LEIA AQUI O DESPERTAR DESTA SEMANA
Para além do texto "A BAIXA COMO AVENTURA ESCOTISTA", deixo também as crónicas "O MENDIGO TURCO"; "O MISTÉRIO DO LEVITADOR"; "UMA TERTÚLIA NO "BE POETRY"; e "REFLEXÃO: NAMORAR A VIDA"
(Imagem da Web)
A BAIXA COMO DESTINO DE AVENTURA ESCOTISTA
Neste fim-de-semana, a Baixa vai
estar pejada de discípulos de Baden-Pawell, vindos de vários pontos do país.
Segundo Fernando Dias, chefe do grupo de Escoteiros da Adémia, anfitrião deste
encontro escotista, sob o tema de atividade “à descoberta de Coimbra”, cerca de
uma centena de jovens entre os 10 e os 60 anos –estes já no crepúsculo da
juventude-, vindos de Famões, Lisboa, agrupamento 205, e de Soure, grupo 245,
mostrarão que para se ser caminheiro, que viaja ligeiro e a sua expensas, a
idade é apenas um pormenor de circunstância e de somenos.
Estes agrupamentos, incluindo o
conimbricense, fazem parte da Associação dos Escoteiros de Portugal –agremiação
diferente do Corpo Nacional de Escutas ligado à Igreja Católica- e nestas duas
noites de sexta-feira e sábado ficarão alojados no Rancho das Tricanas de
Coimbra, na Rua do Moreno, ali ao lado do Terreiro da Erva. O programa de
interatividade pedonal, e muitos olhares para o ar, que se iniciará pela 9h00
de sábado, começa na Igreja de Santa Cruz, seguindo-se, a subir, os jardins da
Manga e Sereia e Penedo da Saudade. Na volta, toda a “alcateia”, constituída
pelos “Lobitos”, os mais novos, e os “Velhos Lobos”, os mais velhos, os chefes,
que tomarão conta dos iniciados, atravessarão o Jardim Botânico e em direção à
Universidade, a colina de Minerva e ponto alto mirante da cidade. Descerão as
ruas estreitas até à Sé Velha e atravessarão a ponte até Santa Clara onde
terminará a jornada de visita do primeiro dia. A partir das 22h00, ainda no
sábado, o Parque Verde, num convívio constituído por jogos, danças e cantares
tradicionais, vai viver uma noite como nunca se viu por estas bandas de aquém
rio. No domingo, especificamente, as visitas terão por destino o Museu Machado
de Castro e Portugal dos Pequenitos.
O dirigente do grupo de
Escoteiros da Adémia, Fernando Dias, está muito grato à direção do Rancho de
Coimbra onde vão ficar aquartelados. “Olhe que foram excecionais. Particularmente,
endereço os meus agradecimentos ao senhor Carlos Clemente pela forma como
disponibilizou esta sala de tão viva memória para todos nós e para que
pudéssemos realizar esta jornada escotista. Bem-haja!”
(Imagem da Web)
O MENDIGO TURCO
Foi mais ou menos a meio da manhã
quando dei de chofre com ele. Era um homem alto, entroncado, com um chapéu na
cabeça que tapava uma cara arredondada, tipo boxeur, que se fazia acompanhar de
duas muletas estateladas no chão da calçada. Estava sentado de pernas cruzadas
na Rua Eduardo Coelho, junto à antiga e encerrada sapataria Reis. Com as calças
recuadas, as pernas deixavam antever, embora ligeiramente, umas leves
cicatrizes cuja idade se teria perdido nos confins da memória. A sua ladainha,
num português sem solavancos, era, para mim, sobejamente conhecida: “ajude o
pobre desgraçado, senhor!”. Imediatamente, intui com meus botões que estaria
perante um excelente “performer” da pedincha, de nota 20. Mas o que me fez
parar foi a sua expressão sofrida. Aquele homem era um verdadeiro artista no
sentido lato do termo. Era impressionante o contorcionismo da face, com a
cabeça a inclinar-se, para conseguir, com grande facilidade, “tocar” os
transeuntes. As mãos, em concha, completavam um cenário previamente estudado em
longas noites de labuta. E era bem-sucedido. O barulho das moedas a caírem no
fundo do pequeno copo plástico era contínuo e musical numa nota de dó maior.
Mentalmente, ensaiei o desejo de lhe pedir para tirar uma foto –porém, declinei
no propósito uma vez que, se o fizesse, estragaria o seu “negócio”, pensei para
comigo.
Quando ele saiu do turno da
manhã, certamente para ir almoçar, reparei que andava sem dificuldade. Especulando,
tentei adivinhar uns 25 euros nestas três horitas de choradinho. No seu passo
ligeiro, as canadianas não serviam para nada e iam penduradas no antebraço. Não
resisti em trocar umas impressões com ele. Num português quase correto, foi-me
dizendo que é turco e está em Portugal há mais de uma dezena de anos. Trabalhou
nas obras de construção do Estádio do Beira Mar, em Aveiro, e também no Estádio
de Leiria, onde teve um grave acidente e fraturou várias vértebras cervicais. O
caso arrasta-se nos tribunais à espera da legítima indemnização. Ficou
impossibilitado para trabalhar, diz-me, de cara séria para eu acreditar.
“Recebo duzentos e poucos euros. Sou diabético, tenho de comprar insulina à
minha conta. Diga-me lá, como é que eu posso viver com estas migalhas? Bem sei
que sou estrangeiro, da Turquia, mas cheguei aqui cheio de boa saúde e hoje
estou inválido. Foi cá que tive o desastre. Um dia quando regressar á minha
terra já não serei o mesmo que de lá se despediu há muitos anos. Você entende o
que quero dizer?”
Porque tenho uma lata como a
dele, e não passo de um desavergonhado, lá lhe fui dizendo, no meio de um
sorriso macaco, a brincar, que a construção civil poderia ter perdido um bom
servente, mas Portugal ganhou um bom artista. E o homem riu a bandeiras
desfraldadas.
No turno da tarde, na esquina do
Largo da Freiria, o óbolo vindo sobretudo de mulheres –digo isto por
experiência própria, porque também sou artista e, há uns anos numa experiência,
já estive no lugar dele a fazer a mesma coisa e pude constatar que o género
feminino é mais condoído-, em trocadilho de notas musicais -sem notas de euro
mas com muitas moedas-, misturava-se com a sua lengalenga. Sempre que um novo
níquel tocava o fundo do copo, sub-repticiamente, ele olhava para mim e
piscava-me o olho, como se dissesse: “ó colega, estes teus conterrâneos são
mesmo muito estúpidos. Porque é que tu não mudas de vida e vens para a minha
nova arte?”
O MISTÉRIO DO LEVITADOR
A meu ver, comparativamente, as
artes de rua são a manifestação mais pura da cultura popular. Sem apoios
governamentais ou autárquicos, estes artistas que pululam pelas cidades do país
a darem animação a troco de uma simples moeda mereciam ter outro respeito e
outra sorte. Se é certo que ninguém os desrespeita, também é verdade que, na
maioria das vezes, não se olha duas vezes para quem presta um excelente serviço
comunitário. Habitualmente vislumbra-se para o todo sem levar em conta as
especificidades individuais. E há tanto para apreciar nestes saracoteantes da
arte sem eira nem beira.
Nas suas idas e voltas de um
destino programado ou pré-concebido, para fazer parar mesmo os transeuntes,
estes criadores terão mesmo de ser muito bons, ou, pelo menos, chamar a atenção
pela sua destreza e provocação associada. Foi o caso da semana passada, em
vários dias seguidos, na Praça 8 de Maio, em que, durante várias horas, um
homem-estátua, aparentemente, a levitar provocava celeuma e admiração.
UMA TERTÚLIA NO “BE POETRY”
Precisamente há uma semana
realizou-se uma tertúlia sobre o lema “Memória & Literatura” no “Be
Poetry”, na Rua do Corvo, 33, onde há uns anos funcionou o “Centrum Corvo”, o
sonho interrompido do saudoso e meu amigo Melic Cerveira. Sobre a égide de
Madalena Caixeiro, escritora coimbrã amplamente galardoada em vários concursos
literários, e com cinco livros editados –apenas um não foi premiado-, partiu-se
para um serão muito agradável e espetacular.
Com uma assistência heterogénea de
cerca de uma vintena de ouvintes atentos, onde se poderiam ver outros amigos e
escritores como António Vilhena, poeta e vereador do Partido Socialista na
Câmara Municipal de Coimbra, e que fez uma excelente apresentação da “semeadora
de palavras” e também professora universitária aposentada.
Com prólogo e epílogo musical a
cargo de um dueto extraordinário composto pela Inês e pelo Nelson, estou
convencido que, onde quer que esteja, o saudoso velho Cerveira sorrirá de
contentamento ao ouvir a glamorosa e envolvente voz da Inês –um dia destes
falarei deles aqui. Sei que habitualmente atuam em trio, mas desta vez o
violinista esteve doente.
Quem não esteve presente perdeu
uma boa oportunidade de presenciar e participar numa conversa viva com uma pessoa
muito interessante, que de uma forma humilde, quase infantil, tal foi a
simplicidade como Madalena Caixeiro se apresentou naquela sala do “Be Poetry”.
Versou vários temas, desde “Conversas com Deus”, em toda a sua amplitude
metafísica e tão importante na complementaridade da vida humana, até às
personagens apresentadas nos livros publicados –ficámos a saber que, para quem
escreve, são projeções materiais de gente de carne e osso que deambula próximo,
ou, no mínimo, são heterónimos do próprio escritor.
O amor, sempre presente numa obra
ficcional, também não poderia ser olvidado. Segundo a autora de “Raízes de mim”,
“o maior amor que pode juntar duas pessoas é o que alia um homem e uma mulher”.
É uma ligação sublime, pura, porque não é imposta, como, por exemplo, o amor de
mãe que é da natureza e existencial. Contrariamente ao que se pensa, é um amor
refém da paixão que uma mulher, sem se poder libertar, nutre pelo filho que se
gera dentro do seu ventre.
Saliento que o serviço foi excelente, tanto na prestação simpática
como na confeção pantagruélica e prova de vinhos. Com toda a honestidade,
aconselho uma visita a este magnífico espaço de restauração.
REFLEXÃO: NAMORAR A VIDA
Esta edição d’O Despertar
antecede o “Dia de Namorados”, que será no próximo dia 14, quinta-feira. Num
tempo em que o imaterial amor perde significado perante as coisas tangíveis, e
em que parece que sem um bem-estar mínimo como indispensável dote de uma
relação tudo se esvai por entre os dedos, gostaria de lembrar que a vida se
esgota e os bens materiais, como marcos da nossa existência passageira, ficarão
para quem vier. Faça da fragilidade económica uma força. Neste dia universal do
afeto esqueça tudo e, no mínimo, ofereça uma rosa vermelha ao seu amor.
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