Como que a evitar a captação da
imagem, o manequim feminino, junto de outro, tem o braço sobre os olhos. Em
silogismo, se o gesto é tudo, é mais que certo que a coisa, mesmo não tendo
vida, pode significar algum constrangimento por estar para ali abandonada.
Este grande estabelecimento
comercial encerrou nos últimos dias de Dezembro. Falei com o actual
proprietário e, segundo me comunicou, não vai abrir mais. O que se estranha,
por um lado, é manter-se de montras feitas e com todo o recheio no interior, por
outro, é ver uma casa destas, que já foi o “Harrod’s da Baixa de Coimbra” ali encerrada e desprezada desta maneira. Ver aqueles bonecos estáticos a olhar para nós é
sentir que, imaginariamente, serão soldados feridos no espírito, a pedir ajuda,
e que foram apanhados nesta hipotética 3.ª Guerra Mundial Económica, que durante
décadas nos preocupou a todos por se pensar que seria bélica e que, afinal,
em vez de matar o corpo extermina o génio humano em toda a mortandade de sonhos.
É uma dor de alma ver um desastre
destes –sobretudo para mim, que ali trabalhei quase uma década e tanto lá
aprendi. Se é certo que o tempo tudo apaga, incluindo as mágoas de sofrimento
que nos minam a existência, há certas passagens nesta vida que não desaparecem
rapidamente. Bem sei que não vale a pena estar a lamuriar-me, porque a história
não se repete nunca da mesma forma, as coisas, no seu pragmatismo, são assim e
nada mais. É a evolução, dinâmica natural, reposição de um novo tempo, ou seja
lá o que for. Uma coisa será de antever: por mais voltas que se dê, mais tarde
ou mais cedo, voltar-se-á ao ponto inicial, mesmo que com novas roupagens, uma
vez que as circunstâncias já não serão as mesmas do passado. Por mais
modernidade que se conquiste, ganhando sobretudo comodidade, acabaremos por
perder sempre algo da nossa identidade e ficaremos mais fragilizados do ponto
de vista cultural.
Penso que o comércio está num
momento de viragem, só comparável com a linha de montagem, ou produção, nos
princípios do século XX. Ou seja, pela forma como tudo se modifica rapidamente –a
ponto de nos fazer sentir excluídos-, o que hoje consideramos como novíssimo já
não é. Já pertence ao passado. Mesmo o comércio praticado nas grandes
superfícies já está ultrapassado. O que se nota em grande movimento é o
comércio electrónico, mas uma questão se levanta: em sites onde nada se paga ao
Estado como é que este vai recolher os impostos? Como é que se empregam os milhares
de desempregados que fazem parte das estatísticas no país? Vai ser com o retorno
ao sector primário? –Mais uma vez assistimos a um retorno da história. Como é
que vamos voltar à agricultura e pescas se estes sectores estão feitos em
fanicos? Fala-se também em voltar à industrialização. Como? Quem ousa apostar
na indústria se a Europa continua de portas abertas à concorrência desleal dos
países emergentes?
Não deixa de ser paradoxal,
porque é este novo movimento virtual que está a destruir o comércio fixo. É
certo, como disse em cima, que me parece que, mais tarde ou mais cedo, voltaremos
em grande força ao comércio localizado, mas quando lá voltarmos não se sabe
muito bem o que restará deste que, por enquanto, ainda vamos convivendo.
O que me faz impressão é ninguém
se questionar sobre o futuro do comércio como o conhecemos hoje. É como se,
todos, nos limitássemos a assistir a este movimento imparável, que está a causar
desgraça e morte nas famílias, e, como se estivéssemos hipnotizados,
continuamos impávidos e serenos sem nada fazer.
Estaremos a enlouquecer? Isto é,
será que, a snifar estes fumos de modernidade obsessiva, perdemos a noção de
bom-senso?
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