quinta-feira, 26 de março de 2015

BAIXA: A NOITE TEM MUITOS LUGARES VAZIOS





É terça-feira, faltam poucos minutos para as vinte e duas badaladas na velha Cabra, na torre da Universidade de Coimbra. O tempo está ameno. Acabei de deixar para trás o Café Santa Cruz onde bebi um chá. Desde uma hora antes que este mítico estabelecimento se manteve todo para mim. Entro na Rua Visconde da Luz e sou envolvido pelo silêncio incomodativo da falta de pessoas. De repente ouço uma voz masculina a cantarolar. Olho para trás, é um homem embriagado que num equilíbrio precário, como cana no canavial empurrada pelo vento, ora vai para um lado, ora vai para o outro. Continuo a olhar para a frente e entro na Rua Ferreira Borges. Embora ao longe aviste um ou outro transeunte em passo rápido, como se quisesse fugir da penumbra envolvente que gera insegurança, tal como a vizinha artéria está praticamente vazia. Os primeiros cafés estão fechados e A Brasileira, há poucos anos restaurado como café, pastelaria e restaurante de memória, ainda com as luzes acesas, já está em limpezas e já não recebe clientes. No Largo da Portagem todos os cafés estão fechados. Desço as Escadas do Gato e dou com um grupo de estudantes com capa e batina sentado nos degraus, em frente ao restaurante Aeminium. Rodo a cabeça para o interior desta catedral pantagruélica e verifico que, em paradoxo com os anteriores estabelecimentos de hotelaria, tem a sala cheia de estudantes. Atravesso a Rua Sargento Mor e, para além das suas casas hoteleiras já estarem fechadas, não se vê vivalma. Entro na Praça do Comércio. A Taberninha já está de portas cerradas, no café e restaurante Praça Velha estão a amarrar as cadeiras e mesas da esplanada e só o café do Luís, junto às Escadas de São Tiago, resiste com quatro pessoas sentadas nas cadeiras da esplanada. Faço um desvio para a Rua Adelino Veiga e passo ao lado do restaurante Paço do Conde que, apesar de ter ainda dentro algumas pessoas, já tem o portão principal de acesso no trinco. Dou a volta pela Rua da Gala e só um gato parece dar por mim. Corto para a Rua da Louça e o café do Fernando tem três clientes. Encaminho os meus passos para o Largo do Poço. Depois de dar de caras com o bêbado que encontrara antes na rua de cima na entrada da Rua Eduardo Coelho, sigo para a Rua do Corvo e igualmente esvaziada de movimento de pessoas. Vou visitar o novo Be Scobar que, aproveitando muito bem o mobiliário de uma antiga loja de tecidos a metro, abriu portas há menos de uma semana. Lá dentro, por entre cartazes e luzes indirectas a fazer ressaltar o ambiente retro, um casal de estrangeiros encosta a barriga ao balcão. Do lado de dentro está o Miguel Matias, um dos sócios, e outra pessoa. Tiro uma foto e comento com o Matias que, apesar de ainda ser cedo e a noite ser uma criança, a Baixa está despovoada. Responde o Miguel que só às quintas e sextas se nota alguma actividade de clientela. Vou espreitar o bar Be Poetry, ao lado e também pertença da mesma sociedade. Lá dentro quatro pessoas parecem conversar com um copo à frente.

COMO É QUE SE PODE DAR A VOLTA A ISTO?

Já escrevi tantos textos a descrever este cenário de solidão urbana nocturna que até poderia pegar num qualquer anterior e evitava de me estar a maçar. Mas alguma coisa terá de se fazer para reanimar esta área velha. Estou sempre a fazer perguntas a mim próprio. Por que é que apesar de todos os intervenientes, sobretudo os empresários, termos noção que esta zona histórica está a bater no chão ninguém faz nada? Nos últimos anos a situação comercial tem vindo a piorar cada vez mais e, numa apatia continuada, parece que, como maldição divina, todos aceitamos pacificamente o veredito. É como se, progressivamente, sempre a descer e sem força anímica para inverter a situação, nos fôssemos habituando às cores negras do abismo. Por que, volto a bater na mesma tecla, o estranho é que, apesar de algumas lojas encerrarem –particularmente as mais antigas- os negócios novos mais virados para o dia, com uma fé incomensurável no futuro, continuam a fazer investimentos e a emergir a toda a força nesta zona de antanho. Ora esta movimentação de aparente dinamismo comercial gera uma ideia errada da realidade. Em metáfora, é como se convivêssemos diariamente com um velhote e víssemos que, para nossa inveja, ele anda sempre atrelado com várias mulheres novas e boas. Até ao dia em que somos bombardeados com a notícia da sua morte repentina devido à ingestão massiva de Viagra. Por tanto martelar sobre isto, confesso, já me considero uma espécie de anjo negro da desgraça e, apesar de não conseguir, tento lutar contra a minha vontade.

MAS FAZER O QUÊ?

Se pela desertificação diurna do Centro Histórico, a nível local e ao estado caótico a que isto chegou, pouco se pode fazer – a não ser distribuir melhor o turismo internacional por toda a Baixa e não continuar a usar o mesmo trajecto viciado-, resta-nos acreditar que o próximo governo que vier liberte mais a economia e deixe de sobrecarregar brutalmente as famílias com impostos.
Já com o esvaziamento da noite creio que é um assunto que diz respeito a todos quantos aqui desenvolvem as suas profissões e, em busca de soluções, deveria ser discutido por todos, comerciantes, industriais de hotelaria e autarquia. Ou seja, deveria o presidente da Câmara Municipal, Manuel Machado, chamar a si a responsabilidade de liderar este processo de revitalização e convocar para o Salão Nobre todos os operadores para debater esta questão com frontalidade. Num contrato social de compromisso, cara-a-cara, mostrando vontade de meter as mãos na massa, deveria dizer o óbvio: ou todos dão um pouco de esforço e ganham esta batalha ou, a continuar neste deixa correr, todos vamos perder tudo nesta guerra.

ANIMAÇÃO TODOS OS DIAS À NOITE?

Sobre o lema “Páscoa em Coimbra”, segundo o “Campeão das Províncias”, até 4 de Abril a Câmara Municipal agendou cerca de 30 iniciativas culturais, turísticas e desportivas. Desde um ciclo de concertos de música vocal e instrumental, percursos turísticos, muitos eventos desportivos, actividades para crianças, acções literárias e gastronómicas (programa completo em www.cm-coimbra.pt ou www.turismodecoimbra.pt). São vários os espectáculos que serão mostrados na rua. Ora, se por esta diligência a edilidade está de parabéns –embora sejam pontuais, visando as épocas da Páscoa e de Verão-, dá para ver que, provavelmente, a  reanimação da noite na Baixa passará por aqui, por acções similares mas diariamente.

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