Ontem contei aqui que um grupo de
comerciantes da Rua das Padeiras, clientes da maior botica da Baixa, cuja
pomada milagrosa, só comparável ao melhor placebo do mundo, trata do corpo e da
alma de todos os enfermos desta vida, fizeram uma surpresa à directora técnica,
mais conhecida por “Mariazinha”. É claro que a maioria não sabe mas por estas
ruelas, becos e largos há muitos invejositos cobiçosos. Vai daí, um gajo do
Largo da Freiria, comerciante também, que por acaso conheço mal mas não quero
conhecer melhor, que tem a mania que é poeta, escritor, músico, actor e outras
aldrabices que lhe alimentam o ego, para não ficar atrás dos vizinhos, hoje de manhã, na companhia de
outros loucos como ele, sem ofensa para os ensandecidos, deu em ir fazer uma
serenata à aniversariante. Fogo! Estes tipos devem ser mesmos maluquinhos! E se
de repente chovessem tachos e panelas arremessados pelo Jacinto, o marido da
feiticeira alquimista que compõe as receitas de estalo na Rua do Almoxarife? E
se houvesse feridos? Ou mortos, sei lá? O que posso dizer é que a Celeste
Correia, que foi a gaiteira que cantou a canção, o Paolo Vasil, o acordeonista,
o Luís Cortês, na flauta de beiços, e o fulano da viola, que por acaso até me
parece familiar, estou a ver se me relembro do nome dele… mas não sei, não consigo recordar.
Fica aqui então a letra da canção
original trauteada em frente à “Tasca da Mariazinha” e que, no poema fala do
seu reputado estabelecimento:
HINO À CIDADE PERDIDA
“Olhem, tenham dó”,
gritava a cigana,
“tenho dez filhos e
“mi home, entrevadinho”,
está na cama,
coitadinho, e não pode trabalhar;
Davam uma moeda,
tinham compaixão,
na outra esquina um
ceguinho repetia a lengalenga
trauteada em oração;
No largo em frente
jogavam à moeda,
e entre um copo e uma
sardinha na tasca da Mariazinha
se depuravam as mágoas;
ESTA CIDADE JÁ NÃO
EXISTE
SÓ NA MEMÓRIA É QUE
PERSISTE
O tempo passou
e tudo mudou,
e a minha rua que era
luz, agora é triste, tem uma cruz
p’ra lembrar que
pereceu;
Já nem um pregão,
um gato a miar,
só o silêncio
modorrão invadiu seu coração
e de quem teima em
ficar;
ESTA CIDADE NÃO TEM
VIVER
JÁ NÃO TEM VIDA, ESTÁ
A MORRER
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