terça-feira, 1 de setembro de 2009

O MEDO DA GRIPE A




Conheço-a bem, há muitos anos. Costumava chegar ao pé de mim e, com um beijinho no rosto, vinha a tradicional pergunta: “como está senhor Luís? E a família vai bem?”.
Hoje, a três metros de distância, saudou-me e em justificação, disse: “desculpe não ir aí cumprimentá-lo mas, sabe, por causa da gripe…temos de ter cuidado…não é?”.
Fiquei a pensar nisto. Embora, que me pareça, a maioria encara esta pandemia –se deve ser assim classificada- com a maior normalidade. Vi no Sábado passado, pela primeira vez, aqui na Baixa, um homem com máscara num café. Não faço a mínima ideia se seria por precaução se estaria contaminado. O que me apercebi é que no pequeno estabelecimento hoteleiro, aparentemente ninguém ligou.
Sem pensar em ataques de histerismo, a verdade é que este vírus, se pior não acontecer, uma vitória já conseguiu: veio acabar com os cumprimentos de proximidade entre pessoas. Não é que estas salutares salvações não estivessem já moribundas. Para tristeza dos mais velhos, nas últimas décadas, já se faziam com um simples olhar. Quase já ninguém se cumprimenta. Entramos num elevador com várias pessoas e saudamos: “bom dia”. O silêncio é a resposta. Trabalho numa loja onde naturalmente entram várias pessoas. Já me tem acontecido, logo que as pessoas entram, dizer: bom dia. A pessoa não responde. Eu insisto: bom dia. Continua a não dizer nada. Então, provocadoramente, interpelo a pessoa: então não responde? Só estou a cumprimentá-la, mais nada. A custo, meia embaraçada, lá vem “um bom dia” muito amarelo e retirado a ferros.
Outras vezes, entra um cliente, de passo apressado, como se não quisesse ser interrompido. Naturalmente, o chato do costume –que sou eu- interrompe-o: bom dia, posso ajudar alguma coisa? A pessoa olha para mim, de olhar esbaforido, como se eu o tivesse picado, e, de modos pouco assertivos, interroga: “posso ver…não posso?”. Claro que este comportamento é de excepção mas acontece muitas vezes.
Eu gosto de pequenos desafios. Experimentar fazer coisas simples. Desde há tempos a esta parte, tenho feito o seguinte: chego a um local para ser atendido e, logo a começar, acompanhado de um sorriso, cumprimento com uma aperto de mão: bom dia. Como é que está? Já há muito tempo que não o/a via. Está com bom aspecto. A pessoa é apanhada de surpresa, olha para mim intensamente, certamente a pensar “mas de onde é que o conheço? Não me lembro mesmo nada desta cara”, mas não se dá por achado. Passados os minutos iniciais já está a falar comigo como se realmente nos conhecêssemos de longa data. Tenho feito isto imensas vezes. As pessoas precisam e querem ser reconhecidas como gente e o cumprimento –se for acompanhado de um sorriso melhor- é o gesto mais simples que podemos fazer por alguém.
Não resisto a contar este pequeno episódio. Eu e a minha mulher vamos muito ao cinema. Praticamente todas as semanas. Já há muito tempo, numa destas vezes, a vendedora de bilhetes, provavelmente estudante, era negra. Estive na fila. Quando chegou a minha vez, cumprimentei-a. Boa noite, como está? Está com muito bom aspecto. Está linda! Dê-me dois bilhetes para o filme X, em lugares centrais na sala, com bons modos e a bom preço. Fez-me o troco, fui a pensar que paguei menos, mas não liguei. Sempre que a encontro na bilheteira, sei agora, que pagamos um preço especial, ou de estudantes ou de aposentados, não sei. O que sei é que me faz um preço diferente. O que ela está a fazer não é mais do que devolver-me a simpatia do cumprimento. Já fiz isto também com rapazes e o resultado é quase sempre o mesmo.
Experimente você mesmo. Quando for a qualquer loja ou grande superfície, antes de falar com alguém, cumprimente o funcionário com amabilidade e um sorriso. Verá que ele fará tudo para encontrar o tal artigo que você procura. Ele vai esfalfar-se para poder corresponder à deferência que você o notabilizou. Acredite é uma experiência fantástica. E custa tão pouco num universo tão global na informação mas cada vez mais restrito nas pequenas coisas que fazem o nosso dia-a-dia, no fundo o húmus das relações humanas. E esta Gripe Suína, Gripe A, Gripe H1N1, ou o raio que a parta, conjunturalmente ainda veio piorar mais o cumprimento…que, estruturalmente, já estava em decadência.

2 comentários:

Ana Rita Santos disse...

Ese belo texto sobre o simples acto de cumprimentar e que tão enriquecedor pode ser leva-me a partilhar outro texto sobre o Sorriso escrito por José Saramago, que já agora aproveito para partilhar.
Consultar o pequeno texto em : http://www.pensador.info/frase/NDU3Njc2/

LUIS FERNANDES disse...

Obrigado Ana Rita, por ter comentado. Irei lá, sim.
Abraço.