LEIA AQUI O DESPERTAR DESTA SEMANA
Para além do texto "ATÉ AO FIM DO MÊS, DALINE", deixo também as crónicas "O "INGINHEIRO" VENDEDOR DE CASTANHAS"; "FALECEU A SENHORA ALBERTINA"; "O CORTÊS JÁ TEM OUTRO "ORGON"; "A ÚLTIMA TREMOCEIRA PROCURA NOVO BANCO".
ATÉ AO FIM DO MÊS, DALINE!
A Daline, um pronto-a-vestir com fabrico
próprio e demais conhecido na cidade, vai encerrar no fim deste mês, de
fevereiro. A funcionar há 21 anos no Largo do Poço, no rés-do-chão do edifício
do Jazz ao Centro e onde, durante
décadas, funcionou o mítico Salão Brazil, este enorme estabelecimento, que em
1994 veio ocupar o antigo espaço da AGA, António Gomes António, vai mandar
cinco funcionários para o desemprego. Pela enorme área de venda, é um dos últimos
ícones como modelo de uma Baixa comercial desaparecida.
Segundo alguém que sabe do que fala mas que
prefere não se identificar, “em
princípio, pelo menos foi ventilado, será uma restruturação. Falou-se que a
marca irá funcionar num espaço mais pequeno para conter os custos. Repare que
numa altura em que não há negócio a renda são cerca de 1500,00 euros e
ordenados para cinco funcionários. É a crise! Vai tudo para o desemprego! A
fábrica é em Leiria e, como todas as unidades de produção, atravessa graves
problemas. O culpado disto é o Governo que, em vez de ajudar, prefere que vá
tudo para o charco. Com juros a 30 por cento para quem se atrasa no pagamento
do IVA quem é que aguenta? É o Estado que nós temos!”
A SAGA CONTINUA
Nesta última segunda-feira encerraram duas
lojas. Uma de roupas, na Rua das Padeiras, paredes-meias com a Peixaria Pinguim
e outra de perfumes na Rua Adelino Veiga. Segundo uma vizinha desta perfumaria,
“já há uns tempos que se falava no seu
fecho. Já não tem artigos lá dentro para venda. Já viu isto? Onde vamos parar?”
Também no fim do mês, na Praça do Comércio,
vai encerrar uma loja de artigos decorativos a funcionar no antigo espaço d’O
Cordelinho.
O “INGINHEIRO” VENDEDOR DE CASTANHAS
Tem um ar magrote, esquálido, como quem
se alimenta mal. A calça rota nas duas pernas e junto aos joelhos apresenta um
ar cansado como objeto que já correu muito nesta vida. As suas mãos, com dedos
compridos, são calejadas, mais que certo robustecidas pelas arestas de muitos
tijolos que lhe tocaram em beijos de ganha-pão, parecem de operário pendurado
num ilusório cabido e à espera de uma oportunidade. Senhoras e senhores,
apresento-vos o “inginheiro” Paulo Dias. Aviso já que não tem canudo passado
por qual faculdade, mas tem uma formação obrigatória para vender castanhas na
Praça 8 de Maio. Façam o favor de não rir porque o caso é sério e o formado pode
sentir-se incomodado. Vou ligar o gravador e transcrever a história do
“inginheiro” Paulo:
“Até há quatro anos trabalhei na construção civil. O emprego começou a
rarear e passei a fazer parte do universo de despedidos. Recebi subsídio de
desemprego até há dois anos. A seguir foi-me atribuído o rendimento mínimo.
Como não chegava para pagar a renda de casa, que é de 200,00 euros, tive de
fazer pequenos biscates para ver se me aguentava com a minha companheira, a
Sónia Margarida –que você conhece bem desde criança. Em Maio do ano passado
foi-me cortado o RSI, Rendimento Social de Inserção, e a renda de casa começou
a não acompanhar as minhas necessidades. Fui às Finanças coletar-me para vender
bolas de Berlim na praia da Figueira da Foz. Fiz o mesmo para a minha Sónia,
para poder vender bolos de Ançã junto à Loja do Cidadão. Mas a renda da casa,
por falta de pagamento, teimava em crescer e a ameaçar o nosso bem-estar. Pedi
uns dinheirinhos e comprei um carrinho de assar castanhas por 400,00 euros. Fui
novamente às Finanças fazer um acrescento na coleta, agora como vendedor de
castanhas. A seguir, fui à Câmara Municipal para tratar da licença. Era preciso
um termo de responsabilidade e uma formação. Paguei 50,00 euros para o processo
dar entrada. Fui então tratar da formação profissional para ser “inginheiro” e
poder vender castanhas na Praça 8 de Maio. Encaminhei-me para a Palheira, uma
localidade nos arrabaldes da cidade, para um técnico da especialidade. A troco
de mais 25,00 euros para a formatura e mais 50,00 euros pelo termo de
responsabilidade, e após umas escassas horas, passei a licenciado. Por ser
obrigatório, adquiri um extintor por 31,00 euros, que tenho de manter no carro.
Fui à autarquia e paguei mais 30,00 euros por ocupação de espaço público até
Abril e mais 6,50 euros por mês.
Ser “inginheiro” custa muito! Nunca tinha imaginado quanto! Sabe o que
lamento? É a falta de sensibilidade de tantas pessoas –incluindo pessoal da
fiscalização que, volta e meia, vão ter com a minha Sónia, junto à Loja do
Cidadão, e a fazem arrumar tudo por falta de licença de ocupação. Ninguém pensa
no esforço que faço para aguentar e estar aqui. Ninguém se preocupa se ganho o
suficiente para pagar as licenças. É um absurdo! Não consigo arranjar dinheiro para tanta
imposição. Parece que querem obrigar-me a ir roubar. Repare, estou a pagar o
quilo de castanhas a 4,00 euros. Num saco de vinte quilos, muitas delas vêm
podres, vão à vida cerca de 15,00 euros. Diga-me? O que resta? Quase não dá
para jantar uma sopa! Acho que a edilidade deveria ter outro tratamento para os
vendedores como eu, que sou pobre e mal tenho sítio para cair morto. É só mesmo
para nos comer dinheiro! É muito triste, sabe?”
FALECEU A SENHORA ALBERTINA
Quem passou este fim-de-semana na Praça 8 de
Maio estranhou o Quiosque Espirito Santo estar fechado. Um estabelecimento que
está diariamente aberto e só encerra nos dias de Natal e Páscoa, onde a Lena é
sentinela, para acontecer o contrário algo grave ocorreu. E foi mesmo! A mãe do
Jorge, Albertina de Jesus Martins, de 87 anos, pessoa muito estimada e que
durante décadas trabalhou na Rua do Corvo, deixou-nos.
Quem nos vai falar da falecida é o comerciante
Henrique Ramalhete que a conheceu bem. “A
senhora Albertina era empregada doméstica de Berta dos Santos Silva –pessoa muito
ativa e ligada ao Movimento Nacional Feminino, organização de apoio à Guerra
Colonial, com o suporte do Estado Novo entre 1961 e 1974. Era esta senhora que,
neste período e na Baixa, recebia e distribuía os aerogramas provindos e
destinados aos militares no ex-Ultramar Português. Então, fosse pela filosofia
da casa ou não, a verdade é que a dona Albertina, mesmo sendo empregada,
chamava os marçanos do comércio, como eu a trabalhar na Rua do Corvo e originário
de gente muito humilde, e presenteava-os com um suculento lanche. Um gesto de
bondade que nunca esquecerei. Onde ela estiver, o meu agradecimento e que
descanse em paz.”
Em nome da Baixa, para o Jorge Martins e
esposa Lena e para toda a família, uma mensagem de condolências e um grande
abraço nestes dias de tristeza.
O CORTÊS JÁ TEM OUTRO “ORGON”
Depois de, há cerca de duas semanas, Jorge
Santos, um benemérito de Miranda do Corvo, ter oferecido um órgão ao músico de
rua Luís Cortês, na quarta-feira, da semana passada, um energúmeno deu-lhe a “palmada” na Praça 8 de Maio. Em
princípio, segundo testemunhas que o viram carregar o instrumento, o gatuno estará
identificado pela PSP. O problema, como se compreende, é a prova. E sem
aparecer o instrumento, parece-me, é complicado.
Por que no meio de bandalhos como o ladrão que
surripiou o ganha-pão do Luís há sempre gente boa que emerge e que nos dá
esperança num mundo melhor, na segunda-feira à tarde, uma senhora, acompanhada
do neto, entregou um órgão novo ao Cortês. Disse quem viu que, perante a
surpresa, o músico de pobreza reconhecida deu em chorar desalmadamente. Um
gesto deste altruísmo é bonito de mais! Salienta-se. Em nome de todas as
pessoas de boa vontade, muito obrigada. Mesmo no desleixo do músico invisual,
que ao não cuidar bem do que lhe oferecem com tanto amor causa alguma irritação
por parecer não dar valor ao esforço dos outros, temos de ter uma compreensão
maior e o que deve prevalecer é o sentimento de generosidade. Uma boa lição que
esta nobre benfeitora e o neto deram. Bem-haja!
A ÚLTIMA TREMOCEIRA PROCURA NOVO BANCO
Na última quinta-feira, da semana passada, a
dona Adelaide, a última tremoceira
como lhe chamei, tendo por fundo os manifestantes a exigirem o seu dinheiro
anteriormente depositado no BES –que Deus tem em má guarda pelo Novo Banco- sentada num assento de
pedra, pelos traços do rosto e ainda que silenciosamente, manifestava algum
descontentamento com o seu velho banco. “Fosca-se!
No próximo dia 12 de Março comemoro 91 anos. Apesar do meu falecido marido ter
sido sacristão, nunca tive informações privilegiadas divinas e, apesar de ter
trabalhado toda a vida, continuo pobre. Coloquei todas as minhas ações neste
merdoso tamborete de pedra e nunca cresceram. Investi aqui todo o meu
dinheirinho e estou cada vez mais lisa! Seria contágio? Porra! Já há muito
tempo que deveria ter mudado de banco! Agora, se calhar, já não vale a pena! Se
ao menos me fizessem uma festa de aniversário no próximo dia 12, ainda vá que
não vá! Caso contrário, sou obrigada a mandar umas “carvalhadas” que abana
tudo! Homessa! Isto irrita! Carago!”
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