Pelo título, poderemos ser levados a pensar
que o personagem de quem vou falar terá a sua barca serrana ancorada no cais da
Estação Nova e, por momentos, entrou nas ruas da calçada. Claro que o leitor já
viu que não é nada disso. Este homem, de nome Giuseppe, mais conhecido por “Pino” e que há cerca de 15 anos vende a Revista Cais entre as Ruas Ferreira Borges e Visconde da Luz, é uma
pessoa muito querida por todos nós. Pela sua educação, pela assertividade, é
uma espécie de candeeiro de luz cuja luminosidade ilumina as nossas vidas
diariamente. Podemos até nem dar por ele mas, se nos faltar nas
artérias principais da urbe, notamos imediatamente a sua falta.
Pouquíssimos de nós, mesmo em dia de chuva
como hoje, não “tropeçaram” no
Giuseppe. Certamente, tal como eu, nunca lhe demos muita atenção. É mais um viandante
que, no seu anonimato, vagueia pelas ruas da cidade, como se, com o seu olhar
de súplica, procurasse nos nossos olhos um porto de abrigo. Em sentido
metafórico, esta pessoa é mesmo o homem do cais. Aquelas ruas são o seu porto.
Nós, transeuntes que passamos por ele, quase sempre sem o olhar de frente,
olhos-nos-olhos, seremos o seu oceano de esperança. Mas este vendedor de sonhos não realizados tem uma
história para contar. Afinal, todos temos uma narrativa. Não é assim? E se,
vagamente em estereótipo, somos levados a pensar que este sujeito será azedo pela
natureza da vida que, em princípio, teria sido pouco generosa com ele, ao
trocarmos impressões ficamos estupefactos. O “Pino”,
aparentemente vagabundo de nós, espalha amor de frase em frase como agricultor
semeia trigo ao vento por cima da terra lavrada.
Giuseppe é italiano. Esteve numa instituição
devido a problemas que afectam os humanos, segundo as suas palavras. Gostava
que não fosse assim, mas foi. “Valerá a
pena renegar a verdade?”. Interroga-me com pronúncia musicada de
transalpino e os olhos doces a encimar o rosto coberto por barba hirsuta. “Temos que nos aceitar como somos. De que
vale andarmos em guerra uns com os outros? A vida é amor e o amor alimenta-se
da própria vida”.
Veio para Coimbra há muitos anos.
O tempo corre depressa. Embora o veja por aqui diariamente, não imaginava ser
há mais de uma década. Já largou a sua terra-madre, que um dia o viu nascer, há
tantas primaveras que mal lembra. Hoje habita um andar arrendado na cidade.
Vive com a mulher e um filho. “Minha “mulherr”
“estarr” “muita” doente, física e psiquicamente”, enfatiza. Quando lhe
pergunto se a venda da revista Cais dá
para viver, diz-me: “Non! Esta crise veio
“piorarr” tudo. Apenas dá para pagar
“quarto” (renda da casa).
E acerca dos transeuntes, o que
pensa deles? São bons, ignoram-no, ou maus para ele? Interrogo. “Muito bons! Eu também não faço mal a ninguém. A vida “serr” muito
pequena. Porquê fazer mal? Vida é amor”, conclui.
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