Junto à estátua de Joaquim
António de Aguiar, no Largo da Portagem, o “outdoor” pertencente ao MAS,
Movimento Alternativo Socialista, em rodapé, ostenta a seguinte mensagem: “Faz
falta um novo 25 de Abril”.
Como ressalva, antes de
prosseguir, gostaria de deixar bem vincado que não sou saudosista e não tenho a
mínima simpatia pelo tempo da “outra senhora”. Olho para essa época e para
todos os seus intervenientes políticos, para o bem e para o mal, apenas como
referentes históricos. Não tenho por costume dizer que “antigamente é que era
bom!”. Aliás, irrita-me solenemente esta frase, sobretudo porque sou filho de
gente muito humilde e, juntamente com os meus pais já falecidos, sofri muito
para chegar ao bem-estar dos nossos dias. Mas, se por um lado não enalteço os
três quartos do século XX, por outro lado, também não uso de escarnecimento
para me referir a esse período da vida portuguesa. Para além de ter nascido em
1956, portanto ainda numa fase difícil do após-guerra, conheço um pouco da
nossa história de Portugal, essencialmente o estertor da Monarquia, partir de
1861, e o que se passou com os três últimos Reis de Portugal. Sei também o que
se passou no limiar da 1ª. República até ao golpe militar de 1926 que lhe pôs
fim e, nesse ano, chamou Salazar para ministro das finanças por alguns meses,
porque o país desde 1892 que continuava na bancarrota e sem crédito no
exterior. Se os últimos Reis de Portugal, especialmente D. Luís e D. Carlos,
viveram à “tripa-forra”, acima das suas possibilidades e pedindo cada vez mais
dinheiro ao Parlamento para os seus gastos próprios, e também com Fontes
Pereira de Melo a gastar o que não havia e a hipotecar a Nação, já na República
foi o “regabofe” que se conhece, onde caíam mais rápido governos que estrelas
no céu. Isto tudo para dizer que, se todo o homem é resultado da sua
circunstância, do meio em que nasceu e viveu, compreendo que o “Estado Novo”, a
partir de 1933, tendo em conta o estado das finanças nacionais e os ventos
autoritários dos países em nosso redor, não poderia ter tido outra forma de
actuar. Ao escrever assim, não quer dizer que teça loas à sua forma de
governar. O que quero dizer é que, perante os antecedentes, sem mão de ferro,
dificilmente se teria conseguido alavancar as Finanças Públicas até ao
“superavit”. Foi muito duro para quem pensava diferente? Não tenho dúvida
nenhuma. Particularmente depois de 1945 já com a nova Pide a cercear a
liberdade de expressão e os presos políticos a serem condenados em tribunais
plenários sem julgamento justo. Deveria o regime ter sido mais abrangente para
a Europa e menos protecionista e isolado? À distância de mais de meio-século,
certamente que sim, mas, nos dias que correm, com a abertura total de
fronteiras e a globalização, começa a dar que pensar até que ponto Salazar
estaria totalmente errado. De outro modo, em face do clamoroso falhanço das
políticas económicas actuais de “livre comércio”, nem me surpreenderá nada se,
a breve prazo, estivermos a caminhar para o mesmo, ou seja, para a protecção
plena da nossa indústria e, por consequência, também o comércio.
Há cerca de 20 anos, mais
propriamente em 1989, Fukuyama, um filósofo nipo-americano da era Reagan,
profetizava o “Fim da história” –na linha de Hegel, em que a partir de que a
humanidade atingisse um equilíbrio entre o liberalismo e a igualdade jurídica
ocorreria este final-, com a queda do Muro de Berlin, o fim da Guerra fria, e a
agonia do comunismo e do fascismo, surgiria o advento do capitalismo, com o
mercado livre em toda a sua pujança como sinónimo de felicidade societária.
Passados 24 anos o que resta deste contentamento? O fim de um curto ciclo
intermédio ou o início de uma “nova história” em sentido ascendente? Onde tudo
o que foi conquistado nestas duas décadas, pela força coercitiva dos governos
nos está a ser retirado e o Estado surge como opressor, ditador, controlador e
inimigo público. Mesmo na liberdade de expressão e ao aceitar denúncias
anónimas não está muito diferente do Estado Novo. Nestes mais de 20 anos conseguimos
uma plena igualdade social e jurídica? Sim, no papel, plasmados em direitos, liberdades
e garantias, mas na prática nunca foi efectiva. O poder económico do cidadão
sempre falou mais alto na hora da sua defesa pessoal, quer na saúde, quer na
justiça. Ao longo destas duas décadas, com o sufrágio sufragado no voto, foi
criada a ilusão de que o cidadão detinha poder. Perante o esboroar dos direitos
constata-se o vazio da ideologia individual. Assistimos à elevação do Estado à
categoria de imperador e o cidadão a passar a súbdito. Por outro lado, e este é
o verdadeiro problema, vimos que apesar deste exacerbado poder subtraído às
massas populares o Estado está cada vez mais fragilizado, desorganizado e
impossibilitado de prestar serviços básicos, e sem controlo na sua própria
administração –veja-se o que está a acontecer com as autarquias. O sistema
transformou-se em clientelar. Já vimos isto nos finais do século XIX e
princípios do seguinte.
Tinha razão, ainda que teoricamente,
Salazar? Tinha! –Afirmemos sem inibição, ainda que custe a muitos aceitar este
axioma, verdade sem contestação. O princípio estava, e continua, correcto. E se
alguém duvida a experiência veio ratificar isso mesmo: que a economia de livre
mercado, sem regulação por parte do Estado, conduz a distorções, a orientações de
abuso de posição dominante, por parte do mais forte economicamente e ao
extermínio do mais fraco. Na forma, sabemos todos, são necessários
reajustamentos, na medida em que não se pode cortar verticalmente com o
exterior, a esmo, sem ponderação.
Tem razão o MAS, Movimento
Alternativa Socialista, em pedir outro 25 de Abril? Tem, mas de pouco lhe vale
ter! Agora só há capitães da areia, apoiados pelo mar. Do povo já não reza a
história. No entanto, a pedir reflexão, não deixa de ser irónico um movimento
de esquerda vir reivindicar uma nova revolução em plena democracia. Só quer
dizer que, pelos resultados obtidos, os pressupostos que a sustentam estão errados e, mais que certo,
reporta-nos para outros tempos.
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