Na página "OLHARES... POR COIMBRA E PELO PAÍS", na rubrica "NÓS POR CÁ..." leia o texto "A "CHINATOWN" EM MARCHA" e "O VOO RASANTE DO FALCÃO".
Na rubrica "OLHAR PARA SUL..." leia a crónica "PÔR OS OLHOS EM BICO SOBRE ÉVORA"
A “CHINATOWN” EM MARCHA
A Daline, um estabelecimento com 21 anos de
existência e uma área invulgar na comparação com outros estabelecimentos
comerciais, funcionou no Largo do Poço. Conforme escrevi n’O Despertar,
encerrou no último dia do mês de Fevereiro e, com este claudicar, enviou cinco
funcionários para o desemprego. Segundo informações que recolhi de fonte
fidedigna, pagava uma renda cerca de 1500 euros. Passaram cinco dias do correr
do pano e, alegadamente por quem sabe, já há várias ofertas ao proprietário,
sendo a maior até ao momento de 2.750,00 euros provinda de um comerciante
chinês.
Interrompo a explanação para uma ressalva:
nada me move contra povos migratórios que aqui, no país, e tal como nós no
estrangeiro, tentam ganhar a vida –desde que as condições de acesso sejam
iguais aos portugueses, autóctones. A questão é saber se as regras, neste
desafio são as mesmas para quem chega de fora ou são envolvidas numa nuvem de
discriminação suspeita de benefício. É que se são diferenciadas, positivamente
pelo benefício, estamos a permitir sermos enxovalhados e maltratados de uma
forma ultrajante. Alguém tem obrigação de clarificar e mostrar a razão desta
assimetria.
Depois da emenda, parto para perguntas. Damos
uma volta pelos estabelecimentos orientais e verificamos que, quer sejam
grandes ou pequenos na dimensão, estão vazios de clientes. Pelo que se vê e
adivinha, pelo presumível movimento de caixa, é impossível em condições
normais, de paridade nas obrigações, pagarem estes valores astronómicos. A primeira
interrogação: como podem estes negociantes do Sol-Nascente inflacionarem as
rendas desta maneira? Que condições lhes são concedidas pelo Estado Português
–no âmbito da ratificação do acordo da Organização Mundial de Comércio- para
poderem pagar o que um normal investidor nacional não pode?
Bem se sabe que as autarquias
locais, em princípio, não podem impedir a instalação de um qualquer negócio
desde que cumpram as normas. Uma outra interrogação: sabendo todos que a Baixa
está prenhe de lojas chinesas não se faz nada para repensar e criar meios em
que a diversidade seja possível? O que se quer fazer desta área velha?
Em jeito de contrição, poderemos dizer que,
praticamente, toda a roupa vendida na Baixa, em lojas de administração
portuguesa, é de origem chinesa. Poderemos invocar que, por exemplo, a REN é de
capitais chineses. Ou seja, o dinheiro manda e pode. O problema, parece-me, será
que não deveríamos resguardar qualquer coisa deste país ofendido na dignidade e
evitar ser retalhado e vendido em fatias? Bem sei que a palavra “Pátria” morreu e jaz enterrada, e quem a
evoca, como eu, é logo catalogado nos opostos: ou é de extrema-direita ou radical de
esquerda. Sabendo que estão previstos alguns encerramentos de lojas antigas
até ao fim deste ano, onde fica o bom senso? Quem vai dar emprego? Valerá a
pena invocar a cultura nacional? Ainda existe? E a produção? E a mão-de-obra?
Pela indiferença crescente, interessa falar nisto numa cidade recentemente
classificada pela UNESCO como Património Universal da Humanidade?
O VOO RASANTE DO FALCÃO
Primeiro mandaram seus produtos baratos para as lojas
de “300”. Achei giro. Cheguei a estar enfileirado para entrar na primeira loja.
Eram artigos acessíveis no preço, muito bonitinhos, e com o dinheiro que
detinha adquiri o dobro. Comprei.
Eu não quis saber!
Encerraram todas as fábricas de guarda-chuvas e
vassouras, muitas de ferramentas desapareceram. Era a economia de livre-mercado
a toda a força e, dizia-se, muito bom para os consumidores. Eu era consumidor.
Eu não quis saber!
A seguir vieram eles, em voo rasante, dizimaram os seus
outrora compartes “300”, instalaram-se e, como eucaliptos secando tudo à sua
volta, foram fazendo fechar outras lojas no bairro.
Eu não quis saber!
Como nuvem tóxica que tudo invade, fui vendo que as
etiquetas da roupa que comprava na loja tradicional, e que até aí eram produto
nacional, passaram a ostentar “made in China”. O capital não tem pátria,
invocava-se.
Eu não quis saber!
Os tapetes de Arraiolos começaram a ser produzidos na
China com ajuda de formadores portugueses e a serem vendidos em Portugal a 1/8
do preço do original. Se eram praticamente iguaizinhos! E depois? Eu gostei e
comprei.
Eu não quis saber!
As fábricas de têxteis nacionais foram encerrando e
mandando para o desemprego milhares de trabalhadores. Diziam que era a
Globalização a funcionar. Encolhi os ombros. Não era comigo.
Eu não quis saber!
Portugal tinha uma cidade industrial reconhecida pela
produção de moldes e vidros de qualidade mundial. Passo-a-passo, como epidemia
que dizima tudo, pequenas e grandes unidades de produção foram claudicando. Que
tinha eu a ver com isso?
Eu não quis saber!
A zona centro, para os lados do Rio Águeda, era
reconhecida pelo fabrico e montagem de bicicletas, monomotores, cucciolos e motas. Aos poucos começaram
a encerrar umas atrás de outras. Eu nem pedalava nem tinha motoreta. O que perdia com isso?
Eu não quis saber!
As grandes indústrias de metalo-mecânica e siderurgia
foram encerrando. A imagem que guardava delas eram as grandes colunas de fumo a
sair das chaminés e a conspurcar o ambiente. Estávamos na era pós-industrial.
Até concordei.
Eu não quis saber!
Paulatinamente foram encerrando na cidade as pequenas
produções familiares de fabrico de imagens sacras em terracota e substituídas
por reproduções muito feias de Nossa Senhora de Fátima, em resina. Não tinha
nada a ver com o assunto. Nem sou católico.
Eu não quis saber!
As grandes fábricas nacionais e lojas de mobílias foram
claudicando. Os móveis portugueses, progressivamente, foram sendo substituídos
pelo IKEA feitos no oriente. Diziam que eram os costumes a mudar. A livre
economia a funcionar. Gostei. Comprei.
Eu não quis saber!
O desemprego atingiu os 12 por cento da população
activa, os jovens partiram para o estrangeiro por não haver cá trabalho. Os
velhos com rosto de pedra, em depressão profunda, passaram a encher os bancos
de jardins e o seu suicídio passou a ser notícia diária para pôr fim a uma
história de indignidade e sofrimento. Eu não era velho.
Eu não quis saber!
A violência doméstica, tendo por base o estertor
financeiro como desencadeador e o ruir da estrutura de barro do edifício-família,
passou a ser o quotidiano num país amargurado, sem moral e sem identidade, que
perdeu a esperança e não sorri.
Eu não quis saber!
Por comerciantes chineses, abriu a primeira loja de frutas
no meu bairro, os preços eram muito mais baratos que os outros vendedores
locais. Pelos valores comercializados abaixo de custo, estava a colaborar num
genocídio da concorrência. Não me importei. Essa guerra não era minha. Como
tinha pouco dinheiro, comprei.
Eu não quis saber!
Um dia cheguei à Baixa da cidade e não havia lojas
portuguesas. Só se falava chinês. Não compreendia nada do que diziam. O que me
interessava? Eu até sempre conversei pouco.
Eu não quis saber!
Uma noite cheguei a casa e tinha as malas à porta. Lá
dentro, naquele que fora o meu lar, ouvi uma voz de homem a expressar-se numa língua
estranha. Mau! Tinha sido trocado por um chinês. Senti raiva de mim. Não
gostei.
E passei a querer saber!
Fui ao banco pedir um empréstimo. Quis explicar a minha
carência económica e financeira, mas ninguém me percebeu. Os poucos empregados eram
todos chineses. Questionei a minha essência. Não gostei.
E passei a querer saber!
Precisei de tratar de um assunto na Câmara Municipal da
cidade. Não havia funcionários portugueses. Só chineses. Não compreendi nada do
que falavam. Só então entendi que já não fazia nada aqui. Detestei. Quis
alcançar a tragédia de tudo isto. Porém, já era tarde para eu querer saber.
PÔR OS OLHOS EM BICO SOBRE ÉVORA
Domingo, 8 de Março, Dia Mundial da Mulher e Dia do
Senhor. Os ponteiros do relógio estão encavalitados, um em cima do outro,
na Catedral de Évora e dividem o dia em duas partes. Um sol primaveril,
radioso, sem discriminar géneros, e sem levar em conta a efeméride feminina,
abraça e beija homens e mulheres. As esplanadas da Praça do Giraldo estão
repletas e sem uma mesa vazia. Nas arcadas em redor, sob o olhar de uma imagem
de Santo António, em terracota dentro de um oratório e ao alcance de uma mão
interesseira e violadora da boa moral, dezenas, senão centenas de transeuntes
passeiam sobre um asfalto primorosamente limpo. As grandes marcas
internacionais estão implantadas no Centro Histórico. Neste dia de descanso
para alguns, muitos pontos de venda estão abertas ao público em ruas paralelas
à praça do Geraldo Geraldes, “O Sem Pavor”,
que conquistou a cidade aos mouros em 1167. Como se entrássemos num túnel do
tempo, encontramos mercearias e lojas de ferragens, ainda com o mobiliário
original, estabelecimentos de venda de eletrodomésticos e várias lojas de
tecidos a metro, todos em funcionamento. Curiosamente, apenas encontrei uma
loja de chineses aberta –mais que certo haverá outras, mas estarão de tal forma
diluídas na paisagem urbana que nem se dará por elas. Reparei, há poucos
espaços comerciais encerrados. Porquê esta diferença abissal com Coimbra?
Pergunta-se. Pode haver outras razões de gestão política mais cuidada mas uma
subjaz: não há shoppings na cidade histórica
e muralhada. Existe, isso sim, uma grande superfície d’O Continente –quase dedicada em exclusivo à marca- e outra do Pingo Doce –parece-me, esta marca detém
outras pequenas lojas na urbe alentejana. Ambas, a de Belmiro Azevedo e
Jerónimo Martins, estão instaladas na Zona Industrial, que está situada
estrategicamente dentro da malha da cidade. Haverá alguma similitude com
Coimbra? Pelo menos uma há e, creio, única: ambas foram classificadas como
Património Mundial, pela Unesco.
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