LEIA AQUI O DESPERTAR DESTA SEMANA
Para além do texto "COMÉRCIO: FAZER FESTAS NO DESGRAÇADINHO", deixo também a crónica "UM MODELO A SEGUIR NA FUNÇÃO PÚBLICA".
COMÉRCIO: FAZER FESTAS NO DESGRAÇADINHO
O convite da APBC,
Agência para a Promoção da Baixa de Coimbra, era claro: uma sessão de
esclarecimento, a decorrer no Salão Nobre da Câmara Municipal de Coimbra, sobre
o “Comércio Investe”. O que não se
entende muito bem é o ato ser realizado na sala municipal da cidade e, por isso
mesmo sendo destinada a todos os munícipes, a APBC obrigar a inscrição prévia.
Supõe-se que não estarão à espera de qualquer atentado e, por esse facto, a
realização obrigue a excecionais medidas de segurança, como a identificação dos
participantes.
Voltando novamente à
medida “Comércio Investe”, como se
sabe, trata-se de (mais) um programa de apoio ao desenvolvimento do comércio,
dito tradicional. Estes projetos, que na sua génese sempre visaram atenuar o
impacto das grandes superfícies no comércio de rua, começaram em 1998 com o PROCOM –nessa altura, ainda com a
procura em alta, os subsídios variavam entre os 60 e os 70 por cento a fundo
perdido, sobre o total do montante investido. Por aqui, pela Baixa, vários
foram os comerciantes que, pedindo empréstimos ao banco para as importâncias
restantes, hipotecaram as suas lojas e vieram a falir –poderia apontar alguns,
mas não vale a pena. Progressivamente, sem grande adesão pública, estes
programas foram sendo apresentados com novos nomes, como “Urbcom” por exemplo, e os auxílios a fundo perdido foram sendo
diminuídos até aos dias de hoje e agora, segundo um panfleto distribuído na
Baixa, os incentivos a oferecidos e financiados pelo QREN, Quadro de Referência
Estratégica Nacional, vão de 40 a 50 por cento.
Portanto, repetindo, os
envolvidos nestes projetos foram aumentando o rol de insolvências e sem que,
aparentemente, o IAPMEI, Agência para
a Competitividade e Inovação, que sempre foi a entidade encarregue de espalhar
a “boa nova”, se limitasse a “vender” o produto como se fosse de
importância estratégica para o desenvolvimento do comércio local –na minha
opinião, pelo menos para quem não possuir fundos próprios, trata-se de um
pacote altamente tóxico. É preciso esclarecer que os apoios sempre tiveram em
conta a modernização de instalações, com obras e substituição de mobiliário. Há
uma dezena de anos, para mostrar que estes incentivos são rebuçados
envenenados, numa destas apresentações, interroguei o funcionário do IAPMEI
sobre para que servia remodelar os estabelecimentos se a desertificação era
cada maior e o poder de compra, inversamente, cada vez menor. Naturalmente que
me desancou verbalmente e passei por parvo. Como já estou habituado, nem levei
a mal.
Vamos a perguntas: fará algum sentido as
verbas do QREN, com divulgação e aprovação do IAPMEI, continuarem a apoiar um
sector que, pelo excesso de oferta, continua em decadência profunda e em que
diariamente encerram espaços pelo país inteiro? E porque encerram? Exatamente
porque, sem critério, continuam a ser licenciadas mais superfícies comerciais.
Ou seja, como na agricultura nacional, financia-se a produção para inglês ver e
a seguir o grande comércio de bens alimentares, em nome da livre concorrência, importa
dos países comunitários artigos mais baratos que os produzidos no território
nacional. Penso que estou a ser claro mas quero dizer, em metáfora, que primeiro
se financia uma ponte de aparente salvação e no fim desta, depois de a
percorrer, se apresenta um precipício como única alternativa possível. É como
se os governos, ao longo das últimas duas décadas, fizessem de todos nós
estúpidos, quer seja interveniente nos sectores primário, secundário e
terciário. Se assim não fosse como entender o constante encerramento de lojas
comerciais? Só neste mês de Fevereiro, passado, na Baixa, encerraram três
lojas. Não seria mais lógico disponibilizar crédito bancário, com juros baixos,
às empresas para se aguentarem?
Como se constata, o executivo da Câmara
Municipal de Coimbra, mais uma vez, cede o Salão Nobre para mais um provável
desastre para alguns que aderirem ao “Comércio
Investe”. Porque comunga da ideia cegamente desta maneira e sem questionar
as consequências? A meu ver, no meu legítimo direito de opinião, porque não
sabe nem quer saber do que se passa no comércio de rua. Como virgem inocente,
que não tem nada a ver com esta tragédia que estamos a assistir diariamente,
limita-se a surfar a onda da apatia e deixar andar a procissão. Com esta
abertura do Salão Nobre, em parceria com a APBC e que é membro fundador
maioritário, é como se quisesse mostrar aos comerciantes que está preocupado
com o estado caótico comercial da cidade. Que eu saiba, não há planos de
pormenor para as atividades nesta zona de antanho. Não se sabe o que se quer e
muito menos para onde se encaminha- embora se vislumbre uma intenção de
transformar tudo em hotelaria. Mas a diversidade não é importante? E a
habitação?
POR QUE NÃO SE APOSTA NA PEQUENA INDÚSTRIA?
Se o Comércio está em queda livre na Baixa da
cidade –e em todo o país- por que não se transferem estes fundos comunitários
para a pequena indústria transformadora, para a pequeníssima oficina, de artes
e ofícios tradicionais, que tanta falta faz nas zonas velhas? Porque não criar
na Baixa a oficina-escola para que o saber do passado não se perca?
Os exemplos de indústrias típicas
regionais que desapareceram são imensos. Basta lembrar a olaria –a cidade, ao
longo dos séculos, foi um grande centro desta área. A doçaria regional: apesar de tudo
e graças a alguns hoteleiros envolvidos –apenas e só a eles- tem persistido. Os
bordados
de Almalaguês: há muito tempo que a edilidade deveria ter desenvolvido
meios de modo a espalhar esta arte ancestral aos mais novos. No ferro
forjado: a mesma história. Coimbra, durante o último século XX, foi o
berço desta arte milenar, com mestres como Daniel Rodrigues e Lourenço Chaves
de Almeida. As obras
do Metro Ligeiro de Superfície, no final do milénio, esmagaram tudo o que eram
pequenas oficinas, como a “Cromagem de
Santa Cruz”, na Rua João Cabreira. Hoje, na Baixa não há uma única aberta.
O fabrico
de instrumentos musicais –Coimbra sempre teve tradição na guitarra de
Coimbra e na sua construção. Para além disso, sem lhe passar importância, a
cidade detém no seu seio um dos mais importantes fabricantes de instrumentos, o
Fernando Meireles. Para além de construir e reconstruir qualquer aparelho,
recuperou a sanfona, um instrumento do século XVII que estava considerado
perdido. Não deveria a autarquia ceder-lhe um espaço na Baixa para que se
instalasse na zona e a troco de “whorkshop’s”
e de modo a transmitir o seu saber? Tornearia mecânica: há cerca de uma vintena de anos na
Baixa havia várias oficinas, hoje nem uma marca presença. Pedras e cantarias: havia
várias oficinas de transformação em torno da Baixa e com estabelecimentos na
área. Hoje desapareceram totalmente. Serração: a cidade, salvo erro, não
detém hoje uma pequena unidade para amostra. Estofadores: embora ainda
existam dois, entre a Baixa e a Alta, pela idade dos donos, provavelmente estão
a prazo. Eletricista de automóveis – Há cerca de vinte anos havia pelo
menos meia dúzia destes serviços. Hoje só há um.
Não seria altura de parar e pensar? E começar
a canalizar os fundos para áreas que sirvam, de facto, a comunidade e o seu
desenvolvimento?
UM MODELO A SEGUIR NA FUNÇÃO PÚBLICA
Na sexta-feira passada fui à Loja do Cidadão
para alterar a morada fiscal. Encaminhei-me para o placard –que, já escrevi
aqui, é pouco acessível mesmo até para quem está habituado. Sabia que o que
procurava era os serviços do Instituto dos Registos e Notariado. E cliquei na
sigla IRN. Apareceu-me uma ementa de opções. Como se tratava do “Cartão de Cidadão” selecionei duas
opções: “Cartão de Cidadão –pedido” e “Cartão de Cidadão –entregue”.
E agora? Qual destas preferências trataria do meu caso? Inclinei-me para o
clique no “Cartão de Cidadão –pedido”.
Retirei a senha e, de olhos colados no visor, aguardei pela minha vez cerca de
dez minutos. Quando o placard ribombou e o número começou a piscar levantei-me
e dirigi-me ao guichet indicado. Azar
danado, tiro ao lado, não era ali. Deveria ter escolhido a opção “Cartão de Cidadão-entregue”. Retirando o
tempo económico perdido –que poderia ser evitado se a indicação fosse clara,
como por exemplo a indicar “renovação”, “alteração”-, não havia problema de
maior. Retirei outra senha e aguardei –não sem deixar de refletir, num misto de
irritação, que as coisas poderiam ser tão fáceis se quem manda nesta sinalética
fosse menos egoísta e, por um momento, pensasse um pouco nos outros, sobretudo
nas pessoas simples, algumas, que mal sabem ler quanto mais interpretar
algoritmos.
Como já ia prevenido para esperar, levando um
jornal, os meus olhos iam alternado entre o LCD,
pregado na parede, e a notícia “Atrasei-me
por distração e por falta de dinheiro”, declarações do Primeiro-ministro e plasmada
no semanário Sol. Para ventura minha
–mais que certo, pela teoria da compensação, que se acredita que a seguir a um
azar ocorrerá algo de sorte- estive pouco tempo à espera e fui chamado para ser
atendido. À minha espera tinha uma funcionária na idade de ouro, entre os
quarenta e os cinquenta. Na pequena chapa identificativa estava escrito: Aldora
Couceiro. Dei-lhe os bons dias. Fixando-me, retribui-me com uma saudação
efusiva, viva, com o mais lindo e encantador sorriso que fui presenteado nos
últimos tempos. Senti a sua gentileza da mesma forma que se recebe um raio de
Sol em pleno Inverno, frio e desaconchegado. Aquela amabilidade foi como um
manto de luz espiritual que nos fortifica o corpo e enche a alma de
contentamento. Com uma simpatia invulgar, enquanto tratava do caso específico,
eu ia pensando: digo-lhe o quanto foi
importante receber o seu cumprimento? Ou não digo? Mas se não lhe der
conhecimento, saberá esta funcionária pública quanto está a contribuir e a
fazer bem a quem tem a felicidade de lhe calhar em vez?
No fim do atendimento esmerado e de
simpatia, atirei: já lhe disseram hoje
que a senhora é muito simpática? Já lhe confiaram que a senhora, em modelo, é o
funcionário público que qualquer cidadão espera encontrar? Muito obrigada!
E as órbitas e os olhos de Aldora inundaram-se de lágrimas.
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