sexta-feira, 27 de março de 2015

VISITAS GUIADAS COM COMISSÃO





Em Janeiro de 2011 escrevi sobre este mesmo assunto e enviei para conhecimento às entidades competentes. Nenhuma delas me ligou ou respondeu. Quero dizer, portanto, que estou a chover no molhado. Mas, levando a ousadia ao cúmulo de me auto-classificar e salvo melhor opinião, numa bipolaridade existencial, quem escreve será sempre um pessimista -realista, de pés assentes no chão- e com os olhos num optimismo moderado, mas sem descurar o romantismo e o encantamento das estrelas. É uma espécie de em cima/em baixo –acredita em tudo, não acredita em nada-, um cai/ levanta. Tudo por que se, por um lado, desvaloriza, perdoa, porque entende a natureza humana –no sentido de que sabe e apreende que somos todos incompletos e o errar faz parte da nossa essência-, por outro, nunca perde a fé nesta mesma humanidade, já que a imprevisibilidade, como que a compensar, complementa todo o lado negro e selvagem que existe dentro de nós e, a qualquer momento, sem que nada o faça pressagiar, repentinamente, as coisas mudam.
Há quatro anos entrei numa loja de artesanato de um amigo, na zona do Largo da Sé Velha, e, com ar pungido, lamentava-se o meu conhecido sobre o escândalo das comissões “exigidas” por alguns –sublinho alguns- guias turísticos aos donos das lojas para levarem os turistas que acompanhavam aos seus estabelecimentos. Nessa altura, dizia-me ele, que se por acaso algum “tresmalhado” entrasse e estivesse prestes a comprar o guia chegava a ir chamá-lo dentro do estabelecimento e convencia-o a ir a outro congénere.
Esta semana fui visitar outro amigo que abriu a sua loja há cerca de um ano na mesma zona. E, sem que na conversação houvesse intenção, veio à baila o mesmo assunto. Quanto a mim, o problema continua por que os comerciantes do ramo alegadamente lesados não dão a cara. Neste caso a mesma coisa, vou apresentar o seu depoimento sob anonimato. Achei muito curiosa esta conversa. O meu amigo chega a apresentar uma solução muito interessante, dirigida à Câmara Municipal, para que a rota viciada, seja alterada. Vou então transcrever as suas declarações.
O que está a acontecer com alguns guias turísticos é um verdadeiro escândalo! Saliento que este suborno não é extensível a todos mas apenas a alguns. Como em todas as profissões também aqui há gente com dignidade. Disse-me um guia meu conhecido que as comissões cobradas, em “cash”, em dinheiro vivo, sobre o total das vendas são de 20 por cento. Isto é um esbulho! É a máfia em toda a sua imponência, nas nossas barbas e com a nossa permissão.
Os turistas vêm em rebanho e o pastor (o guia) encaminha-os para as casas com quem tem contrato. Já me tem sucedido ver um grupo na minha montra e o guia a apontar para os meus produtos e adereços e quando um deles vai para entrar ele chama-o. Ainda há poucos dias aconteceu. Parou um grupo, viram a montra e a guia -era uma mulher- apontando cá para dentro, esteve a mostrar os bens que comercializo e a explicar os meus adornos decorativos e desandaram, com a timoneira a “arrastá-los” para onde lhe convinha, Isto, porque a minha loja não faz parte do seu roteiro concebido anteriormente e de acordo com a sua execrável forma de ser. Passado um bocado entrou a guia cheia de pressa. Veio comprar-me um artigo e a bater-se ao desconto. Isso é que era bom! Até porque, com as margens de lucro que pratico, se alguma vez me “vendesse”, nunca poderia dar vinte por cento de comissão a essa gentalha indigna, que abandalha a sua profissão e desgraça quem trabalha honestamente. Eu já vi um responsável de grupo a empurrar os excursionistas para uma loja. Não alinho nestes jogos miseráveis de bastidores. A maioria dos guias turísticos procede assim. Levam os turistas para as lojas que lhes pagam por debaixo da mesa. É uma indecência! Infelizmente, tenho de confessar, não tenho grande esperança que esta situação alguma vez seja alterada. Não há interesse na mudança porque, se for modificada, é um corte no ordenado do guia.“

É PRECISO TROCAR AS VOLTAS AO MONSTRO

“Você já pensou porque é que não há lojas de artesanato na Rua Visconde da Luz, Praça 8 de Maio e Rua da Sofia –esta que até foi declarada, pela Unesco, como Património Mundial- e está tudo concentrado entre a Rua Ferreira Borges, Arco de Almedina, Escadas de Quebra Costas e Largo da Sé Velha? Eu explico! Porque os autocarros param todos no Largo da Portagem e os turistas, como carneiros, são ali despejados de qualquer maneira e feitio e encaminhados para os repetidos roteiros: Rua Ferreira Borges, Arco de Almedina, Escadas de Quebra Costas, Largo da Sé Velha, Universidade e voltam pelo mesmo caminho.
Já reparou que poucos são os grupos que passam do Arco da Barbacã e vão até à Igreja de Santa Cruz? Então para a frente, em direcção à Rua da Sofia, é um milagre.
Se houver vontade política camarária, é muito fácil de trocar as voltas ao monstro. Basta consignar o espaço de estacionamento em frente ao Mercado Municipal D. Pedro V para os autocarros turísticos e, para além de o próprio mercado passar a ser visita obrigatória, toda a Rua da Sofia e congéneres passa a fazer parte de um novo itinerário. Mas isto não é claro como a água? É preciso fazer um desenho?”



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