja de artesanato “típico ’Art”, na Praça do Comércio. Com uma renda mensal de 900 euros nessa altura até conseguia levar o barco a bom porto. Os problemas começaram quando o mar se encapelou e um “tsunami”, de crise arrasadora, varreu toda a costa europeia e, mais concretamente, o nosso país. A sua jangada de pedra, a sua loja, começou a meter água, como quem diz, começou a não aguentar tanto peso de despesas. Com o negócio a cair a pique falou com a proprietária e esta baixou-lhe a renda para 750 euros. Cortando aqui, encurtando acolá, foi aguentando até que deu. Tentou tudo para não se deixar vencer pelas circunstâncias de contraciclo. Fez feiras de artesanato, fez parte de outras mostras, esteve no Dolce Vita durante quinze dias. Lá, neste centro comercial, contrariamente a esta zona velha, notou que o público tem poder de compra, mas, como a sua intenção era chamar clientes para o seu estabelecimento na Baixa, acabou por ver gorado o seu plano e encerrou no fim do ano.
Antes de claudicar, tentou sensibilizar a senhoria para, mais uma vez, lhe baixar a renda. Esta não anuiu. Argumentou que tinha outras muito antigas em que lhe pagavam uma ninharia. “Que culpa tenho eu disso?” -questiona a Susana. “Não quer baixar, paciência! Vou-me embora. E quanto antes! Vou fazer uma exposição na Redinha, junto à estrada Nacional 1, e vou à luta. Saio bem desta experiência. Os clientes da Baixa são de excelente qualidade. Fiz muitas amizades. Deixo cá muitos amigos. Muito obrigado a quantos nestes anos foram meus fregueses. Do fundo do coração, bem-haja a todos.
Por parte dos colegas comerciantes, lamento dizê-lo, não levo saudades, são egoístas de mais para a minha forma de ser e no que fui educada. Não têm noção de que precisam do vizinho; são demasiado individualistas. Há muita inveja entre eles. Hoje, que estou de partida, interrogo-me: se a vida é um fôlego entre o pôr-do-sol e o amanhecer, por que são assim?”


PARABÉNS À MARGARIDA

 A Margarida Pimentel comemorou esta semana o seu aniversário e, por isso mesmo, recebeu um ramo de flores. Um pouco em atraso, vamos todos gritar bem alto: PARABÉNS! Bem sei que deveria dizer há quantos anos nasceu, mas, com aquela cara de menina imberbe, corria o risco de não ser levado a sério. Assim sendo, tomei a opção de não dizer. Posso adiantar que a Margarida está a trabalhar na sapataria Teresinha, na Rua Eduardo Coelho, há 24 anos. Continua a amar a Baixa como uma parte de si mesma, mas tem muitas saudades de outros tempos, sobretudo, quando veio laborar para este estabelecimento em que eram 7 funcionários e agora apenas dois dão bem conta do recado.


REABRIU O GAT NO TERREIRO DA ERVA

 No sábado, a notícia no Diário de Coimbra caiu que nem um meteorito no Centro Histórico: “Toxicodependentes perderam Gabinete de apoio na Baixa”. Especulando, será de supor que, tal como quando chove o comerciante que vende guarda-chuvas fica contente e o transeunte sente uma arrelia, também aqui alguém teria chorado e outros cantaram de contentamento. Contra todas as premonições catastróficas, esta organização de apoio e por conta da Cáritas reabriu na terça-feira.
Quem por aqui calcorreia estes becos e vielas sabe que os operadores comerciais e as forças policiais, na maioria, não veem com bons olhos a instalação desta estrutura importantíssima no apoio aos adictos, nomeadamente toxicodependentes e alcoólicos, aos sem-abrigo e prostitutas. Ou seja, já conhecemos a sua opinião generalizada. E a outra parte, os utentes, já alguém se deu ao trabalho de a escutar? Conheço o “João” –vou chamar-lhe assim que ele não se importa- há muitos e muitos anos. Fosse lá por Karma ou por outra coisa qualquer, a verdade é que este rapaz trocou uma vida, aparentemente dita normalizada onde tinha tudo para ser feliz, por outra sem eira nem beira e a dormir onde calha. Encontrei-o à hora do almoço de terça-feira, junto ao GAT, Gabinete de Apoio a Toxicodependentes, no Terreiro da Erva. Depois do tradicional cumprimento, de supetão, atirei-lhe a pergunta: diz-me lá, João, ao que parece, a Cáritas já reabriu este espaço hoje. O que achas do encerramento?
-Olha, meu, encerrar isto é muito mau! Pode ser uma tragédia, um flagelo, “tás” a ver? Pensas que pelo facto de isto fechar o pessoal vai embora? Só pensa assim quem não sabe nada de nós, nem nunca procurou saber. Para eles somos lixo… humano. Não somos gente. Ninguém se importa. Só olham ao seu interesse e nada mais. É aqui que estão os nossos amigos. Há cerca de uma década que frequentamos o GAT. Se persistissem no seu encerramento tudo continuaria igual. É um erro pensar o contrário. Com uma agravante: iria haver muito mais criminalidade e mais mortes. Com isto aberto ainda vão sabendo, mais ou menos, quantos somos, como vivemos e as nossas necessidades. Dão-nos uma palavra de conforto e esperança… “tás” a ver, meu? Encerrar esta coisa é um contrassenso. E numa altura em que as farmácias já não trocam seringas? Consegues imaginar esta zona em redor da Rua Direita toda pejada de agulhas pelo chão? Consegues? Estes gajos são uns tolos, meu! E a Câmara? Não terá nada a dizer? Cá para mim a autarquia, como velejador experiente, limita-se a surfar a onda sem fazer nada pelos danos colaterais.
Durante a manhã fizeram aí uma reunião aberta –agora estão apenas 5 técnicos e vão estar com horário reduzido. Anteriormente eram 8 e, incluindo fins-de-semana, estavam diariamente abertos entre as 9h30 e as 23h00. Até chorei de felicidade, meu! Chorei por ver estas pessoas, que nos tratam bem, outra vez cá. Chorei por aqueles que perderam o emprego –tu conheces-me, sabes que não sou exemplo para ninguém, mas aqui dentro, dentro do peito, bate um  coração, meu! Ao que sei a Cáritas está a fazer um grande esforço para manter isto de portas abertas. Foi dito na reunião que os resultados de uma nova candidatura ainda não saíram. Por isso, ao que entendi, não se sabe muito bem o futuro disto. Como está, está mal, meu! Deveria haver capacidade para prever… não sei se me entendes, meu! Todos os anos é sempre igual. Abrem sempre os concursos de candidatura em cima do encerramento, e é o mesmo no todo nacional. Já viste a insegurança que quem cá trabalha deve sentir? Isto é tudo muito estranho, meu!”


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