terça-feira, 3 de março de 2015

ROSTOS NOSSOS (DES)CONHECIDOS: O HOMEM DO CAIS




Pelo título, poderemos ser levados a pensar que o personagem de quem vou falar terá a sua barca serrana ancorada no cais da Estação Nova e, por momentos, entrou nas ruas da calçada. Claro que o leitor já viu que não é nada disso. Este homem, de nome Giuseppe, mais conhecido por “Pino” e que há cerca de 15 anos vende a Revista Cais entre as Ruas Ferreira Borges e Visconde da Luz, é uma pessoa muito querida por todos nós. Pela sua educação, pela assertividade, é uma espécie de candeeiro de luz cuja luminosidade ilumina as nossas vidas diariamente. Podemos até nem dar por ele mas, se nos faltar nas artérias principais da urbe, notamos imediatamente a sua falta.
Pouquíssimos de nós, mesmo em dia de chuva como hoje, não “tropeçaram” no Giuseppe. Certamente, tal como eu, nunca lhe demos muita atenção. É mais um viandante que, no seu anonimato, vagueia pelas ruas da cidade, como se, com o seu olhar de súplica, procurasse nos nossos olhos um porto de abrigo. Em sentido metafórico, esta pessoa é mesmo o homem do cais. Aquelas ruas são o seu porto. Nós, transeuntes que passamos por ele, quase sempre sem o olhar de frente, olhos-nos-olhos, seremos o seu oceano de esperança. Mas este vendedor de sonhos não realizados tem uma história para contar. Afinal, todos temos uma narrativa. Não é assim? E se, vagamente em estereótipo, somos levados a pensar que este sujeito será azedo pela natureza da vida que, em princípio, teria sido pouco generosa com ele, ao trocarmos impressões ficamos estupefactos. O “Pino”, aparentemente vagabundo de nós, espalha amor de frase em frase como agricultor semeia trigo ao vento por cima da terra lavrada.
Giuseppe é italiano. Esteve numa instituição devido a problemas que afectam os humanos, segundo as suas palavras. Gostava que não fosse assim, mas foi. “Valerá a pena renegar a verdade?”. Interroga-me com pronúncia musicada de transalpino e os olhos doces a encimar o rosto coberto por barba hirsuta. “Temos que nos aceitar como somos. De que vale andarmos em guerra uns com os outros? A vida é amor e o amor alimenta-se da própria vida”.
Veio para Coimbra há muitos anos. O tempo corre depressa. Embora o veja por aqui diariamente, não imaginava ser há mais de uma década. Já largou a sua terra-madre, que um dia o viu nascer, há tantas primaveras que mal lembra. Hoje habita um andar arrendado na cidade. Vive com a mulher e um filho. “Minha “mulherr” “estarr” “muita” doente, física e psiquicamente”, enfatiza. Quando lhe pergunto se a venda da revista Cais dá para viver, diz-me: “Non! Esta crise veio “piorarr” tudo. Apenas dá para pagar “quarto” (renda da casa).
E acerca dos transeuntes, o que pensa deles? São bons, ignoram-no, ou maus para ele? Interrogo. “Muito bons! Eu também não faço mal a ninguém. A vida “serr” muito pequena. Porquê fazer mal? Vida é amor”, conclui.




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