sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

UMA TERTÚLIA NO "BE POETRY"



 Conforme amplamente anunciado nos jornais diários da cidade e outros meios de informação, no seguimento de outras já produzidas, com início por volta das 20h30, realizou-se ontem uma tertúlia sobre o lema “Memória & Literatura” no “Be Poetry”, na Rua do Corvo, 33, onde há uns anos funcionou o “Centrum Corvo”, do saudoso meu amigo Melic Cerveira. Sobre a égide de Madalena Caixeiro, escritora coimbrã amplamente galardoada em vários concursos literários, e com cinco livros editados –apenas um não foi premiado-, partiu-se para um serão muito agradável e espectacular.
Com uma assistência de cerca de uma vintena de atentos, onde se poderiam ver outros amigos e escritores como António Vilhena, poeta e vereador do Partido Socialista na Câmara Municipal de Coimbra, e que fez uma excelente apresentação da “semeadora de palavras” e também professora universitária aposentada.
Com prólogo e epílogo musical a cargo de um dueto extraordinário composto pela Inês e pelo Nelson, estou convencido que, onde quer que esteja, o velho Cerveira sorria de contentamento ao ouvir a glamorosa voz da Inês –um dia destes falarei deles aqui. Sei que habitualmente actuam em trio, mas ontem o violinista esteve doente.
Quem não esteve presente perdeu uma boa oportunidade de presenciar e participar numa conversa viva com uma pessoa muito interessante, que de uma forma humilde, quase infantil, tal foi a simplicidade como se apresentou naquela pequena sala do “Be Poetry”. Versou vários temas, desde “Conversas com Deus”, em toda a sua amplitude metafísica e tão importante na complementaridade da vida humana, até às personagens apresentadas nos livros publicados –ficámos a saber que, para quem escreve, são projecções materiais de gente de carne e osso que deambula próximo, ou, no mínimo, são heterónimos do próprio escritor.
O amor, sempre presente numa obra ficcional, também não poderia ser olvidado. Segundo Madalena Caixeiro, “o maior amor que pode ligar duas pessoas é o que alia um homem e uma mulher”. É uma ligação sublime, pura, porque não é imposta, como, por exemplo, o amor de mãe que é da natureza e existencial. Contrariamente ao que se pensa, é um amor refém da paixão que uma mulher, sem se poder libertar, nutre pelo filho que se gera dentro do seu ventre.
E a cidade? O que pensa Madalena da urbe que, nos seus contos, tanto se avalia ser amada? Sem pensar duas vezes retorquiu: “Coimbra é uma cidade madrasta para com os seus!”. Curioso, porque, há cerca de 5 anos, André Sardet disse o mesmo. “Reparem que anualmente há uma feira do livro na cidade. Já viram lá algum autor local? Pois, estranhamente, convidam outros escritores nacionais, mas, vá-se lá entender por quê, nunca me convidaram para dar autógrafos num destes certames.”
Naturalmente que a Baixa não ficou esquecida. A uma pergunta de Vilhena, respondeu a prosadora: “gosto muito da Baixa! Os centros comerciais deram cabo desta zona monumental. A Baixa perdeu importância” –no seu comércio de excelência. Esta grande área precisa de concertos ao vivo. Eventos que lhe façam ressuscitar a sua vida e movida de outrora e que tanto guardamos na memória.
Com espectadores empenhados, a conversa, em completa informalidade, decorreu até às 22h00.

VALE A PENA SER ESCRITOR EM PORTUGAL?

 António Vilhena trouxe à colação um facto que, dando deveras que pensar, devemos trazê-lo para a discussão pública. Madalena Caixeiro ganhou várias vezes o “Prémio Miguel Torga”, instituído pela autarquia de Coimbra, e o de “Vitorino Nemésio” –este escritor açoriano está sepultado em campa rasa, no cemitério dos Olivais, em Coimbra. Para além dos prémios referenciados arrebatou também o de “Trindade Coelho”. O curioso é que, por um lado, em livrarias de títulos novos, não há obras à venda desta autora consagrada; por outro ainda, e a pedir reflexão, só um dos livros mereceu uma segunda edição. E porquê? Interrogou Vilhena. Porque estes prémios foram todos publicados por editoras já desaparecidas.
Agora uma questão minha, quem gere estes prémios literários não deveria garantir aos premiados uma continuação da sua obra em futuras edições e em caso de esgotamento da edição preliminar? Por que não o está a fazer? Por que razão só vê na cultura uma lógica de “deve” e “haver”? Ou seja, continuo a especular, será que basta entregarem o prémio pecuniário ao distinguido e, a partir de aí, abandonando-o, nunca mais se preocupam com a obra e do destino de quem a criou? Onde fica a responsabilidade social –sim, porque estes galardões são pagos com dinheiro público- e a génese que conduz à motivação para futuros escritores? Penso que todos devem saber que um livro ou mesmo um pequeno texto tem sempre um “religare” existencial para o seu criador. Por outras palavras, é uma extensão do seu feitor. Ora, está visto, estamos perante um profundo desrespeito por um autor.

O QUE É QUE SE PAGA AQUI?

  Quem esteve ontem no “Be Poetry” a assistir à explanação de Madalena Caixeiro e subsequente troca de impressões, certamente como eu, ficou com a impressão de que não se pagava o consumo. Levemos em nota a publicidade inserida no Diário de Coimbra:

“Tertúlia
Memória & Literatura
Entrada Livre
Com a escritora Madalena Caixeiro
BE POETRY
Rua do Corvo, nº33 COIMBRA
O BE POETRY antecede um BE Tasty, com uma degustação de presunto de atum, muxama, regado com vinho ou espumante Alvarinho
31 de Janeiro, quinta-feira, às 19h30
Apoios: “Estúdio m” / designkine

Antes de prosseguir, saliento que o serviço foi excelente, tanto na prestação simpática como na confecção pantagruélica e prova de vinhos. Com toda a honestidade, aconselho uma visita a este magnífico espaço de restauração.
O vinho foi servido a quem quis e foram sendo colocadas na mesa mais travessas com “Be Toasty”, pequenas tostas com atum e “muxama”, que eu desconhecia mas fiquei a conhecer e a guardar o seu paladar na boca. É certo que a meio do percurso vi colocarem um pequeno papel colorido na mesa. Sem o analisar bem, pensei, cá com os meus botões, que serviria de base para os copos e nem liguei. No fim da dissertação, vieram os beijinhos e abraços e o pessoal começou a sair. De repente tive um flash: será que não se paga nada? Mas, a ser assim, como é que a casa ganha dinheiro? Serão as marcas apoiantes que suportam a despesa? Bom, como estou habituado, para onde quer que vá, a pagar, fui interrogar o gerente: diga-me lá, não se paga nada? Devo alguma coisa?
Respondeu o gerente: “claro que deve. Não viu os papéis que colocámos nas mesas? Você esteve a beber “Alvarinho”… E lá paguei a minha conta. Lá lhe referi que o clima que estava criado era de que não se pagava. Certamente os outros convivas, que não pediram contas, partiram do mesmo princípio erróneo. Por isso mesmo foram embora.
Pode até parecer que estou a contar isto porque paguei. Nada disso. Estou completamente de acordo de que eventos como estes devem continuar. São importantes para a Baixa, porque, apesar de pouco, trazem novos públicos. São essenciais para estas casas hoteleiras porque, com estes debates temáticos, tentam animar os seus estabelecimentos. Porém, a meu ver, é imperioso que se cobre o que se consome. Que possam ter pequenos gestos de simpatia admite-se, mas jamais sem perder o sentido do lucro.
Em suma, para não se repetir o mesmo de ontem, é necessário que as regras sejam anunciadas para evitar confusão. Tenho a certeza de que quem lá esteve ao ler este meu texto vai bater com a mão na testa e exclamar: “ai! Eu pensava que não se pagava nada!?!”

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