É terça-feira, faltam poucos minutos para as vinte
e duas badaladas na velha Cabra, na torre da Universidade de Coimbra. O tempo
está ameno. Acabei de deixar para trás o Café
Santa Cruz onde bebi um chá. Desde uma hora antes que este mítico
estabelecimento se manteve todo para mim. Entro na Rua Visconde da Luz e sou
envolvido pelo silêncio incomodativo da falta de pessoas. De repente ouço uma
voz masculina a cantarolar. Olho para trás, é um homem embriagado que num
equilíbrio precário, como cana no canavial empurrada pelo vento, ora vai para
um lado, ora vai para o outro. Continuo a olhar para a frente e entro na Rua
Ferreira Borges. Embora ao longe aviste um ou outro transeunte em passo rápido,
como se quisesse fugir da penumbra envolvente que gera insegurança, tal como a
vizinha artéria está praticamente vazia. Os primeiros cafés estão fechados e A Brasileira, há poucos anos restaurado
como café, pastelaria e restaurante de memória, ainda com as luzes acesas, já
está em limpezas e já não recebe clientes. No Largo da Portagem todos os cafés
estão fechados. Desço as Escadas do Gato e dou com um grupo de estudantes com capa
e batina sentado nos degraus, em frente ao restaurante Aeminium. Rodo a cabeça para o interior desta catedral
pantagruélica e verifico que, em paradoxo com os anteriores estabelecimentos de
hotelaria, tem a sala cheia de estudantes. Atravesso a Rua Sargento Mor e, para
além das suas casas hoteleiras já estarem fechadas, não se vê vivalma. Entro na
Praça do Comércio. A Taberninha já
está de portas cerradas, no café e restaurante Praça Velha estão a amarrar as
cadeiras e mesas da esplanada e só o café do Luís, junto às Escadas de São
Tiago, resiste com quatro pessoas sentadas nas cadeiras da esplanada. Faço um
desvio para a Rua Adelino Veiga e passo ao lado do restaurante Paço do Conde que, apesar de ter ainda dentro
algumas pessoas, já tem o portão principal de acesso no trinco. Dou a volta
pela Rua da Gala e só um gato parece dar por mim. Corto para a Rua da Louça e o
café do Fernando tem três clientes.
Encaminho os meus passos para o Largo do Poço. Depois de dar de caras com o
bêbado que encontrara antes na rua de cima na entrada da Rua Eduardo Coelho, sigo
para a Rua do Corvo e igualmente esvaziada de movimento de pessoas. Vou visitar
o novo Be Scobar que, aproveitando
muito bem o mobiliário de uma antiga loja de tecidos a metro, abriu portas há
menos de uma semana. Lá dentro, por entre cartazes e luzes indirectas a fazer
ressaltar o ambiente retro, um casal
de estrangeiros encosta a barriga ao balcão. Do lado de dentro está o Miguel
Matias, um dos sócios, e outra pessoa. Tiro uma foto e comento com o Matias que,
apesar de ainda ser cedo e a noite ser uma criança, a Baixa está despovoada.
Responde o Miguel que só às quintas e sextas se nota alguma actividade de
clientela. Vou espreitar o bar Be Poetry,
ao lado e também pertença da mesma sociedade. Lá dentro quatro pessoas parecem
conversar com um copo à frente.
COMO É QUE SE PODE DAR
A VOLTA A ISTO?
Já escrevi tantos textos a descrever este
cenário de solidão urbana nocturna que até poderia pegar num qualquer anterior
e evitava de me estar a maçar. Mas alguma coisa terá de se fazer para reanimar
esta área velha. Estou sempre a fazer perguntas a mim próprio. Por que é que
apesar de todos os intervenientes, sobretudo os empresários, termos noção que
esta zona histórica está a bater no chão ninguém faz nada? Nos últimos anos a
situação comercial tem vindo a piorar cada vez mais e, numa apatia continuada,
parece que, como maldição divina, todos aceitamos pacificamente o veredito. É
como se, progressivamente, sempre a descer e sem força anímica para inverter a
situação, nos fôssemos habituando às cores negras do abismo. Por que, volto a
bater na mesma tecla, o estranho é que, apesar de algumas lojas encerrarem –particularmente
as mais antigas- os negócios novos mais virados para o dia, com uma fé incomensurável
no futuro, continuam a fazer investimentos e a emergir a toda a força nesta
zona de antanho. Ora esta movimentação de aparente dinamismo comercial gera uma
ideia errada da realidade. Em metáfora, é como se convivêssemos diariamente com
um velhote e víssemos que, para nossa inveja, ele anda sempre atrelado com várias
mulheres novas e boas. Até ao dia em que somos bombardeados com a notícia da
sua morte repentina devido à ingestão massiva de Viagra. Por tanto martelar sobre isto, confesso, já me considero
uma espécie de anjo negro da desgraça e, apesar de não conseguir, tento lutar
contra a minha vontade.
MAS FAZER O QUÊ?
Se pela desertificação diurna do Centro Histórico,
a nível local e ao estado caótico a que isto chegou, pouco se pode fazer – a não
ser distribuir melhor o turismo internacional por toda a Baixa e não continuar
a usar o mesmo trajecto viciado-, resta-nos acreditar que o próximo governo que
vier liberte mais a economia e deixe de sobrecarregar brutalmente as famílias
com impostos.
Já com o esvaziamento da noite creio que é um
assunto que diz respeito a todos quantos aqui desenvolvem as suas profissões e,
em busca de soluções, deveria ser discutido por todos, comerciantes,
industriais de hotelaria e autarquia. Ou seja, deveria o presidente da Câmara
Municipal, Manuel Machado, chamar a si a responsabilidade de liderar este
processo de revitalização e convocar para o Salão Nobre todos os operadores
para debater esta questão com frontalidade. Num contrato social de compromisso,
cara-a-cara, mostrando vontade de meter as mãos na massa, deveria dizer o
óbvio: ou todos dão um pouco de esforço e ganham esta batalha ou, a continuar
neste deixa correr, todos vamos perder tudo nesta guerra.
ANIMAÇÃO TODOS OS DIAS À NOITE?
Sobre o lema “Páscoa em Coimbra”, segundo o “Campeão das Províncias”, até 4 de
Abril a Câmara Municipal agendou cerca de 30 iniciativas culturais, turísticas
e desportivas. Desde um ciclo de concertos de música vocal e instrumental,
percursos turísticos, muitos eventos desportivos, actividades para crianças,
acções literárias e gastronómicas (programa completo em www.cm-coimbra.pt ou www.turismodecoimbra.pt). São vários
os espectáculos que serão mostrados na rua. Ora, se por esta diligência a edilidade
está de parabéns –embora sejam pontuais, visando as épocas da Páscoa e de
Verão-, dá para ver que, provavelmente, a reanimação da noite na Baixa passará por aqui,
por acções similares mas diariamente.
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