“Começo por
me apresentar: O Despertar, o mais antigo semanário de Coimbra às ordens de
Vossas Excelências. Nasci como bissemanário -saía às terças e sextas-feiras- em
2 de Março de 1917 para ser parlamentar independente e plural e tendo como
missão defender os valores da Liberdade, Igualdade, Fraternidade e pugnar pela
Justiça Social. “Modesto jornal de província, despretencioso
e humilde, procurará seguir uma só norma, a da correcção, independente, alheio
às facções partidárias, tudo quanto entenda merecer louvor será louvado nas
suas colunas, o que lhe pareça merecer reprovação reprová-lo-á com altivez”,
escreveu-se isto mesmo, a meu respeito,
no primeiro número.
Portanto,
com 98 anos feitos há dias. Quando dei o primeiro grito estava o Sidónio Pais a
fazer oposição ao Partido Democrático Republicano e a preparar-se para liderar
a Junta Revolucionária e, já com 9 anos, andava o cinéfilo Manuel de Oliveira, na
Cedofeita, no Porto, a pensar o que haveria de ser na vida. Como se fosse hoje,
também na minha primeira edição, de 1917, se escrevia assim: “Deixem-se
de política, arreiem as bandeiras partidárias, supeiem os ódios e os rancores,
ponham de parte os interesses das clientelas, lembrando-se apenas de que o país
precisa da dedicação de todos os seus filhos. Deixem esse papel degradante de
perturbadores da ordem a essa meia dúzia de germanófilos, a esses maus
portugueses “que pedem com fervor a victoria da Alemanha” e que neste período
grave para para a integridade da Pátria, só estão dispostos a servi-la sobre
condições vergonhosas, o cognome de Traidores, a chancela de vendidos, e nós
todos os que amamos este lindo e abençoado torrão, vamos para onde nos chamar o
dever, porque acima dos interesses, dos ódios e mal querenças, está a defeza da
Pátria, o prestígio da República e a independência de Portugal”.
Assisti
ao armistício da Primeira Grande Guerra, continuei a crescer e já adulto, com
Salazar, atravessei a Segunda Guerra Mundial e presenciei a derrota da troica,
Alemanha, Itália e Japão. Vi a fome passar por esta parte da cidade e beiras,
pelo país. Observei o estalar da guerra nas ex-colónias e testemunhei a partida
do soldadinho embalado em lágrimas e tantas vezes, tantos deles, a regressar
emoldurado em quatro tábuas.
Com 58
anos de idade e ainda pleno da minha pujança física, certifiquei a revolução de
Abril e elevei o cravo vermelho à altura da minha esperança. Acreditei que o
futuro estava na democracia, do povo e para o povo, e o autoritarismo de Estado,
como ferrete, estava enterrado nas catacumbas de quase cinco décadas e, através
do voto, a política tinha de sair do armário. Em 1986, já com 69 primaveras,
abonei que fazer parte, de facto, de uma Europa unida era uma medida a favor do
desenvolvimento e, mais uma vez, confiei nos políticos. Vieram milhões, deixei
de contar os tostões e até me julguei novo-rico. Em 1992, no meu aniversário dos
75 anos, no editorial da minha capa, escrevia-se assim: “Esta
tribuna livre e plural, impregnada dos valores da Liberdade, Igualdade e
Justiça Social, está hoje em condições de vencer os desafios que os tempos lhe
colocam: tem as instalações remodeladas e equipadas com material apropriado à
completa feitura do jornal, desde fotocomposição à impressão; o aspecto gráfico
renovado; equipa redactorial rejuvenescida; e o conteúdo mais rico, actual e
diversificado; e a Redacção, a Administração e o Sector Comercial distribuídos
por um amplo e recuperado primeiro-andar contiguo às nossas oficinas”.
Ora, com
muita humildade escrevo, passados 23 anos como estou? Como todos os portugueses,
mais pobre, velho e cansado de levar tantos pontapés no traseiro. Larguei a
casa onde nasci, na Rua Pedro Rocha, deixei uma vida bela onde tinha várias
mulheres e dediquei-me completamente a uma nova –à minha Zilda, que me
acompanha para todo o lado e leva-me consigo no coração. Confesso, se não
fossem os meus amigos, a que pomposamente alguns chamam colaboradores, a minha
vida seria bem mais difícil. Eu continuaria a erguer a minha voz? Claro que sim
mas, admitamos, não seria a mesma coisa. Tenho muitos leitores –um enorme
agradecimento para eles. Tenho muitos assinantes e anunciantes. Sem eles, que
me aturam e ajudam semanalmente, nunca seria o que procuro ser. Sou lido até
onde o vento me leva, mas tenho um desgosto: ninguém me escreve. Gostava de
receber uma carta a criticar, ou a enaltecer, a minha postura. Mas ninguém me
liga! Sinto-me um daqueles velhos a debitar histórias mas nunca contraditadas onde
começam sempre pelo mesmo tema: “No meu tempo…”. Por que não enviam um
postalito de parabéns, ao menos? Pode ser?”
Sem comentários:
Enviar um comentário