Esta semana, mais exactamente na
segunda-feira, passariam para aí cerca de dez minutos depois das 19, já a
peixaria Pinguim, na Rua das Padeiras, estava de porta encerrada e o marido de Lurdes
Alves, a gerente, estava pronto, de malas aviadas, para retornar ao doce lar.
Foi então que um negro de bom aspecto lhe bateu ao vidro: “ainda me pode
atender? Precisava de comprar peixe”. Da banda de dentro, o bom marido da Dona
Lurdes respondeu que desculpasse mas já tinha tudo arrumado e as máquinas
desligadas. O homem de sangue vermelho mas tez acobreada voltou à carga: “precisava
de comprar duas caixas de camarão”. E o bom marido da dona Lurdes, que por caso
não me lembro do nome, deixou entrar aquele que parecia ser bom homem e foi
buscar duas caixas à arca congeladora. Na hora de pagar, diz o homem
descendente do continente africano: “posso pagar com VISA?”. E o bom peixeiro
respondeu que só com Multibanco. Então o homem de alma branca mas pele negra
disse: “desculpe, um momento que vou pedir dinheiro à minha mulher, que está lá
fora. Passados poucos minutos regressou e disse: “olhe, afinal, levo quatro
caixas. E o bom marido da dona Lurdes e bom homem fez novamente o trajecto para
arca congeladora que está num canto da loja. O homem, que aparentemente adorava
camarão e que aparentemente era africano e que aparentemente tinha mulher e que
aparentemente queria adquirir 4 caixas, perguntou: “diga-me lá, o camarão paga
IVA?”. E o bom homem, farto de aturar preto, farto de aturar branco, especulo
eu que não sou boa peça, terá respondido que tudo pagava IVA neste país excepto
as confissões na igreja ao fim-de-semana, mas que, provavelmente será por pouco
tempo porque o zelador de todos nós vivos e daqueles que já partiram
envergonhados, o ministro Gaspar, já andava de olho nos padres e se estava
perante uma descarada concorrência desleal aos psicólogos. E o preto, que há
quem diga que não se deve dizer preto mas sim negro, retorquiu que assim não
queria. E saiu calmamente porta fora. E o bom homem, que mal não faz mal não
pensa, ficou a pensar que mal teria feito ao Criador, que por acaso é branco
mas um dia destes vamos ter um Papa negro, para levar com um aborto daqueles ao
fim de um dia de trabalho. Os peixinhos, mortos coitadinhos, geladitos e
esticadinhos que nem varas, ainda o ouviram exclamar: “filho de um grande
peixe! Que uma espinha se te atravesse na garganta quando pensasses em vir
incomodar um comerciante!”
Dirigiu-se ao balcão onde
anteriormente tinha dois sacos e verificou que agora só havia um. O que tinha o
apuro do dia e mais uns cheques de outros dias passados tinha desaparecido
tudo. Mais uma vez os camarões, perante a raiva sentida e impotência crescente
do comerciante, taparam os ouvidos a tantos impropérios e só guardaram o mais
simples: “filho de uma mulher negra!”
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