terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

OS NOVOS SARCÓFAGOS COMERCIAIS


 Como que a evitar a captação da imagem, o manequim feminino, junto de outro, tem o braço sobre os olhos. Em silogismo, se o gesto é tudo, é mais que certo que a coisa, mesmo não tendo vida, pode significar algum constrangimento por estar para ali abandonada.
Este grande estabelecimento comercial encerrou nos últimos dias de Dezembro. Falei com o actual proprietário e, segundo me comunicou, não vai abrir mais. O que se estranha, por um lado, é manter-se de montras feitas e com todo o recheio no interior, por outro, é ver uma casa destas, que já foi o “Harrod’s da Baixa de Coimbra” ali encerrada e desprezada desta maneira. Ver aqueles bonecos estáticos a olhar para nós é sentir que, imaginariamente, serão soldados feridos no espírito, a pedir ajuda, e que foram apanhados nesta hipotética 3.ª Guerra Mundial Económica, que durante décadas nos preocupou a todos por se pensar que seria bélica e que, afinal, em vez de matar o corpo extermina o génio humano em toda a mortandade de sonhos.
É uma dor de alma ver um desastre destes –sobretudo para mim, que ali trabalhei quase uma década e tanto lá aprendi. Se é certo que o tempo tudo apaga, incluindo as mágoas de sofrimento que nos minam a existência, há certas passagens nesta vida que não desaparecem rapidamente. Bem sei que não vale a pena estar a lamuriar-me, porque a história não se repete nunca da mesma forma, as coisas, no seu pragmatismo, são assim e nada mais. É a evolução, dinâmica natural, reposição de um novo tempo, ou seja lá o que for. Uma coisa será de antever: por mais voltas que se dê, mais tarde ou mais cedo, voltar-se-á ao ponto inicial, mesmo que com novas roupagens, uma vez que as circunstâncias já não serão as mesmas do passado. Por mais modernidade que se conquiste, ganhando sobretudo comodidade, acabaremos por perder sempre algo da nossa identidade e ficaremos mais fragilizados do ponto de vista cultural.
Penso que o comércio está num momento de viragem, só comparável com a linha de montagem, ou produção, nos princípios do século XX. Ou seja, pela forma como tudo se modifica rapidamente –a ponto de nos fazer sentir excluídos-, o que hoje consideramos como novíssimo já não é. Já pertence ao passado. Mesmo o comércio praticado nas grandes superfícies já está ultrapassado. O que se nota em grande movimento é o comércio electrónico, mas uma questão se levanta: em sites onde nada se paga ao Estado como é que este vai recolher os impostos? Como é que se empregam os milhares de desempregados que fazem parte das estatísticas no país? Vai ser com o retorno ao sector primário? –Mais uma vez assistimos a um retorno da história. Como é que vamos voltar à agricultura e pescas se estes sectores estão feitos em fanicos? Fala-se também em voltar à industrialização. Como? Quem ousa apostar na indústria se a Europa continua de portas abertas à concorrência desleal dos países emergentes?
Não deixa de ser paradoxal, porque é este novo movimento virtual que está a destruir o comércio fixo. É certo, como disse em cima, que me parece que, mais tarde ou mais cedo, voltaremos em grande força ao comércio localizado, mas quando lá voltarmos não se sabe muito bem o que restará deste que, por enquanto, ainda vamos convivendo.
O que me faz impressão é ninguém se questionar sobre o futuro do comércio como o conhecemos hoje. É como se, todos, nos limitássemos a assistir a este movimento imparável, que está a causar desgraça e morte nas famílias, e, como se estivéssemos hipnotizados, continuamos impávidos e serenos sem nada fazer.
Estaremos a enlouquecer? Isto é, será que, a snifar estes fumos de modernidade obsessiva, perdemos a noção de bom-senso?


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