segunda-feira, 2 de março de 2015

LEIA O CAMPEÃO DAS PROVÍNCIAS...



Leia aqui o CAMPEÃO DAS PROVÍNCIAS desta semana.

Na página "OLHARES... POR COIMBRA E PELO PAÍS", na rubrica "NÓS POR CÁ..."  leia  o texto "NESTE CARNAVAL, OS CARETOS DO COSTUME" e na rubrica "OLHAR PARA SUL..."  "CARTA À PROCURADORA GERAL DA REPÚBLICA"


NESTE CARNAVAL, OS CARETOS DO COSTUME

Passou o Dia de Carnaval. Foi o fim de um período de folia que começou no domingo anterior. Por isto mesmo diz o povo que “a vida são dois dias e o carnaval três”. Aquela terça-feira foi um dia solarengo, repleto de luz e cor, em que o Governo não tornou feriado nem abonou tolerância de ponto à função pública mas que muitas autarquias –incluindo a de Coimbra- deram. Na Baixa, só cerca de dez por cento das lojas de comércio tradicional estiveram abertas. Com esta introdução já posso escrever sobre onde quero chegar:
Primeiro, fará algum sentido o Governo da República não dar tolerância de ponto quando, a seguir, pela independência e competência do poder local, é ultrapassado e desvalorizado por muitas câmaras municipais do país? Será que este Governo é sadomasoquista? Gosta de bater e ser chicoteado? Ou será autista (sem ofensa para os familiares dos próprios) e, em predestinação, prefere caminhar alheio ao que se passa à sua volta?
Segundo, estando toda a função pública a trabalhar, como a Loja do Cidadão por exemplo, e não tendo Coimbra tradição carnavalesca, em que fundamento assentou a decisão de encerrar os serviços camarários? Até se entendia, se tivesse grandes festividades em curso, como é o caso de outras cidades como Mealhada, Torres Vedras e outras. Ora, como escrevi atrás, a cidade dos estudantes não tem. Como entender esta decisão num tempo de crise, em que se deveria apelar ao trabalho dando o exemplo e mostrar entrega pessoal e coletiva para sairmos deste estado letárgico que nos tem mandado para o charco? Nesta decisão do executivo da Câmara Municipal de Coimbra, só se podem extrair estas razões: política partidária no pior, utilizada como afronta e arma de arremesso ao Governo, falta de bom senso na governação local e necessidade de agradar a todo o custo aos funcionários da autarquia.
Terceiro, estando o comércio de rua no estado caquético em que se adivinha, pelo estagnado poder de compra, como entender que só uma ínfima parte deste universo comercial estivesse aberto? Por que há crise, não há? Não é invenção minha! Se bem que, às vezes, comece a pensar que é! E que só eu mesmo tenho dificuldades! Argumentar que a urbe fica vazia neste dia e não haverá negócio só em parte pode aceitar-se como justificação. Todos os dias são imprevisíveis, por isso mesmo o Dia de Carnaval não é diferente dos demais. Acho que os comerciantes ainda não entenderam que deveriam ser menos egoístas e darem um pouco de si à cidade. Esta pobreza que alastra no sector, no mínimo, já deveria ter despertado uma consciência social. Abrir o estabelecimento não pode assentar apenas no deve e haver. Tem de restar um sentimento de alteridade. Fazemos parte de um todo. Não estamos isolados. Somos fios que se entrelaçam e formam uma teia. Perante este comportamento maioritário, como é que se argumenta contra o pensamento geral de que o comércio está muito bem e a ganhar muito dinheiro? Não tenho dúvida de que estamos em face de uma adversidade maior do que a crise financeira: o desalento endémico, o baixar os braços, o enfiar o chapéu de vencidos da vida.
Não seria melhor, o Governo, as autarquias, os comerciantes, todos desafivelarem a máscara e mostrarem a cara tal como ela é? Sem jogos faciais, sem contorcionismos, sem falsidade? É que assim, se continuamos a fingir com a mesma careta, o Dia de Carnaval não faz qualquer sentido.


CARTA À PROCURADORA GERAL DA REPÚBLICA

Cara Joana Marques Vidal, Procuradora Geral da República, espero que esta minha carta vá encontrar Vossa Excelência de boa saúde na companhia de todos os seus e em paz com o fantasma do segredo de justiça, esse desterrado e desalmado espectro invisível que se torna materializado num estalar de dedos, e que, apesar da sua luta, teima em atentar o seu magistério.
Porque não nos conhecemos, apresento-me: Luís Fernandes, um pacato cidadão já com algumas rugas e muitos cabelos brancos que, sem ímpeto legalista ou de justiceiro, faz da escrita uma espada a desbravar o denso manto da ignorância das coisas simples e banais. Uma espécie de vento rasteiro a mostrar que depois da passagem dos grandes eventos anunciados fica sempre uma sedimentação calcada e sem história, uma injustiça latente nos macerados mas sem voz para se defenderem das atrocidades tantas vezes disfarçadas de legitimidade.
Enquanto garante da promoção da defesa da legalidade democrática, escrevo-lhe esta missiva por dois motivos: o primeiro, para levar ao seu conhecimento o teor de um acontecimento. O segundo, para a interrogar como pode esta (in)justiça continuar aos seus e nossos olhos?
Embora já tivesse escrito a primeira parte desta história, ou nefasto acontecimento, no mais antigo semanário de Coimbra O Despertar (edição de 23 de janeiro último), naturalmente sem identificar as partes e sem entrar no caso concreto, principio por lhe contar que se trata de um processo de violência doméstica. Tudo teria começado numa cidade do litoral, há cerca de uma dúzia de anos, quando Maria, na altura com 25 anos, funcionária pública e moçoila bonita, depois de um casamento falhado, se enamora de um novo companheiro. Desta nova ligação apaixonada nascem dois filhos, atualmente um com 12 e outro com meia-dúzia de anos. Ao que parece, com o passar do tempo, a mulher foi-se apercebendo de algumas escapadelas e facadas no matrimónio e pouca vontade de contribuir para a despesa caseira e começou a reclamar. Alegadamente, a resposta por parte do parceiro ao longo dos anos foi umas contundentes bofetadas embrulhadas em vapores etílicos, de vez em quando. Fosse por vergonha ou medo, Maria foi calando e nunca apresentou queixa nas instituições para o efeito. Até que, presumivelmente, há cerca de um ano começou a pensar em, conjuntamente com os filhos, abandonar aquela vida de sofrimento. A opressão física e mental aumentou e agora acompanhada com chantagem de lhe serem retirados os rebentos. E Maria, na casa e sua propriedade do anterior enlace, continuou a calar. Até que há cerca de três meses mudou para outro quarto e passou a dormir com o rebento mais novo. Estava aceso o rastilho de mais violência já por ela sobejamente conhecida. Pouco depois do Natal, a meio de uma noite e presumivelmente tomado pelo álcool, o companheiro irrompeu e à frente da criança de seis anos violou e obrigou-a manter relações sexuais. E Maria foi apresentar participação na PSP local. O denunciado foi sinalizado e contactado pela polícia. Em resposta aumentou a pressão sobre a sua comparte, retirando-lhe os cartões de crédito e o telemóvel.
Entretanto, por estes dias, sob ameaça de morte, submeteu a mulher, e os filhos, a entrar no automóvel e obrigou-a a consultar uma vidente numa localidade com praia ali próximo. A visionária, perante os dois, sentenciou o fim daquela união e o agressor, ficando fora de si, ameaçou matá-la juntamente com os filhos. Em desespero de causa, a sequestrada, por telefone, conseguiu contar a mãe e descrever-lhe o cenário de horror e violência que, juntamente com os seus rebentos, estava a decorrer. A progenitora contactou a PSP e foi montada uma operação de resgate. Aberto o processo de inquérito, foi aconselhada a sair imediatamente com os filhos da habitação familiar –recorda-se que o locado está em seu nome. O tirano, como se nada se passasse, manteve-se onde sempre esteve e a vítima foi viver para casa de uma amiga. Durante duas semanas esta prole desfeita e em frangalhos viveu um calvário sem precedentes, sobretudo pela impunidade e liberdade de movimentos do déspota que, apesar da medida de coação imposta de não poder aproximar-se da ex-companheira, para além de tentar resgatar os filhos na escola, continuou a intervalar com a mulher juras de amor e intimações de morte.

PARTIDA PARA LOCAL DESCONHECIDO MAS NEM TANTO

Depois de duas semanas em casa de amigos, sem meios necessários ao bem-estar como roupas para os miúdos e largando o seu trabalho, no âmbito da APAV, Associação de Apoio à Vítima, foi remetida para local totalmente desconhecido até para a sua própria mãe –que se imagina como estaria nessa altura a viver a odisseia de terror da sua única filha. Depois de uma semana numa localidade de articulação, a ofendida, acompanhada dos seus dois filhos, foi transferida para uma casa comunitária de apoio à vítima numa cidade a cerca de 250 quilómetros, a sul.
Há mais ou menos duas semanas, numa noite aparentemente igual a outras onde o silêncio e a angústia imperavam e só quebrados no ranger das tábuas centenárias, por volta das quatro da manhã, foi acordada pelo barulho e gritos da responsável pela casa. A tocar à campainha do edifício estava o miúdo de 12 anos acompanhado com o pai e este com mais duas pessoas. O que teria acontecido? Maria, presumivelmente, a tomar soporíferos para dormir e tentar aguentar tanta sorte indigesta de mau fado, não deu conta da saída do seu filho mais velho a meio da noite. Apesar de não ter telemóvel o adolescente ausentou-se e, através de uma cabina pública, telefonou ao pai e deu-lhe conta da localização. Ou seja, a mulher estava à mercê do agressor. Não aconteceu uma tragédia porque, é de antever, não era a intenção do algoz desencadeá-la por hora. Está de ver que, levando duas testemunhas consigo, perante as frágeis provas de agressão física, pretendia provar a negligência grosseira maternal da ainda esposa.
Pergunta-se: estando o ofensor proibido de se aproximar da vítima, não seria suposto ter uma pulseira eletrónica e controlado à distância? Interroga-se ainda, havendo filhos não será normal acontecer um desfecho assim, de contacto entre as crianças e o progenitor? Para os serviços habituados a lidar com situações análogas, não deveria ser evidente e assegurar o princípio da precaução? Que segurança é transmitida a quem é obrigada a abalar de trouxa às costas do seu habitat e com os filhos a tiracolo? Ainda outra interrogação: ao fazer deslocar a vítima e mantendo o agressor no seu meio, como nada se passasse, não estaremos perante uma escandalosa beneficiação do infrator? Estão erradas ou não as regras judiciais? Se estão certas, parece-me, alguém foi negligente e não cumpriu com o que estava obrigado. Refiro, obviamente, a investigação e o juiz de instrução, este, que é o garante dos direitos, liberdades e garantias de todos os sujeitos processuais, sejam arguidos, assistentes ou ofendidos.
Mas ainda não acabou o calvário desta sentenciada e a penar antes do julgamento, senhora Procuradora Geral da República. Há uma semana, em face do desgaste psíquico que tudo isto deve estar a causar e se adivinha no adolescente, o rapaz “passou-se”. Depois de agredir verbalmente a mãe, empurrando a psicóloga e a assistente social e destruindo os objetos à sua mão, em descompensação, acabou internado, em psiquiatria, num hospital de Lisboa. Sem qualquer estratégia e harmonização de cuidados de segurança dos serviços envolvidos na salvaguarda da integridade física de Maria, esta deu de chofre com o seu ex-companheiro na mesma sala do hospital.
Para finalizar, senhora Procuradora Geral da República, interrogo: estes procedimentos, tendo em conta que há vidas humanas em jogo, não são uma espécie de roleta russa, pois não? É quer se forem –e esperamos que não e este caso fosse pontual-, não é de admirar que, segundo a UMAR, União Mulheres Alternativa e Resposta, tenham ocorrido mais de quatro centenas de mortes na última década!

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