Conforme amplamente anunciado nos
jornais diários da cidade e outros meios de informação, no seguimento de outras já produzidas,
com início por volta das 20h30, realizou-se ontem uma tertúlia sobre o lema “Memória
& Literatura” no “Be Poetry”, na Rua do Corvo, 33, onde há uns anos
funcionou o “Centrum Corvo”, do saudoso meu amigo Melic Cerveira. Sobre a égide
de Madalena Caixeiro, escritora coimbrã amplamente galardoada em vários
concursos literários, e com cinco livros editados –apenas um não foi premiado-,
partiu-se para um serão muito agradável e espectacular.
Com uma assistência de cerca de
uma vintena de atentos, onde se poderiam ver outros amigos e escritores como
António Vilhena, poeta e vereador do Partido Socialista na Câmara Municipal de
Coimbra, e que fez uma excelente apresentação da “semeadora de palavras” e
também professora universitária aposentada.
Com prólogo e epílogo musical a
cargo de um dueto extraordinário composto pela Inês e pelo Nelson, estou
convencido que, onde quer que esteja, o velho Cerveira sorria de contentamento
ao ouvir a glamorosa voz da Inês –um dia destes falarei deles aqui. Sei que
habitualmente actuam em trio, mas ontem o violinista esteve doente.
Quem não esteve presente perdeu
uma boa oportunidade de presenciar e participar numa conversa viva com uma pessoa
muito interessante, que de uma forma humilde, quase infantil, tal foi a
simplicidade como se apresentou naquela pequena sala do “Be Poetry”. Versou
vários temas, desde “Conversas com Deus”, em toda a sua amplitude metafísica e
tão importante na complementaridade da vida humana, até às personagens
apresentadas nos livros publicados –ficámos a saber que, para quem escreve, são
projecções materiais de gente de carne e osso que deambula próximo, ou, no
mínimo, são heterónimos do próprio escritor.
O amor, sempre presente numa obra
ficcional, também não poderia ser olvidado. Segundo Madalena Caixeiro, “o maior
amor que pode ligar duas pessoas é o que alia um homem e uma mulher”. É uma
ligação sublime, pura, porque não é imposta, como, por exemplo, o amor de mãe
que é da natureza e existencial. Contrariamente ao que se pensa, é um amor
refém da paixão que uma mulher, sem se poder libertar, nutre pelo filho que se
gera dentro do seu ventre.
E a cidade? O que pensa Madalena
da urbe que, nos seus contos, tanto se avalia ser amada? Sem pensar duas vezes
retorquiu: “Coimbra é uma cidade madrasta para com os seus!”. Curioso, porque,
há cerca de 5 anos, André Sardet disse o mesmo. “Reparem que anualmente há uma
feira do livro na cidade. Já viram lá algum autor local? Pois, estranhamente,
convidam outros escritores nacionais, mas, vá-se lá entender por quê, nunca me
convidaram para dar autógrafos num destes certames.”
Naturalmente que a Baixa não
ficou esquecida. A uma pergunta de Vilhena, respondeu a prosadora: “gosto muito
da Baixa! Os centros comerciais deram cabo desta zona monumental. A Baixa
perdeu importância” –no seu comércio de excelência. Esta grande área precisa de
concertos ao vivo. Eventos que lhe façam ressuscitar a sua vida e movida de
outrora e que tanto guardamos na memória.
Com espectadores empenhados, a conversa,
em completa informalidade, decorreu até às 22h00.
VALE A PENA SER ESCRITOR EM
PORTUGAL?
António Vilhena trouxe à colação
um facto que, dando deveras que pensar, devemos trazê-lo para a discussão
pública. Madalena Caixeiro ganhou várias vezes o “Prémio Miguel Torga”,
instituído pela autarquia de Coimbra, e o de “Vitorino Nemésio” –este escritor
açoriano está sepultado em campa rasa, no cemitério dos Olivais, em Coimbra.
Para além dos prémios referenciados arrebatou também o de “Trindade Coelho”. O
curioso é que, por um lado, em livrarias de títulos novos, não há obras à venda
desta autora consagrada; por outro ainda, e a pedir reflexão, só um dos livros
mereceu uma segunda edição. E porquê? Interrogou Vilhena. Porque estes prémios
foram todos publicados por editoras já desaparecidas.
Agora uma questão minha, quem gere estes prémios literários não deveria garantir aos premiados uma continuação da sua obra em futuras edições e em caso de esgotamento da edição preliminar? Por que não o está a fazer? Por que razão só vê na cultura uma lógica de “deve” e “haver”? Ou seja, continuo a especular, será que basta entregarem o prémio pecuniário ao distinguido e, a partir de aí, abandonando-o, nunca mais se preocupam com a obra e do destino de quem a criou? Onde fica a responsabilidade social –sim, porque estes galardões são pagos com dinheiro público- e a génese que conduz à motivação para futuros escritores? Penso que todos devem saber que um livro ou mesmo um pequeno texto tem sempre um “religare” existencial para o seu criador. Por outras palavras, é uma extensão do seu feitor. Ora, está visto, estamos perante um profundo desrespeito por um autor.
Agora uma questão minha, quem gere estes prémios literários não deveria garantir aos premiados uma continuação da sua obra em futuras edições e em caso de esgotamento da edição preliminar? Por que não o está a fazer? Por que razão só vê na cultura uma lógica de “deve” e “haver”? Ou seja, continuo a especular, será que basta entregarem o prémio pecuniário ao distinguido e, a partir de aí, abandonando-o, nunca mais se preocupam com a obra e do destino de quem a criou? Onde fica a responsabilidade social –sim, porque estes galardões são pagos com dinheiro público- e a génese que conduz à motivação para futuros escritores? Penso que todos devem saber que um livro ou mesmo um pequeno texto tem sempre um “religare” existencial para o seu criador. Por outras palavras, é uma extensão do seu feitor. Ora, está visto, estamos perante um profundo desrespeito por um autor.
O QUE É QUE SE PAGA AQUI?
Quem esteve ontem no “Be Poetry”
a assistir à explanação de Madalena Caixeiro e subsequente troca de impressões,
certamente como eu, ficou com a impressão de que não se pagava o consumo.
Levemos em nota a publicidade inserida no Diário de Coimbra:
“Tertúlia
Memória & Literatura
Entrada Livre
Com a escritora Madalena Caixeiro
BE POETRY
Rua do Corvo, nº33 COIMBRA
O BE POETRY antecede um BE Tasty,
com uma degustação de presunto de atum, muxama, regado com vinho ou espumante
Alvarinho
31 de Janeiro, quinta-feira, às
19h30
Apoios: “Estúdio m” / designkine
Antes de prosseguir, saliento que
o serviço foi excelente, tanto na prestação simpática como na confecção pantagruélica
e prova de vinhos. Com toda a honestidade, aconselho uma visita a este
magnífico espaço de restauração.
O vinho foi servido a quem quis e
foram sendo colocadas na mesa mais travessas com “Be Toasty”, pequenas tostas com
atum e “muxama”, que eu desconhecia mas fiquei a conhecer e a guardar o seu
paladar na boca. É certo que a meio do percurso vi colocarem um pequeno papel colorido
na mesa. Sem o analisar bem, pensei, cá com os meus botões, que serviria de base
para os copos e nem liguei. No fim da dissertação, vieram os beijinhos e abraços
e o pessoal começou a sair. De repente tive um flash: será que não se paga
nada? Mas, a ser assim, como é que a casa ganha dinheiro? Serão as marcas
apoiantes que suportam a despesa? Bom, como estou habituado, para onde quer que
vá, a pagar, fui interrogar o gerente: diga-me lá, não se paga nada? Devo
alguma coisa?
Respondeu o gerente: “claro que
deve. Não viu os papéis que colocámos nas mesas? Você esteve a beber “Alvarinho”…
E lá paguei a minha conta. Lá lhe referi que o clima que estava criado era de
que não se pagava. Certamente os outros convivas, que não pediram contas,
partiram do mesmo princípio erróneo. Por isso mesmo foram embora.
Pode até parecer que estou a
contar isto porque paguei. Nada disso. Estou completamente de acordo de que
eventos como estes devem continuar. São importantes para a Baixa, porque,
apesar de pouco, trazem novos públicos. São essenciais para estas casas
hoteleiras porque, com estes debates temáticos, tentam animar os seus
estabelecimentos. Porém, a meu ver, é imperioso que se cobre o que se consome.
Que possam ter pequenos gestos de simpatia admite-se, mas jamais sem perder o
sentido do lucro.
Em suma, para não se repetir o
mesmo de ontem, é necessário que as regras sejam anunciadas para evitar
confusão. Tenho a certeza de que quem lá esteve ao ler este meu texto vai bater
com a mão na testa e exclamar: “ai! Eu pensava que não se pagava nada!?!”
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