(Texto original publicado no blogue "L'obéissance est morte", em 21 de Fevereiro de 2015 e republicado hoje no jornal online Observador. Saliento que, a meu ver, as letrinhas tão minúsculas a indicar o autor no fim do texto não dignificam o Observador. São de tal modo ínfimas que nem dei por elas aquando da leitura. Foi um amigo que me chamou a atenção.)
"Em pleno
século XXI, o progresso laboral Made by Sonae!"
"Os hipermercados são um lugar horrível:
cínico, falso, cruel. À entrada, os consumidores limpam a sua má consciência
reciclando rolhas e pilhas velhas, ou doando qualquer coisa ao sos hepatite, ao
banco alimentar ou ao pirilampo mágico. Dentro da área de consumo, cai a máscara de
humanidade do hipermercado: entra-se no coração do capitalismo selvagem. O
consumidor, totalmente abandonado a si próprio (é mais fácil de encontrar
uma agulha num palheiro do que um funcionário que lhe saiba dar 2 ou 3 informações
sobre um mesmo produto), raramente tem à disposição mercadorias que,
apesar do encanto do seu embrulho, não dependam da exploração laboral, da
contaminação dos ecossistemas ou de paisagens inutilmente destruídas. Fora do
hipermercado, os produtores são barbaramente abusados pelo Continente (basta
que não pertençam a uma multinacional da agro-indústria), que os asfixia
até à morte e, quando há um produtor que deixa de suportar as impossíveis
exigências que lhe são impostas, aparece outro que definhará igualmente, até
encontrar o mesmo fim. Finalmente, nas caixas do hipermercado, para servir o
consumidor como escravos idênticos aos que fabricaram os artigos comprados,
estamos nós.
O
hipermercado está portanto no centro da miséria que se vive hoje no mundo. O
consumidor, o produtor e nós temos uma missão comum: contribuir para que os
homens mais ricos do planeta fiquem cada vez mais ricos – contribuir para
que a riqueza se concentre como nunca antes na história. Se somos todos
diariamente roubados e abusados, é por este mesmo e único motivo.
Vou-vos
relatar apenas a minha banal experiência diária (sem pontos de exclamação já
que o escândalo é comum a qualquer um dos tópicos que irei
descrever). Espero que sirva de alguma coisa, apesar de saber que ninguém se
incomodará muito com ela. Afinal, é a mesma selva que está já em todo o lado.
1.
formatação do corpo
2.
trabalho em dias de folga
Para
perpetuar a falta de funcionários na loja, obriga-se aqueles que lá estão a
trabalharem pelos que fazem falta, oferecendo assim todos os meses algumas
horas do seu tempo de vida e de descanso ao patrão, que deste modo poupa no
número de salários a pagar. Mais absurdo: num dia em que esteja de folga, posso
ser convocada para ir à loja para fazer inventário. Sou obrigada a ir, apesar
de estar na minha folga, e apenas posso faltar mediante justificação médica. E,
como se não bastasse, até já aconteceu eu ser avisada no próprio dia da folga.
3.
precariedade
Já vou
no terceiro ‘contrato’ de seis meses e ainda não passei a efectiva. Quando
chegar a altura em que poderei finalmente entrar para o quadro, serei
dispensada como tantas outras. A explicação para a quebra brutal na natalidade
está encontrada: afinal, alguém consegue ter filhos nestas condições?
4.
salário
Trabalho
20h semanais em troca de 260€ mensais, o que dá pouco mais de 3€ por
hora. Que isto se possa pagar a alguém em 2015 devia ser motivo de
vergonha para um país inteiro. Que seja um milionário a pagar-me esta esmola
devia dar pena de prisão efectiva.
5.
trabalho não remunerado fora do horário de
trabalho
6.
cada segundo de exploração conta
Neste
ano e meio, cheguei uma única vez 5 minutos atrasada e a minha superior foi
logo bruta e agressiva comigo, tendo-me gritado e agarrado pelo braço, apesar
de supostamente haver uma tolerância para se chegar até 15 minutos atrasada.
Nunca mais voltei a atrasar-me. Nem 10 segundos. (Já sair pelo menos 15 minutos
mais tarde do que a hora prevista, isso é todos os dias.)
1 comentário:
InAcreditádvel nos dias de hoje .se tal acontecesse no comércio tradicional caia o Carmo e a Trindade!!!
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