LEIA AQUI O DESPERTAR DESTA SEMANA
Para além do texto "A INUTILIDADE DA POBREZA (ENSAIO)", deixo também as crónicas "OS NOVOS SARCÓFAGOS COMERCIAIS"; e "REFLEXÃO: REFÉNS"
A INUTILIDADE DA POBREZA (ENSAIO)
Quanto mais pobreza houver entre
os homens menos se desfrutará a riqueza em liberdade. O detentor da opulência,
ao viés de se sentir escolhido e livre, experimentará um sentimento de
acossado, refém da sua própria condição de abastança. Ser-se rico e estar
rodeado de pobres, do ponto de vista moral, deveria ser considerado abominável,
um martírio só suportável por mentes obscuras, sadomasoquistas e egocêntricas,
sem outro alcance além da ponta do seu nariz. A pobreza não exalta a
riqueza, enxovalha-a e cola-se-lhe como estigma de um passado pouco virtuoso. Toda
a riqueza é vertical, efémera e a prazo. Seja na terceira ou infinita geração,
mais cedo ou tarde cairá. Em contraposição, a pobreza é horizontal e, como
pandemia, tenderá a alastrar-se provocando a desordem, a insegurança e tenderá
em retornar o homem às suas origens selvagens.
Para os que nada têm, a riqueza é
vista como uma doença furunculosa que provoca rancor, inveja e desdém. Os seus
sinais de ostentação, assentes em alicerces de injustiça, são como verrugas no
espírito dos pobres que ensombram até o sol mais radioso, que aquece uma
humanidade pretensamente feliz e enquanto primado da sua condição. Gozar a
riqueza em locais isolados e inacessíveis aos demais mortais deveria ser um
assombro à alma de um endinheirado. Sem o poder evitar, terá sempre por perto
os fantasmas da fome, material ou espiritual, deambulando pelo espaço dos seus
jardins. Dormirá com soporíferos de variada ordem, porque o seu espírito não
tem descanso, atormentado que está pelos gritos silenciosos de quem mais não
tem com que viver senão a esperança do dia de amanhã. Viver na riqueza afastado
do chafurdar da pobreza em incompleta insensibilidade é um ato desumano sem
esperança num futuro equilibrado, ajustado na igualdade de que todo o homem é
meu irmão, em contraposição às assimetrias sociais divididas entre o mais e o
menos.
Como espada de Dâmocles assente
numa justiça natural, tanto se morre por ser rico como por ser pobre, mas o abonado
requer mais pompa na hora da circunstância... como se tal coisa lhe valesse
além das fronteiras da morte e do esquecimento perene. Nenhum rico ficou para a
História apenas pela sua fartura. Depois de uma vida de exploração, em
contrição e para lavar a alma, alguns ficaram pelas suas ações geradoras de
bem-fazer.
É tão inútil e contra natura
manter um povo de pobres, como gozar uma riqueza afrontado por uma maldição
assente em esqueletos enterrados em quintais.
Filosoficamente, ninguém lucra
com um estado continuado de empobrecimento. É como escolher a noite escura em
detrimento do dia brilhante. Em vez de iluminados nascerão seres abjetos,
monstros insensíveis. A riqueza tomada sobre cadáveres, como síndrome
patológica, se tornará sombria, símbolo da indignidade e sem glória.
Materialmente, sabemos, está a acontecer. Deliberadamente e intencionalmente, obedecendo
a um plano maquiavélico e estudado ao pormenor, a maioria enfraquece para
fortalecer e enriquecer uma ínfima minoria, um grupo parasitário que,
destruindo teses justas num amanhecer de esperança coletivo, rebenta com as
ideologias planetárias de uma justiça social.
No silêncio, o pobre, aceitando a
sua condição como fado impossível de alterar, resigna-se, vira-se ao
transcendente e reza. No ruído envolvente, o rico exalta-se e julga-se Deus,
mas ninguém o ouve -da mesma forma que se compreende e se toma a pobreza como
desígnio. É uma aceitação tácita baseada na hipocrisia e fobias sociais.
Virando-se para o metafísico, como complemento de respostas impossíveis, surgem
então, vindos de remoto antanho, os espectros de má memória e as maldições
cíclicas que se abatem sobre o ser humano como fatalidade.
Que utilidade terá para o mundo
um exército de pobres? Descalços e vazios, nem vislumbram o inimigo. O inimigo?
E quem será o inimigo do pobre? Em que brumas perdidas se pode encontrar? Na
história? Na antropologia? Na essência do homem? Vai o abundante, enquanto
mentor imbuído de benfeitor, obrigá-lo a combater este invisível causador de
desgraça? Com que direito impõe a sua legitimação? Mas, afinal, voltamos à
interrogação, quem é verdadeiramente o inimigo do pobre? Será o rico? Não, não
pode ser! A riqueza não deve ser ostracizada enquanto meio para alcançar um fim
de maior desenvolvimento e melhor bem-estar social. Já se constituir um fim em
si mesmo será parasitária –que aliás, maioritariamente, é o que acontece,
sobretudo quando os governos apelam ao aforramento. Obrigatoriamente,
deveríamos querer acabar com os pobres e pretendermos ser, mesmo numa
desigualdade impraticável de suster, todos mais abastados e para que ninguém
fosse obrigado a estender a mão por necessidade. Então, se não é o copioso,
quem é o adversário do pobre? É a AMBIÇÃO, enquanto desejo único e
açambarcador, primo, tutelar, ditatorial, exterminador, que, na sua ganância
sem limites, calca, destrói e achincalha o ser humano, e amanda para o charco a
ambição natural, a aspiração, aquela que nos move e empurra para frente, com fé
num mundo melhor, e que existe dentro de cada um de nós.
Também é verdade que a pobreza
existe porque dá jeito enquanto cosmo de projeção dos medos do homem. O que
seria das religiões sem a pobreza? O que seria dos políticos partidários sem o
apelo vincado aos sem teto e sem esperança?
Quem se sente humilhado rumina
vinganças e, pelo ressentimento que o corrói, raramente tem tempo para obras
poéticas. E se o tiver, porque para dar valor ao tempo precisa de ter a cabeça
arrumada, como timoneiro indigente prefixado, pirata nas entrelinhas do asco,
as suas cogitações serão sempre tristes e medonhas, a marearem em oceanos de
angústia e sofrimento num barco de velas negras.
Hipoteticamente, num inglório
esforço, como adventista do sétimo-dia de uma religião de equidade com fé num
homem novo, poderá sair à rua a reclamar com a sua voz revolucionária e a
quebrar o silêncio dominante. Mas, como nuvem passageira de um infinito presente
de situacionismo, sem ser ouvido por surdos disfuncionais, depressa regressará
à sua pobreza como origem de destino, e como, na natureza, o lobo voltará
ao seu covil.
É de uma inutilidade atroz
perseguir como fim planificado de alguns e perpetuar a pobreza na sociedade. Inevitavelmente
germinará em guerra, mesmo que seja calada pelo suicídio, e provocará muitas
vítimas infelizes. Daqui, deste exército de descontentes e de penúria, como
guerreiros malnutridos, poucos sairão vivos. Mas, na mesma desdita, os
capitalistas também acabam por perder. Será a riqueza uma maldição?
(Retirado de um texto inicial de
José Xavier Nunes e acrescentado por Luís Fernandes)
OS NOVOS SARCÓFAGOS COMERCIAIS
Como que a evitar a captação da
imagem, o manequim feminino, junto de outro, tem o braço sobre os olhos. Em
silogismo, se o gesto é tudo, é mais que certo que a coisa, mesmo não tendo
vida, pode significar algum constrangimento por estar para ali abandonada, no
que já foi as “Galerias Coimbra”. Este grande estabelecimento comercial
encerrou nos últimos dias de Dezembro. Falei com o atual proprietário e,
segundo me comunicou, não vai abrir mais. O que se estranha, por um lado, é
manter-se de montras feitas e com todo o recheio no interior; por outro, é ver
uma casa destas, que já foi o “Harrod’s da Baixa de Coimbra” ali encerrada e
desprezada desta maneira. Ver aqueles bonecos estáticos a olhar para nós é
sentir que, imaginariamente, serão soldados feridos no espírito, a pedir ajuda,
e que foram apanhados nesta hipotética 3ª Guerra Mundial Económica, que durante
décadas nos preocuparam a todos por se pensar que seria bélica, e que, afinal,
em vez de matar o corpo extermina o génio humano em toda a mortandade de
sonhos.
É uma dor de alma ver um desastre
destes –sobretudo para mim, que ali trabalhei quase uma década e tanto lá aprendi.
Se é certo que o tempo apaga tudo, incluindo as mágoas de sofrimento que nos
minam a existência, há certas passagens nesta vida que não desaparecem
rapidamente. Bem sei que não vale a pena estar a lamuriar-me, porque a história
não se repete nunca da mesma forma, as coisas, no seu pragmatismo, são assim e
nada mais. É a evolução, dinâmica natural, reposição de um novo tempo, ou seja
lá o que for. Uma coisa será de antever: por mais voltas que se dê, mais tarde
ou mais cedo, voltar-se-á ao ponto inicial, mesmo que com novas roupagens, uma
vez que as circunstâncias já não serão as mesmas do passado. Por mais
modernidade que se conquiste, ganhando sobretudo comodidade, acabaremos por
perder sempre algo da nossa identidade e ficaremos mais fragilizados do ponto
de vista cultural. Afinal, contrariando Lavoisier, nas voltas que o tempo dá,
não passamos de meros resquícios que do nada viemos e ao nada retornaremos.
Somos apenas sombras de um passado projetadas no futuro.
Penso que o comércio está num
momento de viragem, só comparável com a linha de montagem, ou produção, nos
princípios do século XX. Ou seja, pela forma como tudo se modifica rapidamente
–a ponto de nos fazer sentir excluídos-, o que hoje consideramos como novíssimo
já não é. Já pertence ao passado. Mesmo o comércio praticado nas grandes
superfícies já está ultrapassado. O que se nota em grande movimento é o eletrónico,
mas uma questão se levanta: em sites onde nada se paga ao Estado como é que
este vai recolher os impostos? Como é que se empregam os milhares de
desempregados que fazem parte das estatísticas no país? Vai ser com o retorno
ao sector primário? –Mais uma vez assistimos a um retorno da história. Como é
que vamos voltar à agricultura e pescas se estes sectores estão feitos em
fanicos? Fala-se também em voltar à industrialização. Como? Quem ousa apostar
na indústria se a Europa continuar de portas abertas à concorrência desleal dos
países emergentes?
Não deixa de ser paradoxal,
porque é este novo movimento virtual que está a destruir o comércio fixo. É
certo, como disse em cima, que me parece que, mais tarde ou mais cedo, voltaremos
em grande força ao comércio localizado, mas quando retrocedermos não se sabe
muito bem o que restará deste que, por enquanto, ainda vamos convivendo.
O que me faz impressão é ninguém
se questionar sobre o futuro da arte de comerciar como o conhecemos hoje. É
como se, todos, nos limitássemos a assistir a este movimento imparável, que
está a causar desgraça e morte nas famílias, e, como se estivéssemos
hipnotizados, continuamos impávidos e serenos sem nada fazer. Estaremos a
enlouquecer? Isto é, será que, a snifar estes fumos de modernidade obsessiva,
perdemos a noção de bom senso?
REFLEXÃO: REFÉNS
Nos dias que correm, em metáfora,
um pequeno comerciante tradicional é um corpo amarrado nas estéreis areias do
deserto e à mercê de todos os abutres. Indefeso e sem poder fugir a um destino
que lhe calhou em sorte e sem direito a sonhar com uma velhice condigna, pela
queda abrupta das vendas, vê todos os dias os seus rendimentos diminuir. Em
contrapartida, em desaforo e abuso de confiança, todos os dias vê aumentarem as
contas da energia elétrica, das comunicações, dos seguros, das malfadadas
comissões dos pagamentos automáticos e das comissões bancárias, dos impostos e
das taxas camarárias. Na mesma linha da violência doméstica, talvez fosse bom
pensar-se em criar uma lei contra a violência comercial.
VAMOS AO CIRCO?
Neste domingo último, estava um
dia cinzento e negro com intervalos de chuva copiosa. Na sexta-feira anterior
eu lera na primeira página d’O Despertar que o Circo Soledad Cardinali estava
em Coimbra. Após o almoço, calmamente, coloquei os pés ao caminho em direção ao
“Choupalinho”, queria sentir o “maior espetáculo do mundo” de uma outra forma.
Não como espetador comum, que como máquina de fotografar capta apenas a imagem
que todos apreendem, mas como investigador, que começa por visitar as
traseiras.
Enquanto descia a rampa para o
terreno transformado em palco da cidade, dei por mim a constatar que a última
vez que fui ao circo teria sido por alturas de 1990 quando os meus filhos eram
pequenos. Ou seja, passaram mais de vinte anos e nunca mais coloquei os pés
numa tenda de diversão circense. Porquê? Foi a interrogação que me ficou a
bailar. Será pelo facto de associarmos circo a crianças? Mas como explicar o
fato desta representação artística ser tão elevada no estrangeiro, por exemplo,
no Mónaco em que os príncipes fazem questão de marcar presença e arrastar toda
a classe alta monegasca? Ali não há apenas crianças. Há também muitos adultos e
de todas as classes sociais. Será que em Portugal a arte circense é considerada
pobre não apenas pelo desinteresse de incentivo inscrito no plano financeiro
mas, sobretudo, pelo abandono de quem nos rege? Ou seja, se os ocupantes da
cadeira do poder não frequentam o circo, levando atrás de si a imprensa, como
pode o povo ser sensibilizado para esta habilidade ao vivo? Quantas vezes se
viram um Presidente da República no Coliseu dos Recreios, em Lisboa? E um
Primeiro-ministro? E aqui em Coimbra quantos presidentes da Câmara Municipal
foram vistos dentro de uma tenda a assistir a uma performance artística? E
vereadores? Mais à frente, ouvindo os profissionais da arte do trapézio e malabarismo,
tenho a certeza de que não conseguirei dar respostas conclusivas, mas, pelo
menos, tentarei obter um outro plano de avaliação.
Estou agora nas traseiras da
grande tenda central, junto aos animais, tigres e póneis. Tendo em conta a
grande preocupação que varre o país com os irracionais, em detrimento hipócrita
da sorte dos humanos, verifico que todos me parecem bem tratados e com bom
aspeto. Comparando com umas galinhas, um cão e vários gatos que alimento no meu
quintal e que tanto me esforça, mentalmente tento imaginar o custo
incomensurável para manter estes seres vivos felizes. Vejo que estão rodeados
de “roulottes” com boa aparência. Em exercício rápido, imagino quantas famílias
ali viverão como saltimbancos de terra em terra. Quantos sorrisos ali teriam
ecoado de contentamento? Quantas lágrimas de dor, sentidas na solidão daquelas
pequenas casas de rodas, teriam passado nestas vivendas ambulantes?
Faltava ainda meia hora para a
apresentação. Observo os rostos das pessoas com quem me cruzo. Em todos
pressinto uma tristeza inexplicável, uma doçura angelical, mas ao mesmo tempo
uma serenidade imanente e constante. É como se, nas suas faces calcadas pelo
arrostar do tempo, a felicidade tivesse petrificado e, naquele rir a meio rir,
os preparasse para um futuro que só a Deus pertence. Há alguma azáfama em ter
tudo pronto para a matiné que começa
impreterivelmente às 16h30. Desde o mais novo ao mais velho, todos trabalham
para que tudo corra bem. Como numa comuna todos são representativos da vontade
e importantes para erguer a obra. Uns varrem, outros limpam as cadeiras, outros
colocam as grades de ferro protetoras para a atuação dos tigres, calculo. O
ambiente é muito acolhedor dentro da gigantesca tenda aquecida e preparada
para, creio, à volta de três centenas de assistentes. “PSSIU”! Apagaram-se as
luzes.
VAI COMEÇAR O ESPETÁCULO!
O apresentador dá as boas vindas a
cerca de uma centena de pessoas, divididas por casais novos acompanhados com
filhos e, provavelmente, avós e netos que ocupam parte da plateia. Reparo que,
em nome do Circo, agradece à autarquia “pelas facilidades concedidas neste
local.” E abre a exibição Joaquim Cardinali, o proprietário, logo seguido de
dois enormes tigres da Sibéria, segundo o apresentante. Com uma candura em
mistura de muito treino os possantes animais faziam tudo o que lhes era
solicitado, sempre acompanhado com uma pequena guloseima como prémio. Dois
momentos altos, um, quando o domador simula um tiro e o tigre jaz por terra
inanimado, outro, quando o domesticador tenta pela “força” mandar retirar a
fêmea mas esta recusa. Então o dominador, acompanhado de uma vénia, pede por
favor para a “menina” sair, e ela tranquilamente vai. Muito bonito!
Depois de retiradas as grades de
proteção a toda a pressa e por todos, seguiu-se os “Piratas das Caraíbas”, os
palhaços, elementos sempre tão marcantes nestes cenários de sonho, magia e
ilusão. Com muita dificuldade em salientar prestações individuais já que todos
são muito bons, outro grande instante foi o desempenho de Íris Cardinali no
trapézio que, sem rede, implica algum risco, e, por isso mesmo, sempre seguida
pelos olhos do pai Joaquim. E veio o “homem aranha” e tantas, tantas, boas
ocasiões de outros artistas que me senti grato por estar ali e por poder
testemunhar tão bom trabalho de entrega e dedicação. Houve momentos que me
senti invadido pela nostalgia do passado, lembrei-me dos meus filhos pequenos
e, por vezes, não pude evitar que as lágrimas invadissem os meus olhos. Por que
razão não voltei mais ao circo nesta última vintena de anos? Continuei a
interrogar-me. Porquê? Se quase todas as semanas vou ao cinema e, numa
interpretação repetidamente morta, pago parcialmente o mesmo que nesta fabulosa
execução viva? Não pude evitar algum incómodo complexo de culpa.
E O QUE PENSA QUEM ESTÁ DENTRO?
O homem que está à minha frente
transporta no semblante a mesma solidão que apreciei nos restantes
trabalhadores. Pelo brilho dos seus olhos, é notório que, apesar dos imensos
escolhos do caminho, sabe para onde quer ir. É senhor de uma impressionante
humildade. Mais que certo ser muito tímido, mas que, por imperativos do
destino, teve de contornar a sua inibição. Dá pelo nome de Joaquim Cardinali,
tem 47 anos, e nasceu dentro do circo, mais propriamente no Porto. A sua vida
está em invisíveis gotas de suor espalhadas em cada peça que amanha todo o
cenário. A sua alma é a vida dos outros; as palmas do público, a existência de
cinco famílias compostas por 40 pessoas que combinam esta empresa ambulante sem
apoios de espécie alguma, do Estado ou de outra qualquer e que, faça chuva ou
sol, precisam de viver. O seu espírito está nas suas memórias vivas que o
empurram para a frente, quem sabe, sobre o olhar atento do seu avô Joseph
Cardinali e que há mais de sessenta anos fundou o Circo com o seu nome. A sua
alma está no amor familiar, na esposa, nos seus três filhos, o Igor e a Íris,
ambos trapezistas, e o Enzo que é malabarista. Respetivamente com as idades de
23, 17 e 15 anos. “É uma vida que nos entra no sangue”, enfatiza Joaquim. “Temos
de continuar a rolar. Antigamente o interior era o nosso refúgio, hoje está
desertificado e é muito complicado instalarmo-nos. A maioria das câmaras
municipais diz que não tem lugar para nós, mesmo no litoral. Por exemplo, a
Figueira da Foz é uma delas; no Algarve são quase todas a responder da mesma
maneira. Aqui, em Portugal, são só obstáculos. Olham para nós, não como
artistas que carregam a cultura em todo o território e além-fronteiras, mas
como “pobres desgraçadinhos”. Muitas autarquias exigem 15 e 20 dias para
autorização prévia de licenciamento. Chegamos a estar vários dias à espera que
decorra o prazo para poder iniciar. Nunca conseguimos falar com um vereador,
muito menos com o presidente de uma edilidade.
No ano passado, por termos
dificuldades de laborar, rumámos a Espanha. Foram 8 meses por terras de
“nuestros hermanos”. Lá, chegamos a qualquer “Ayuntamento”, similar das nossas
câmaras municipais, para pedir licença e imediatamente somos enviados para
falar com o vereador. Fala-se com o alcaide na hora –estou a lembrar, por
exemplo, o de Gijón. Não há lá salamaleques. Olham para nós com respeito, como
parceiros construtores da cultura popular. Em Portugal, para além de nos
tratarem com ostracismo, não nos consideram parte do movimento cultural. Como
sabe, no ano passado, decorreu em Guimarães a “Capital Europeia da Cultura”.
Viu lá algum circo? Pedimos para nos instalar lá e a nossa pretensão foi
negada.
É muito difícil conseguir
trabalhar nestas condições. Estamos sujeitos a tudo, ao tempo, ao terreno, aos
elevados custos em que se incluem as licenças camarárias. Veja bem, estamos
aqui em Coimbra. Por uma semana, pagámos 500 euros, e ainda tivemos de oferecer
500 bilhetes. Há dois anos foram 300 euros. Agora junte a luz, a água e a
publicidade. O que resta? Que, diga-se em abono da verdade, este terreno onde
estamos é muito bom. Antigamente era diferente, para pior. Nunca pedi nada ao
Estado. Nunca roguei para a minha gente subsídio de desemprego. Os meus filhos
nunca receberam abono de família. O nosso caráter não é de andar de mão
estendida. Só peço ao público: venham ao circo. Se vierem está tudo bem!”
E O QUE PENSA A ÍRIS, RAINHA DE
MUITOS OLHARES?
Íris tem 17 anos e é trapezista.
“O circo é a minha segunda alma. Não conseguiria sobreviver sem o espetáculo.
Tenho o “bichinho”, entende? Não posso viver sem os aplausos do público”. Tem o
10º ano. Até ao 6º andou de escola em escola e de terra em terra. A partir daí,
tal como os seus irmãos, foi através da escola móvel, que agora se chama EDI,
Ensino à Distância para a Itinerância. “Não preciso de estudar mais. Não tenho
outro sonho para além deste. O circo é tudo o que preciso… é o ar que respiro.
É uma sensação que me transcende. É cultura, é paixão, é a minha vida. Sou
muito feliz. Faço uma vida igual a qualquer jovem da minha idade. Ainda esta
noite passada, depois do trabalho, fomos para a discoteca. Não namoro, mas,
quando calhar, vou seguir o mesmo desta minha grande família. Se me apaixonar
por um rapaz do circo será mais fácil, mas se, por acaso, for outro qualquer,
tenho a certeza, tal como os meus congéneres, ele vai largar tudo e vem para o
circo pelo meu amor.”
1 comentário:
Coimbra: Concursos de ideias para inovar o tradicional
A concepção de quiosques para irradiar criatividade e iniciativas para inovar o tradicional no centro histórico de Coimbra são dois concursos de ideias que irão decorrer, entre Março e Maio deste ano, e destinam-se a estudantes do ensino superior e a jovens licenciados.
http://campeaoprovincias.com/pt/index.php?option=com_content&view=article&id=13563:coimbra-concursos-de-ideias-para-inovar-o-tradicional&catid=17:sociedade&Itemid=134
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