O que pode mover alguém a abrir uma loja
depois de, há cerca de uma década, ter estado estabelecido na Baixa e ter
perdido milhares de euros? Pela experiência vivida, sabendo melhor do que
ninguém que a arte de negociar, em compra e venda no comércio tradicional, não
é mais a nobre competência de um ser humano e é antes de mais uma profissão de
risco elevadíssimo, o que pode levar esta pessoa de meia-idade a repetir?
O que pode incentivar um empregado de
meia-idade, recentemente mandado para o desemprego por a loja onde trabalhou
décadas ter encerrado, a estabelecer-se por conta-própria? Sabendo ele, melhor
do que ninguém, que a procura está em baixo e a deflacção –com o
embaratecimento contínuo dos produtos- é cada vez maior, porque persiste?
Não há respostas objectivas para as perguntas
que formulei. Poderemos especular as razões. Com o abandono provocado e
continuado, desde há trinta anos, do sector primário, na agricultura, nas
pescas, na caça e na pecuária –de corte, na criação de rebanhos, e leiteira,
produção de leite e seus derivados; com a deslocalização do sector secundário
para a China e países emergentes do fabrico
de roupas e têxteis, máquinas, ferramentas,
alimentos industrializados, segmentos eletrônicos, com a crise que se abateu na
construção civil, o que fica para quem quer e necessita de trabalhar?
Naturalmente que, como estuário de embarcamento, só fica o sector terciário,
constituído pelo comércio e serviços. Estando os serviços também em crise profunda, pela
necessidade de conhecimentos –com a formação em escolas técnicas a ser
abandonada pelo Estado nas últimas décadas- e míngua de rendimentos das
famílias, o que resta? Como actividade que, em princípio, parece não requerer
elevados conhecimentos, sobra o comércio como eldorado último e esperança de
uma pepita de ouro. Então, se este raciocínio estiver certo, está explicada a
razão de continuar a haver uma procura exacerbada de espaços comerciais numa
área que todos sabem estar esgotada e adivinham antecipadamente que,
provavelmente, o que os espera é o desastre. Então, a ser assim, também se
entende que os proprietários continuem a abusar dos preços praticados nas
rendas.
MAS AFINAL COMO É?
Começo por declarar que as duas rendas
contratualizadas para os dois casos que ilustro ao abrir desta crónica foram
aumentadas exponencialmente, mesmo sendo já de valores desproporcionados e que
levaram os anteriores arrendatários a claudicar.
Se o Estado, ao tributar em 25 por
cento os rendimentos prediais, está a provocar um aumento incomensurável no
mercado de arrendamento e a contribuir para mandar para a miséria quem precisa
do trabalho como símbolo de dignidade, contudo, não podemos continuar a ignorar
o abuso crescente de certos senhorios sobre a parte mais frágil, que são os
locatários –aqui, confesso, tenho de parar para me rir de mim. É que na última
década não fiz outra coisa senão bater nas rendas congeladas e condicionadas,
pugnar a liberalização, e defender que o mercado livre, entre a oferta e a
procura, se encarregaria de nivelar os preços. Erro crasso para um inocente que
não percebe nada de economia.
Com o tempo, e depois das alterações ao Novo
Regime de Arrendamento Urbano, assistimos ao completo desvirtuar dos princípios
económicos. Ou seja, apesar da oferta de espaços comerciais ser desmesurada –basta
atentarmos no universo de lojas encerradas na Baixa- e a procura, em resultado
da crise económica, ser menor e rarefeita, verificamos que, contrariando a lógica, os preços das rendas continuam a
subir. O que explica este desvio? Por um lado, porque o proprietário, sendo a
parte mais forte, pedindo valores absurdos, pode dar-se ao luxo de manter um
espaço encerrado durante décadas. Por outro, porque falta uma lei que obrigue
qualquer unidade comercial a poder manter-se fechada somente seis meses sem
actividade. Se fosse alterado, inevitavelmente, os preços desceriam para
valores comportáveis. A continuar assim, é como se os proprietários de lojas fantasmas
só tenham direitos e nenhum dever social. Os inactivos, ao não contribuírem com
impostos sobre as rendas, estão a ser discriminados positivamente em relação
aos seus pares e a fomentar o desemprego. Com esta inércia, para além de o
Estado estar a esbulhar quem cumpre e frouxo com quem contorna e parasita o
sistema, estamos a favorecer o extermínio da empresa empregadora no comércio
tradicional. Hoje, cada vez mais a pequena e média loja é mono-funcional,
apenas funciona com uma única pessoa. Por que razão se continua a olhar as
estrelas?
1 comentário:
Dou-lhe a resposta que a mim me parece óbvia: é o que saber fazer.
É o que quer fazer. É a vida que há 30 anos lhe dá estabilidade e segurança e precisa dessa rotina até morrer.
É o meu palpite. Nada tem a ver com economias, mas com a simples necessidade de continuar a fazer o que sempre se fez, porque não o fazer é assustador e parar significa que vem aí o cemitério
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