terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

VAMOS AO CIRCO? (1)



 Neste domingo último, estava um dia cinzento e negro com intervalos de chuva copiosa. Na sexta-feira anterior eu lera na primeira página d’O Despertar que o Circo Soledad Cardinali estava em Coimbra. Após o almoço, calmamente, coloquei os pés ao caminho em direcção ao “Choupalinho”, queria sentir o “maior espectáculo do mundo” de uma outra forma. Não como espectador comum, que como máquina de fotografar capta apenas a imagem que todos apreendem, mas como investigador, que começa por visitar as traseiras.
Enquanto descia a rampa para o terreno transformado em palco da cidade, dei por mim a constatar que a última vez que fui ao circo teria sido por alturas de 1990 quando os meus filhos eram pequenos. Ou seja, passaram mais de vinte anos e nunca mais coloquei os pés numa tenda de diversão circense. Porquê? Foi a interrogação que me ficou a bailar. Será pelo facto de associarmos circo a crianças? Mas como explicar o facto desta representação artística ser tão elevada no estrangeiro, por exemplo, no Mónaco em que os príncipes fazem questão de marcar presença e arrastar toda a classe alta monegasca? Ali não há apenas crianças. Há também muitos adultos e de todas as classes sociais. Será que em Portugal a arte circense é considerada pobre não apenas pelo desinteresse de incentivo inscrito no plano financeiro mas, sobretudo, pelo abandono de quem nos rege? Ou seja, se os ocupantes da cadeira do poder não frequentam o circo, levando atrás de si a imprensa, como pode o povo ser sensibilizado para esta habilidade ao vivo? Quantas vezes se viram um Presidente da República no Coliseu dos Recreios, em Lisboa? E um Primeiro-ministro? E aqui em Coimbra quantos presidentes da Câmara Municipal foram vistos dentro de uma tenda a assistir a uma performance artística? E vereadores? Mais à frente, ouvindo os profissionais da arte do trapézio e malabarismo, tenho a certeza de que não conseguirei dar respostas conclusivas, mas, pelo menos, tentarei obter um outro plano de avaliação.
Estou agora nas traseiras da grande tenda central, junto aos animais, tigres e póneis. Tendo em conta a grande preocupação que varre o país com os irracionais, em detrimento hipócrita da sorte dos humanos, verifico que todos me parecem bem tratados e com bom aspecto. Comparando com umas galinhas, um cão e vários gatos que alimento no meu quintal e que tanto me esforça, mentalmente tento imaginar o custo incomensurável para manter estes seres vivos felizes. Vejo que estão rodeados de “roulottes” com boa aparência. Em exercício rápido, imagino quantas famílias ali viverão como saltimbancos de terra em terra. Quantos sorrisos ali teriam ecoado de contentamento? Quantas lágrimas de dor, sentidas na solidão daquelas pequenas casas de rodas, teriam passado nestas vivendas ambulantes?
Faltava ainda meia hora para a apresentação. Observo os rostos das pessoas com quem me cruzo. Em todos pressinto uma tristeza inexplicável, uma doçura angelical, mas ao mesmo tempo uma serenidade imanente e constante. É como se, nas suas faces calcadas pelo arrostar do tempo, a felicidade tivesse petrificado e, naquele rir a meio rir, os preparasse para um futuro que só a Deus pertence. Há alguma azáfama em ter tudo pronto para a matiné que começa impreterivelmente às 16h30. Desde o mais novo ao mais velho, todos trabalham para que tudo corra bem. Como numa comuna todos são representativos da vontade e importantes para erguer a obra. Uns varrem, outros limpam as cadeiras, outros colocam as grades de ferro protectoras para a actuação dos tigres, calculo. O ambiente é muito acolhedor dentro da gigantesca tenda aquecida e preparada para, creio, à volta de três centenas de assistentes. “PSSIU”! Apagaram-se as luzes. 

(CONTINUA AMANHÃ)

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