quarta-feira, 11 de março de 2015

COMÉRCIO: OS NOVOS GARIMPEIROS



O que pode mover alguém a abrir uma loja depois de, há cerca de uma década, ter estado estabelecido na Baixa e ter perdido milhares de euros? Pela experiência vivida, sabendo melhor do que ninguém que a arte de negociar, em compra e venda no comércio tradicional, não é mais a nobre competência de um ser humano e é antes de mais uma profissão de risco elevadíssimo, o que pode levar esta pessoa de meia-idade a repetir?
O que pode incentivar um empregado de meia-idade, recentemente mandado para o desemprego por a loja onde trabalhou décadas ter encerrado, a estabelecer-se por conta-própria? Sabendo ele, melhor do que ninguém, que a procura está em baixo e a deflacção –com o embaratecimento contínuo dos produtos- é cada vez maior, porque persiste?
Não há respostas objectivas para as perguntas que formulei. Poderemos especular as razões. Com o abandono provocado e continuado, desde há trinta anos, do sector primário, na agricultura, nas pescas, na caça e na pecuária –de corte, na criação de rebanhos, e leiteira, produção de leite e seus derivados; com a deslocalização do sector secundário para a China e países emergentes do fabrico de roupas e têxteis, máquinas, ferramentas, alimentos industrializados, segmentos eletrônicos, com a crise que se abateu na construção civil, o que fica para quem quer e necessita de trabalhar? Naturalmente que, como estuário de embarcamento, só fica o sector terciário, constituído pelo comércio e serviços. Estando os serviços também em crise profunda, pela necessidade de conhecimentos –com a formação em escolas técnicas a ser abandonada pelo Estado nas últimas décadas- e míngua de rendimentos das famílias, o que resta? Como actividade que, em princípio, parece não requerer elevados conhecimentos, sobra o comércio como eldorado último e esperança de uma pepita de ouro. Então, se este raciocínio estiver certo, está explicada a razão de continuar a haver uma procura exacerbada de espaços comerciais numa área que todos sabem estar esgotada e adivinham antecipadamente que, provavelmente, o que os espera é o desastre. Então, a ser assim, também se entende que os proprietários continuem a abusar dos preços praticados nas rendas.

MAS AFINAL COMO É?

Começo por declarar que as duas rendas contratualizadas para os dois casos que ilustro ao abrir desta crónica foram aumentadas exponencialmente, mesmo sendo já de valores desproporcionados e que levaram os anteriores arrendatários a claudicar.
Se o Estado, ao tributar em 25 por cento os rendimentos prediais, está a provocar um aumento incomensurável no mercado de arrendamento e a contribuir para mandar para a miséria quem precisa do trabalho como símbolo de dignidade, contudo, não podemos continuar a ignorar o abuso crescente de certos senhorios sobre a parte mais frágil, que são os locatários –aqui, confesso, tenho de parar para me rir de mim. É que na última década não fiz outra coisa senão bater nas rendas congeladas e condicionadas, pugnar a liberalização, e defender que o mercado livre, entre a oferta e a procura, se encarregaria de nivelar os preços. Erro crasso para um inocente que não percebe nada de economia.
Com o tempo, e depois das alterações ao Novo Regime de Arrendamento Urbano, assistimos ao completo desvirtuar dos princípios económicos. Ou seja, apesar da oferta de espaços comerciais ser desmesurada –basta atentarmos no universo de lojas encerradas na Baixa- e a procura, em resultado da crise económica, ser menor e rarefeita, verificamos que, contrariando  a lógica, os preços das rendas continuam a subir. O que explica este desvio? Por um lado, porque o proprietário, sendo a parte mais forte, pedindo valores absurdos, pode dar-se ao luxo de manter um espaço encerrado durante décadas. Por outro, porque falta uma lei que obrigue qualquer unidade comercial a poder manter-se fechada somente seis meses sem actividade. Se fosse alterado, inevitavelmente, os preços desceriam para valores comportáveis. A continuar assim, é como se os proprietários de lojas fantasmas só tenham direitos e nenhum dever social. Os inactivos, ao não contribuírem com impostos sobre as rendas, estão a ser discriminados positivamente em relação aos seus pares e a fomentar o desemprego. Com esta inércia, para além de o Estado estar a esbulhar quem cumpre e frouxo com quem contorna e parasita o sistema, estamos a favorecer o extermínio da empresa empregadora no comércio tradicional. Hoje, cada vez mais a pequena e média loja é mono-funcional, apenas funciona com uma única pessoa. Por que razão se continua a olhar as estrelas?


1 comentário:

Portuguesinha disse...

Dou-lhe a resposta que a mim me parece óbvia: é o que saber fazer.

É o que quer fazer. É a vida que há 30 anos lhe dá estabilidade e segurança e precisa dessa rotina até morrer.


É o meu palpite. Nada tem a ver com economias, mas com a simples necessidade de continuar a fazer o que sempre se fez, porque não o fazer é assustador e parar significa que vem aí o cemitério