quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

LEIA O DESPERTAR...



LEIA AQUI O DESPERTAR DESTA SEMANA 

Para além  do texto "A INUTILIDADE DA POBREZA (ENSAIO)", deixo também as crónicas "OS NOVOS SARCÓFAGOS COMERCIAIS"; e "REFLEXÃO: REFÉNS"



A INUTILIDADE DA POBREZA (ENSAIO)


 Quanto mais pobreza houver entre os homens menos se desfrutará a riqueza em liberdade. O detentor da opulência, ao viés de se sentir escolhido e livre, experimentará um sentimento de acossado, refém da sua própria condição de abastança. Ser-se rico e estar rodeado de pobres, do ponto de vista moral, deveria ser considerado abominável, um martírio só suportável por mentes obscuras, sadomasoquistas e egocêntricas, sem outro alcance além da ponta do seu nariz. A pobreza não exalta a riqueza, enxovalha-a e cola-se-lhe como estigma de um passado pouco virtuoso. Toda a riqueza é vertical, efémera e a prazo. Seja na terceira ou infinita geração, mais cedo ou tarde cairá. Em contraposição, a pobreza é horizontal e, como pandemia, tenderá a alastrar-se provocando a desordem, a insegurança e tenderá em retornar o homem às suas origens selvagens.
Para os que nada têm, a riqueza é vista como uma doença furunculosa que provoca rancor, inveja e desdém. Os seus sinais de ostentação, assentes em alicerces de injustiça, são como verrugas no espírito dos pobres que ensombram até o sol mais radioso, que aquece uma humanidade pretensamente feliz e enquanto primado da sua condição. Gozar a riqueza em locais isolados e inacessíveis aos demais mortais deveria ser um assombro à alma de um endinheirado. Sem o poder evitar, terá sempre por perto os fantasmas da fome, material ou espiritual, deambulando pelo espaço dos seus jardins. Dormirá com soporíferos de variada ordem, porque o seu espírito não tem descanso, atormentado que está pelos gritos silenciosos de quem mais não tem com que viver senão a esperança do dia de amanhã. Viver na riqueza afastado do chafurdar da pobreza em incompleta insensibilidade é um ato desumano sem esperança num futuro equilibrado, ajustado na igualdade de que todo o homem é meu irmão, em contraposição às assimetrias sociais divididas entre o mais e o menos.
Como espada de Dâmocles assente numa justiça natural, tanto se morre por ser rico como por ser pobre, mas o abonado requer mais pompa na hora da circunstância... como se tal coisa lhe valesse além das fronteiras da morte e do esquecimento perene. Nenhum rico ficou para a História apenas pela sua fartura. Depois de uma vida de exploração, em contrição e para lavar a alma, alguns ficaram pelas suas ações geradoras de bem-fazer. 
É tão inútil e contra natura manter um povo de pobres, como gozar uma riqueza afrontado por uma maldição assente em esqueletos enterrados em quintais.
Filosoficamente, ninguém lucra com um estado continuado de empobrecimento. É como escolher a noite escura em detrimento do dia brilhante. Em vez de iluminados nascerão seres abjetos, monstros insensíveis. A riqueza tomada sobre cadáveres, como síndrome patológica, se tornará sombria, símbolo da indignidade e sem glória. Materialmente, sabemos, está a acontecer. Deliberadamente e intencionalmente, obedecendo a um plano maquiavélico e estudado ao pormenor, a maioria enfraquece para fortalecer e enriquecer uma ínfima minoria, um grupo parasitário que, destruindo teses justas num amanhecer de esperança coletivo, rebenta com as ideologias planetárias de uma justiça social.
No silêncio, o pobre, aceitando a sua condição como fado impossível de alterar, resigna-se, vira-se ao transcendente e reza. No ruído envolvente, o rico exalta-se e julga-se Deus, mas ninguém o ouve -da mesma forma que se compreende e se toma a pobreza como desígnio. É uma aceitação tácita baseada na hipocrisia e fobias sociais. Virando-se para o metafísico, como complemento de respostas impossíveis, surgem então, vindos de remoto antanho, os espectros de má memória e as maldições cíclicas que se abatem sobre o ser humano como fatalidade. 
Que utilidade terá para o mundo um exército de pobres? Descalços e vazios, nem vislumbram o inimigo. O inimigo? E quem será o inimigo do pobre? Em que brumas perdidas se pode encontrar? Na história? Na antropologia? Na essência do homem? Vai o abundante, enquanto mentor imbuído de benfeitor, obrigá-lo a combater este invisível causador de desgraça? Com que direito impõe a sua legitimação? Mas, afinal, voltamos à interrogação, quem é verdadeiramente o inimigo do pobre? Será o rico? Não, não pode ser! A riqueza não deve ser ostracizada enquanto meio para alcançar um fim de maior desenvolvimento e melhor bem-estar social. Já se constituir um fim em si mesmo será parasitária –que aliás, maioritariamente, é o que acontece, sobretudo quando os governos apelam ao aforramento. Obrigatoriamente, deveríamos querer acabar com os pobres e pretendermos ser, mesmo numa desigualdade impraticável de suster, todos mais abastados e para que ninguém fosse obrigado a estender a mão por necessidade. Então, se não é o copioso, quem é o adversário do pobre? É a AMBIÇÃO, enquanto desejo único e açambarcador, primo, tutelar, ditatorial, exterminador, que, na sua ganância sem limites, calca, destrói e achincalha o ser humano, e amanda para o charco a ambição natural, a aspiração, aquela que nos move e empurra para frente, com fé num mundo melhor, e que existe dentro de cada um de nós.
Também é verdade que a pobreza existe porque dá jeito enquanto cosmo de projeção dos medos do homem. O que seria das religiões sem a pobreza? O que seria dos políticos partidários sem o apelo vincado aos sem teto e sem esperança?
Quem se sente humilhado rumina vinganças e, pelo ressentimento que o corrói, raramente tem tempo para obras poéticas. E se o tiver, porque para dar valor ao tempo precisa de ter a cabeça arrumada, como timoneiro indigente prefixado, pirata nas entrelinhas do asco, as suas cogitações serão sempre tristes e medonhas, a marearem em oceanos de angústia e sofrimento num barco de velas negras.
Hipoteticamente, num inglório esforço, como adventista do sétimo-dia de uma religião de equidade com fé num homem novo, poderá sair à rua a reclamar com a sua voz revolucionária e a quebrar o silêncio dominante. Mas, como nuvem passageira de um infinito presente de situacionismo, sem ser ouvido por surdos disfuncionais, depressa regressará à sua pobreza como origem de destino, e como, na natureza, o lobo voltará ao seu covil. 
É de uma inutilidade atroz perseguir como fim planificado de alguns e perpetuar a pobreza na sociedade. Inevitavelmente germinará em guerra, mesmo que seja calada pelo suicídio, e provocará muitas vítimas infelizes. Daqui, deste exército de descontentes e de penúria, como guerreiros malnutridos, poucos sairão vivos. Mas, na mesma desdita, os capitalistas também acabam por perder. Será a riqueza uma maldição?

(Retirado de um texto inicial de José Xavier Nunes e acrescentado por Luís Fernandes)


OS NOVOS SARCÓFAGOS COMERCIAIS

 Como que a evitar a captação da imagem, o manequim feminino, junto de outro, tem o braço sobre os olhos. Em silogismo, se o gesto é tudo, é mais que certo que a coisa, mesmo não tendo vida, pode significar algum constrangimento por estar para ali abandonada, no que já foi as “Galerias Coimbra”. Este grande estabelecimento comercial encerrou nos últimos dias de Dezembro. Falei com o atual proprietário e, segundo me comunicou, não vai abrir mais. O que se estranha, por um lado, é manter-se de montras feitas e com todo o recheio no interior; por outro, é ver uma casa destas, que já foi o “Harrod’s da Baixa de Coimbra” ali encerrada e desprezada desta maneira. Ver aqueles bonecos estáticos a olhar para nós é sentir que, imaginariamente, serão soldados feridos no espírito, a pedir ajuda, e que foram apanhados nesta hipotética 3ª Guerra Mundial Económica, que durante décadas nos preocuparam a todos por se pensar que seria bélica, e que, afinal, em vez de matar o corpo extermina o génio humano em toda a mortandade de sonhos.
É uma dor de alma ver um desastre destes –sobretudo para mim, que ali trabalhei quase uma década e tanto lá aprendi. Se é certo que o tempo apaga tudo, incluindo as mágoas de sofrimento que nos minam a existência, há certas passagens nesta vida que não desaparecem rapidamente. Bem sei que não vale a pena estar a lamuriar-me, porque a história não se repete nunca da mesma forma, as coisas, no seu pragmatismo, são assim e nada mais. É a evolução, dinâmica natural, reposição de um novo tempo, ou seja lá o que for. Uma coisa será de antever: por mais voltas que se dê, mais tarde ou mais cedo, voltar-se-á ao ponto inicial, mesmo que com novas roupagens, uma vez que as circunstâncias já não serão as mesmas do passado. Por mais modernidade que se conquiste, ganhando sobretudo comodidade, acabaremos por perder sempre algo da nossa identidade e ficaremos mais fragilizados do ponto de vista cultural. Afinal, contrariando Lavoisier, nas voltas que o tempo dá, não passamos de meros resquícios que do nada viemos e ao nada retornaremos. Somos apenas sombras de um passado projetadas no futuro.
Penso que o comércio está num momento de viragem, só comparável com a linha de montagem, ou produção, nos princípios do século XX. Ou seja, pela forma como tudo se modifica rapidamente –a ponto de nos fazer sentir excluídos-, o que hoje consideramos como novíssimo já não é. Já pertence ao passado. Mesmo o comércio praticado nas grandes superfícies já está ultrapassado. O que se nota em grande movimento é o eletrónico, mas uma questão se levanta: em sites onde nada se paga ao Estado como é que este vai recolher os impostos? Como é que se empregam os milhares de desempregados que fazem parte das estatísticas no país? Vai ser com o retorno ao sector primário? –Mais uma vez assistimos a um retorno da história. Como é que vamos voltar à agricultura e pescas se estes sectores estão feitos em fanicos? Fala-se também em voltar à industrialização. Como? Quem ousa apostar na indústria se a Europa continuar de portas abertas à concorrência desleal dos países emergentes?
Não deixa de ser paradoxal, porque é este novo movimento virtual que está a destruir o comércio fixo. É certo, como disse em cima, que me parece que, mais tarde ou mais cedo, voltaremos em grande força ao comércio localizado, mas quando retrocedermos não se sabe muito bem o que restará deste que, por enquanto, ainda vamos convivendo.
O que me faz impressão é ninguém se questionar sobre o futuro da arte de comerciar como o conhecemos hoje. É como se, todos, nos limitássemos a assistir a este movimento imparável, que está a causar desgraça e morte nas famílias, e, como se estivéssemos hipnotizados, continuamos impávidos e serenos sem nada fazer. Estaremos a enlouquecer? Isto é, será que, a snifar estes fumos de modernidade obsessiva, perdemos a noção de bom senso?


REFLEXÃO: REFÉNS

 Nos dias que correm, em metáfora, um pequeno comerciante tradicional é um corpo amarrado nas estéreis areias do deserto e à mercê de todos os abutres. Indefeso e sem poder fugir a um destino que lhe calhou em sorte e sem direito a sonhar com uma velhice condigna, pela queda abrupta das vendas, vê todos os dias os seus rendimentos diminuir. Em contrapartida, em desaforo e abuso de confiança, todos os dias vê aumentarem as contas da energia elétrica, das comunicações, dos seguros, das malfadadas comissões dos pagamentos automáticos e das comissões bancárias, dos impostos e das taxas camarárias. Na mesma linha da violência doméstica, talvez fosse bom pensar-se em criar uma lei contra a violência comercial.





VAMOS AO CIRCO?

 Neste domingo último, estava um dia cinzento e negro com intervalos de chuva copiosa. Na sexta-feira anterior eu lera na primeira página d’O Despertar que o Circo Soledad Cardinali estava em Coimbra. Após o almoço, calmamente, coloquei os pés ao caminho em direção ao “Choupalinho”, queria sentir o “maior espetáculo do mundo” de uma outra forma. Não como espetador comum, que como máquina de fotografar capta apenas a imagem que todos apreendem, mas como investigador, que começa por visitar as traseiras.
Enquanto descia a rampa para o terreno transformado em palco da cidade, dei por mim a constatar que a última vez que fui ao circo teria sido por alturas de 1990 quando os meus filhos eram pequenos. Ou seja, passaram mais de vinte anos e nunca mais coloquei os pés numa tenda de diversão circense. Porquê? Foi a interrogação que me ficou a bailar. Será pelo facto de associarmos circo a crianças? Mas como explicar o fato desta representação artística ser tão elevada no estrangeiro, por exemplo, no Mónaco em que os príncipes fazem questão de marcar presença e arrastar toda a classe alta monegasca? Ali não há apenas crianças. Há também muitos adultos e de todas as classes sociais. Será que em Portugal a arte circense é considerada pobre não apenas pelo desinteresse de incentivo inscrito no plano financeiro mas, sobretudo, pelo abandono de quem nos rege? Ou seja, se os ocupantes da cadeira do poder não frequentam o circo, levando atrás de si a imprensa, como pode o povo ser sensibilizado para esta habilidade ao vivo? Quantas vezes se viram um Presidente da República no Coliseu dos Recreios, em Lisboa? E um Primeiro-ministro? E aqui em Coimbra quantos presidentes da Câmara Municipal foram vistos dentro de uma tenda a assistir a uma performance artística? E vereadores? Mais à frente, ouvindo os profissionais da arte do trapézio e malabarismo, tenho a certeza de que não conseguirei dar respostas conclusivas, mas, pelo menos, tentarei obter um outro plano de avaliação.
Estou agora nas traseiras da grande tenda central, junto aos animais, tigres e póneis. Tendo em conta a grande preocupação que varre o país com os irracionais, em detrimento hipócrita da sorte dos humanos, verifico que todos me parecem bem tratados e com bom aspeto. Comparando com umas galinhas, um cão e vários gatos que alimento no meu quintal e que tanto me esforça, mentalmente tento imaginar o custo incomensurável para manter estes seres vivos felizes. Vejo que estão rodeados de “roulottes” com boa aparência. Em exercício rápido, imagino quantas famílias ali viverão como saltimbancos de terra em terra. Quantos sorrisos ali teriam ecoado de contentamento? Quantas lágrimas de dor, sentidas na solidão daquelas pequenas casas de rodas, teriam passado nestas vivendas ambulantes?


Faltava ainda meia hora para a apresentação. Observo os rostos das pessoas com quem me cruzo. Em todos pressinto uma tristeza inexplicável, uma doçura angelical, mas ao mesmo tempo uma serenidade imanente e constante. É como se, nas suas faces calcadas pelo arrostar do tempo, a felicidade tivesse petrificado e, naquele rir a meio rir, os preparasse para um futuro que só a Deus pertence. Há alguma azáfama em ter tudo pronto para a matiné que começa impreterivelmente às 16h30. Desde o mais novo ao mais velho, todos trabalham para que tudo corra bem. Como numa comuna todos são representativos da vontade e importantes para erguer a obra. Uns varrem, outros limpam as cadeiras, outros colocam as grades de ferro protetoras para a atuação dos tigres, calculo. O ambiente é muito acolhedor dentro da gigantesca tenda aquecida e preparada para, creio, à volta de três centenas de assistentes. “PSSIU”! Apagaram-se as luzes.
VAI COMEÇAR O ESPETÁCULO!
O apresentador dá as boas vindas a cerca de uma centena de pessoas, divididas por casais novos acompanhados com filhos e, provavelmente, avós e netos que ocupam parte da plateia. Reparo que, em nome do Circo, agradece à autarquia “pelas facilidades concedidas neste local.” E abre a exibição Joaquim Cardinali, o proprietário, logo seguido de dois enormes tigres da Sibéria, segundo o apresentante. Com uma candura em mistura de muito treino os possantes animais faziam tudo o que lhes era solicitado, sempre acompanhado com uma pequena guloseima como prémio. Dois momentos altos, um, quando o domador simula um tiro e o tigre jaz por terra inanimado, outro, quando o domesticador tenta pela “força” mandar retirar a fêmea mas esta recusa. Então o dominador, acompanhado de uma vénia, pede por favor para a “menina” sair, e ela tranquilamente vai. Muito bonito!


Depois de retiradas as grades de proteção a toda a pressa e por todos, seguiu-se os “Piratas das Caraíbas”, os palhaços, elementos sempre tão marcantes nestes cenários de sonho, magia e ilusão. Com muita dificuldade em salientar prestações individuais já que todos são muito bons, outro grande instante foi o desempenho de Íris Cardinali no trapézio que, sem rede, implica algum risco, e, por isso mesmo, sempre seguida pelos olhos do pai Joaquim. E veio o “homem aranha” e tantas, tantas, boas ocasiões de outros artistas que me senti grato por estar ali e por poder testemunhar tão bom trabalho de entrega e dedicação. Houve momentos que me senti invadido pela nostalgia do passado, lembrei-me dos meus filhos pequenos e, por vezes, não pude evitar que as lágrimas invadissem os meus olhos. Por que razão não voltei mais ao circo nesta última vintena de anos? Continuei a interrogar-me. Porquê? Se quase todas as semanas vou ao cinema e, numa interpretação repetidamente morta, pago parcialmente o mesmo que nesta fabulosa execução viva? Não pude evitar algum incómodo complexo de culpa.

E O QUE PENSA QUEM ESTÁ DENTRO?



O homem que está à minha frente transporta no semblante a mesma solidão que apreciei nos restantes trabalhadores. Pelo brilho dos seus olhos, é notório que, apesar dos imensos escolhos do caminho, sabe para onde quer ir. É senhor de uma impressionante humildade. Mais que certo ser muito tímido, mas que, por imperativos do destino, teve de contornar a sua inibição. Dá pelo nome de Joaquim Cardinali, tem 47 anos, e nasceu dentro do circo, mais propriamente no Porto. A sua vida está em invisíveis gotas de suor espalhadas em cada peça que amanha todo o cenário. A sua alma é a vida dos outros; as palmas do público, a existência de cinco famílias compostas por 40 pessoas que combinam esta empresa ambulante sem apoios de espécie alguma, do Estado ou de outra qualquer e que, faça chuva ou sol, precisam de viver. O seu espírito está nas suas memórias vivas que o empurram para a frente, quem sabe, sobre o olhar atento do seu avô Joseph Cardinali e que há mais de sessenta anos fundou o Circo com o seu nome. A sua alma está no amor familiar, na esposa, nos seus três filhos, o Igor e a Íris, ambos trapezistas, e o Enzo que é malabarista. Respetivamente com as idades de 23, 17 e 15 anos. “É uma vida que nos entra no sangue”, enfatiza Joaquim. “Temos de continuar a rolar. Antigamente o interior era o nosso refúgio, hoje está desertificado e é muito complicado instalarmo-nos. A maioria das câmaras municipais diz que não tem lugar para nós, mesmo no litoral. Por exemplo, a Figueira da Foz é uma delas; no Algarve são quase todas a responder da mesma maneira. Aqui, em Portugal, são só obstáculos. Olham para nós, não como artistas que carregam a cultura em todo o território e além-fronteiras, mas como “pobres desgraçadinhos”. Muitas autarquias exigem 15 e 20 dias para autorização prévia de licenciamento. Chegamos a estar vários dias à espera que decorra o prazo para poder iniciar. Nunca conseguimos falar com um vereador, muito menos com o presidente de uma edilidade.
No ano passado, por termos dificuldades de laborar, rumámos a Espanha. Foram 8 meses por terras de “nuestros hermanos”. Lá, chegamos a qualquer “Ayuntamento”, similar das nossas câmaras municipais, para pedir licença e imediatamente somos enviados para falar com o vereador. Fala-se com o alcaide na hora –estou a lembrar, por exemplo, o de Gijón. Não há lá salamaleques. Olham para nós com respeito, como parceiros construtores da cultura popular. Em Portugal, para além de nos tratarem com ostracismo, não nos consideram parte do movimento cultural. Como sabe, no ano passado, decorreu em Guimarães a “Capital Europeia da Cultura”. Viu lá algum circo? Pedimos para nos instalar lá e a nossa pretensão foi negada.
É muito difícil conseguir trabalhar nestas condições. Estamos sujeitos a tudo, ao tempo, ao terreno, aos elevados custos em que se incluem as licenças camarárias. Veja bem, estamos aqui em Coimbra. Por uma semana, pagámos 500 euros, e ainda tivemos de oferecer 500 bilhetes. Há dois anos foram 300 euros. Agora junte a luz, a água e a publicidade. O que resta? Que, diga-se em abono da verdade, este terreno onde estamos é muito bom. Antigamente era diferente, para pior. Nunca pedi nada ao Estado. Nunca roguei para a minha gente subsídio de desemprego. Os meus filhos nunca receberam abono de família. O nosso caráter não é de andar de mão estendida. Só peço ao público: venham ao circo. Se vierem está tudo bem!”

E O QUE PENSA A ÍRIS, RAINHA DE MUITOS OLHARES?


Íris tem 17 anos e é trapezista. “O circo é a minha segunda alma. Não conseguiria sobreviver sem o espetáculo. Tenho o “bichinho”, entende? Não posso viver sem os aplausos do público”. Tem o 10º ano. Até ao 6º andou de escola em escola e de terra em terra. A partir daí, tal como os seus irmãos, foi através da escola móvel, que agora se chama EDI, Ensino à Distância para a Itinerância. “Não preciso de estudar mais. Não tenho outro sonho para além deste. O circo é tudo o que preciso… é o ar que respiro. É uma sensação que me transcende. É cultura, é paixão, é a minha vida. Sou muito feliz. Faço uma vida igual a qualquer jovem da minha idade. Ainda esta noite passada, depois do trabalho, fomos para a discoteca. Não namoro, mas, quando calhar, vou seguir o mesmo desta minha grande família. Se me apaixonar por um rapaz do circo será mais fácil, mas se, por acaso, for outro qualquer, tenho a certeza, tal como os meus congéneres, ele vai largar tudo e vem para o circo pelo meu amor.”



1 comentário:

Daniel disse...

Coimbra: Concursos de ideias para inovar o tradicional

A concepção de quiosques para irradiar criatividade e iniciativas para inovar o tradicional no centro histórico de Coimbra são dois concursos de ideias que irão decorrer, entre Março e Maio deste ano, e destinam-se a estudantes do ensino superior e a jovens licenciados.

http://campeaoprovincias.com/pt/index.php?option=com_content&view=article&id=13563:coimbra-concursos-de-ideias-para-inovar-o-tradicional&catid=17:sociedade&Itemid=134