(Imagem de Leonardo Braga Pinheiro)
e, com a
devida vénia, acrescentado por Luís Fernandes
Quanto mais pobreza houver entre
os homens menos se desfrutará a riqueza em liberdade. O detentor da opulência,
ao viés de se sentir escolhido e livre, experimentará um sentimento de
acossado, refém da sua própria condição de abastança. Ser-se rico e estar
rodeado de pobres, do ponto de vista moral, deveria ser considerado abominável,
um martírio só suportável por mentes obscuras, sadomasoquistas e egocêntricas,
sem outro alcance além da ponta do seu nariz. A pobreza não exalta a
riqueza, enxovalha-a e cola-se-lhe como estigma de um passado pouco virtuoso. Toda
a riqueza é vertical, efémera e a prazo. Seja na terceira ou infinita geração,
mais cedo ou tarde cairá. Em contraposição, a pobreza é horizontal e, como
pandemia, tenderá a alastrar-se provocando a desordem, a insegurança e tenderá
em retornar o homem às suas origens selvagens.
Para os que nada têm, a riqueza é
vista como uma doença furunculosa que provoca rancor, inveja e desdém. Os seus
sinais de ostentação, assentes em alicerces de injustiça, são como verrugas no
espírito dos pobres que ensombram até o sol mais radioso, que aquece uma
humanidade pretensamente feliz e enquanto primado da sua condição. Gozar a
riqueza em locais isolados e inacessíveis aos demais mortais deveria ser um
assombro à alma de um endinheirado. Sem o poder evitar, terá sempre por perto
os fantasmas da fome, material ou espiritual, deambulando pelo espaço dos seus
jardins. Dormirá com soporíferos de variada ordem, porque o seu espírito não
tem descanso, atormentado que está pelos gritos silenciosos de quem mais não
tem com que viver senão a esperança do dia de amanhã. Viver na riqueza afastado
do chafurdar da pobreza em incompleta insensibilidade é um ato desumano sem
esperança num futuro equilibrado, ajustado na igualdade de que todo o homem é
meu irmão, em contraposição às assimetrias sociais divididas entre o mais e o
menos.
Como espada de Dâmocles assente
numa justiça natural, tanto se morre por ser rico como por ser pobre, mas o abonado
requer mais pompa na hora da circunstância... como se tal coisa lhe valesse
além das fronteiras da morte e do esquecimento perene. Nenhum rico ficou para a
História apenas pela sua fartura. Depois de uma vida de exploração, em
contrição e para lavar a alma, alguns ficaram pelas suas acções geradoras de
bem-fazer.
É tão inútil e contra natura
manter um povo de pobres, como gozar uma riqueza afrontado por uma maldição
assente em esqueletos enterrados em quintais.
Filosoficamente, ninguém lucra
com um estado continuado de empobrecimento. É como escolher a noite escura em
detrimento do dia brilhante. Em vez de iluminados nascerão seres abjectos,
monstros insensíveis. A riqueza tomada sobre cadáveres, como síndrome
patológica, se tornará sombria, símbolo da indignidade e sem glória.
Materialmente, sabemos, está a acontecer. Deliberadamente e intencionalmente, obedecendo
a um plano maquiavélico e estudado ao pormenor, a maioria enfraquece para
fortalecer e enriquecer uma ínfima minoria, um grupo parasitário que,
destruindo teses justas num amanhecer de esperança colectivo, rebenta com as
ideologias planetárias de uma justiça social.
No silêncio, o pobre, aceitando a
sua condição como fado impossível de alterar, resigna-se, vira-se ao
transcendente e reza. No ruído envolvente, o rico exalta-se e julga-se Deus,
mas ninguém o ouve -da mesma forma que se compreende e se toma a pobreza como
desígnio. É uma aceitação tácita baseada na hipocrisia e fobias sociais.
Virando-se para o metafísico, como complemento de respostas impossíveis, surgem
então, vindos de remoto antanho, os espectros de má memória e as maldições
cíclicas que se abatem sobre o ser humano como fatalidade.
Que utilidade terá para o mundo
um exército de pobres? Descalços e vazios, nem vislumbram o inimigo. O inimigo?
E quem será o inimigo do pobre? Em que brumas perdidas se pode encontrar? Na
história? Na antropologia? Na essência do homem? Vai o abundante, enquanto
mentor imbuído de benfeitor, obrigá-lo a combater este invisível causador de
desgraça? Com que direito impõe a sua legitimação? Mas, afinal, voltamos à
interrogação, quem é verdadeiramente o inimigo do pobre? Será o rico? Não, não
pode ser! A riqueza não deve ser ostracizada enquanto meio para alcançar um fim
de maior desenvolvimento e melhor bem-estar social. Já se constituir um fim em
si mesmo será parasitária –que aliás, maioritariamente, é o que acontece,
sobretudo quando os governos apelam ao aforramento. Obrigatoriamente,
deveríamos querer acabar com os pobres e pretendermos ser, mesmo numa
desigualdade impraticável de suster, todos mais abastados e para que ninguém
fosse obrigado a estender a mão por necessidade. Então, se não é o copioso,
quem é o adversário do pobre? É a AMBIÇÃO, enquanto desejo único e
açambarcador, primo, tutelar, ditatorial, exterminador, que, na sua ganância
sem limites, calca, destrói e achincalha o ser humano, e amanda para o charco a
ambição natural, a aspiração, aquela que nos move e empurra para frente, com fé
num mundo melhor, e que existe dentro de cada um de nós.
Também é verdade que a pobreza
existe porque dá jeito enquanto cosmo de projecção dos medos do homem. O que
seria das religiões sem a pobreza? O que seria dos políticos partidários sem o
apelo vincado aos sem tecto e sem esperança?
Quem se sente humilhado rumina
vinganças e, pelo ressentimento que o corrói, raramente tem tempo para obras
poéticas. E se o tiver, porque para dar valor ao tempo precisa de ter a cabeça
arrumada, como timoneiro indigente prefixado, pirata nas entrelinhas do asco,
as suas cogitações serão sempre tristes e medonhas, a marearem em oceanos de
angústia e sofrimento num barco de velas negras.
Hipoteticamente, num inglório
esforço, como adventista do sétimo-dia de uma religião de equidade com fé num
homem novo, poderá sair à rua a reclamar com a sua voz revolucionária e a
quebrar o silêncio dominante. Mas, como nuvem passageira de um infinito presente
de situacionismo, sem ser ouvido por surdos disfuncionais, depressa regressará
à sua pobreza como origem de destino, e como, na natureza, o lobo voltará
ao seu covil.
É de uma inutilidade atroz
perseguir como fim planificado de alguns e perpetuar a pobreza na sociedade. Inevitavelmente
germinará em guerra, mesmo que seja calada pelo suicídio, e provocará muitas
vítimas infelizes. Daqui, deste exército de descontentes e de penúria, como
guerreiros mal-nutridos, poucos sairão vivos. Mas, na mesma desdita, os
capitalistas também acabam por perder. Será a riqueza uma maldição?
1 comentário:
Digo citando a Biblia, "Mais fácil é entrar um camelo por um buraco de agulha do que um rico no reino do céu...", leia-se rico não só os que tem abundância de bens materiais, mas todos os ricos em arrogância, desonestidade, incompetência, abuso de poder, etc..., e leia-se reino dos céus como felicidade, consciência tranquila, amor pelo próximo, e bem fazer que é o caminho para a felicidade total, e para a imortalidade! Bom Dia!
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