Na página "OLHARES... POR COIMBRA E PELO PAÍS", na rubrica "NÓS POR CÁ..." leia o texto "A BAIXA RECUSA MORRER" e "CAFÉ SANTA CRUZ, A NOSSA JÓIA RELUZENTE".
A BAIXA RECUSA MORRER
Durante os três meses deste ano, e até ao
final deste corrente março, na Baixa, entre as lojas comerciais que já
encerraram e as que vão seguir o mesmo exemplo perfaz cinco estabelecimentos
–para análise, duas de roupas; uma perfumaria; uma de artigos decorativos e
outra de fotografia.
Entre as que já estão abertas ao
público, desde o início do ano, e as que até ao dia 31 vão dar à luz serão 11
–também para estudo, duas de estética e manicura; uma de arte e restauros; uma
de produtos alimentares endógenos; três lojas de roupas; um restaurante; uma
taberna; uma de artigos alimentares gourmet e um bar. Em abril dará à luz uma
galeria de arte e artigos antigos.
Por aqui, pela grande diferença entre as
empresas que claudicam e as que nascem, com número positivo elevado para estas
últimas, dá para ver que a zona histórica, apesar da grande crise económica,
continua em atividade frenética e, num processo de regeneração contínuo, parece
um gigante a estrebuchar que, mesmo sendo polvilhado por venenos, se nega a
morrer.
Como já escrevi aqui e sujeito à
discussão, tento mostrar que tem de haver uma explicação para os deuses terem
ensandecido e colocarem os princípios económicos em causa. Começamos pela
constatação: por um lado, a procura
de bens duradouros e perecíveis continua rarefeita. Por outro, a oferta é cada vez mais desmedida e
naturalmente leva ao embaratecimento e provoca a estagnação, conducente à
deflação, da economia nacional.
Sendo assim, estamos, portanto,
em contraciclo económico. Pela lógica, mandaria o bom senso que não se
continuasse a bater na oferta de produtos, sobretudo em áreas já esgotadas, e
na abertura de mais negócios iguais aos existentes e já em número excedentário.
Ora o que se comprova? Que
continuam a abrir estabelecimentos, mais do mesmo e maioritariamente feito por
pessoas sem experiência, que, para além de entupir a oferta e afetar a
diversidade, provocam a sua própria desgraça e o empobrecimento de quem está
implantado –pode até parecer que sou a favor de “numeros clausus”, limitar o acesso. Nada disso. Acho que todos têm
o direito de escolherem livremente o ingresso num qualquer curso ou profissão
desde que preencham os requisitos mínimos. Se assim não fosse a concorrência –e
a evolução humana- estaria ferida de morte. Quero dizer, por conseguinte, que
alguma coisa terá de se fazer para alertar estes novos investidores, tantos
destes recorrendo a empréstimos familiares. O que se fez até agora é sempre
através da recomendação de amigos, porém, como tenho apreendido, quem vem de
novo chega cego e não ouve ninguém. Para eles, com todo o respeito que merecem
e lhes assiste, a nossa mais profunda reverência e admiração pela sua coragem.
Antes de especular sobre o que se poderá
fazer, embora já tivesse escrito sobre este assunto na semana passada, vamos
questionar: por que razão, mesmo com resultados negativos, continua o comércio
a gerar desmesurados apetites? Pela necessidade de trabalhar honradamente e
para ganhar a vida, já que os outros sectores económicos, primário e
secundário, não respondem aos anseios de quem precisa de meios para sobreviver.
Sobre soluções milagrosas, pelo menos na atual
conjuntura, é evidente que não as há. Contudo, se o acesso ao trabalho é um
direito legítimo e constitucional, e se os que o procuram merecem o
reconhecimento social porque se negam a viver à sombra dos subsídios do Estado,
temos todos, os que estão e os que vem de novo, obrigação de pugnar por
condições mínimas de continuidade para estes novos negócios. Por que a razão neste
cair um agora, levanta-se outro amanhã reside
essencialmente no esbulho de impostos em que as famílias e as empresas estão
sujeitas.
E a Câmara Municipal de Coimbra,
o poder local, não pode fazer mais? Tem de ser capaz de fazer melhor. Apesar de
ter um Gabinete de Apoio ao Investidor
e as regras plasmadas serem objetivas, para além da promoção e da dinamização
que se adivinha, o trabalho de sapa, oculto
em gabinete, não se vê. É preciso pôr as mãos na massa, vir para a rua, e, sem
ter que ser a solução, mostrar que está no mesmo lado do problema, apoiando,
desonerando posturas, e dar a cara. É preciso não esquecer que, pelo seu
esforço heróico, são estes investidores a força centrifugadora que está a
contribuir para revitalizar a Baixa.
CAFÉ SANTA CRUZ, A NOSSA JÓIA RELUZENTE
As vinte e duas badaladas na torre da Igreja
de Santa Cruz imaginavam-se. Já há muito que o seu badalejar desapareceu da
rotina de uma cidade antiga que também vive dos ruídos e deixou de contribuir
para um acompanhamento sonoro de nostalgia.
A sala do velho café, que já foi muita coisa
desde armazém até capela, com o mesmo nome da igreja ao lado onde repousam os
primeiros Reis de Portugal, estava parcialmente cheia e o público presente,
constituído por turistas nacionais e estrangeiros, esperava para ver o que iria
acontecer. Ao fundo, onde há mais de um século teria sido a zona do altar, uma
mesa com microfones prontos e um projetor espetava na parede a imagem de um
mosaico, onde estava escrito “50 cafés
históricos de España y Portugal”, respirava-se espectativa.
Vitor Marques, um dos jovens sócios do mítico
espaço de recordação e de encantamento da Baixa, abriu a cerimónia. “Estamos aqui para apresentar em Coimbra o
livro sobre os cinquenta cafés mais importantes de Portugal e Espanha. Foi uma
ideia engraçada. O livro foi apresentado em Santiago de Compostela, em
Dezembro. Estive lá no lançamento e convidei os nossos amigos espanhóis para
fazer o mesmo em Coimbra, já que o Café Santa Cruz faz parte deste roteiro de
cafés com memória. Estivemos hoje na Escola de Hotelaria onde foi realizado um
“workshop” sobre o café de saco e depois, durante a tarde, mostrei-lhes espaços
emblemáticos da cidade como, por exemplo, na Alta, o Museu Machado de Castro, a
Biblioteca Joanina e a Universidade. Na Baixa, visitámos também a Torre de
Almedina, a Rua da Sofia e outras desta zona. Tivemos o apoio da Câmara
Municipal de Coimbra, da Universidade de Coimbra, do Museu Machado de Castro e
Escola de Hotelaria. Estou muito agradecido a todas estas entidades pelo apoio
manifestado.
Ao lado do anfitrião e mandatário do vetusto
estabelecimento hoteleiro estava sentado o autor do livro, Fernando Franjo, que
tomou a palavra. Começou por referir o gosto que sentia por estar em Coimbra e,
sobretudo, na magnífica catedral de cafetaria e de uma riqueza patrimonial
incomensurável e a seguir tratou de mostrar como produzir um café de saco de
qualidade ímpar. “O café de saco é como a
máquina do tempo. Hoje, sem lhe tomar o gosto, vivemos tudo muito rápido na
vida e deixamos passar as coisas boas.
Os cafés históricos são marcas de um tempo de bonomia, de conversa e de acalmia
interior”, referiu. Depois das devidas explicações como fazer um bom café,
passo-a-passo, –a lembrar o tempo da nossa avó- foi dado a provar o Arábica
Robusta e sendo servido a todos os presentes.
Mais uma vez Vitor Marques tomou
a palavra e chamou à colação George Steiner –poeta e filósofo da cultura
ocidental. Citando o escritor europeu e lendo passagens da sua literatura a
defender que a “Europa é feita de
cafetaria, dos cafés” que marcaram gerações. É preciso preservar estes
lugares para o futuro, como o Café Santa Cruz, enquanto recintos de uma riqueza
patrimonial ímpar. “É um património que é
de todos, e todos devem participar”. Anunciou ainda Marques que tinha sido
apresentado um projeto à Fundação EDP e à Revista Visão sob o mote “Que ideias podemos ter para melhorar o nosso
Bairro?” e com a Rota dos Cafés a
ideia foi aprovada. Por isso mesmo, “consultem
comunidade.edp.pt e votem na nossa iniciativa”, apelou ao público presente.
O QUE TRATA O LIVRO?
Com excelentes fotografias em papel especial é
contada a história de cada um dos 50 cafés escolhidos pelo autor. De Espanha,
através de imagens, são mostrados 39 estabelecimentos e de Portugal 11. De
Lisboa são cinco, respetivamente, Café A Brasileira, Café Nicola, Café Martinho
da Arcada, Confeitaria A Nacional e Pastéis de Belém. Do Porto são três os
eleitos: Café Magestic, Café Guarany e Café Ancora d’Ouro. De Braga mereceram
fazer parte do livro dois: Café A Brasileira e Café Vianna. Coimbra apenas tem
um espaço representado: o Café Santa Cruz. Como apontamento de somenos
lamenta-se o facto de todo o livro, incluindo os referentes portugueses, estar
escrito na língua de Cervantes.
E DO OUTRO LADO DA FRONTEIRA É IGUAL?
Na fase de perguntas à mesa por parte da
assistência, alguém interrogou Fernando Franjo, espanhol e autor da brochura,
para saber se em Espanha, tal como em Portugal, os poderes públicos se
mantinham alheados desta enorme riqueza patrimonial e turística, mormente,
tendo um instrumento de preservação como a classificação de imóveis e bens
culturais de relevante Interesse Municipal? Respondeu Franjo que lá, tal como
cá, o poder local não tem sensibilidade para a importância histórica destes
espaços.
E ONDE ESTAVAM OS APOIANTES?
Quem faz o favor de me ler já deveria ter
visto que tento ser os olhos do leitor, uma espécie de consciência crítica. Sem
cair num negativismo endémico e viciado, com honestidade e na minha subjetividade,
tento exaltar o que entendo por bom para todos e criticar o que entendo menos
positivo para a coletividade. Apreendo que nesta cerimónia de apresentação e
declaração de um lugar que faz parte de nós e nos honra a sua continuidade,
pelo menos, deveria ter marcado presença um vereador da Câmara Municipal de
Coimbra. Pelo mais, cada um dos apoiantes do projeto, nomeadamente da
Universidade, da Escola de Hotelaria e do Museu Machado de Castro, poderia
muito bem ter mandado um representante para assistir ao lançamento. Ou não? Bom,
convenhamos, às tantas poderiam não terem sido convidados para o efeito. É
verdade mas, pelo conhecimento prévio e tendo em conta que se tratava de um ato
político, estas entidades, enquanto pólos dinamizadores da cidade, e do seu
turismo, deveriam aparecer para mostrar que estão atentas –e quiçá preocupadas-
e, no mínimo, para demonstrar aos munícipes e empresários que querem mais o
cara-a-cara, na envolvência direta, e menos o despachar de secretaria.
Se calhar, com o veneno que, para alguns, me
caracteriza, não faz sentido esta minha reportação. Ou fará?
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