(Imagem de Leonardo Braga Pinheiro)
Quando fui surpreendido pelo 25
de Abril de 1974, estava então com 17 anos e não tinha a mínima noção sobre política.
Não fazia qualquer ideia de que tratava o tema. Trabalhava então no comércio,
aqui na Baixa da cidade. Recordo que, perante os ventos revolucionários que
invadiram todos os cantos e recantos das lojas do mesmo comerciante onde
laborava e que nessa altura teria cerca de 15 empregados, a preocupação do
patrão foi mentalizar-nos de que os comunistas haveriam de ser a desgraça deste
país. O Partido Social Democrata, com Sá Carneiro à cabeça, no meio da
nomenclatura, era o único que se salvava e defendia o bem comum, entre patrões
e empregados. Desde o início que me fazia alguma espécie aquela aversão aos marxistas-leninistas.
Para tentar perceber quem eram esses seres extraordinários, que até “comiam
meninos ao pequeno-almoço”, durante alguns anos fui leitor do Diário, jornal
identificativo do PCP, mas nunca cheguei a uma conclusão clara. Uma noite, na
véspera de ir de férias já marcadas antecipadamente e com planos traçados, não
dormi a ler a “Vigésima quinta hora”, de Virgil Gheorghiu. Uma expressão que
nunca tinha ouvido falar e que guardei foi “carne para canhão”. Às nove horas da
manhã apresentei-me ao serviço e fui informado de que, por razões de força
maior, não iria no dia seguinte para férias. “Passei-me dos carretos”. Irritado
e certamente a espumar pela boca, atirei ao patrão: olhe lá, o senhor pensa que
um empregado é carne para canhão, ou quê? Só me lembro de ver o homem à minha
frente como um negro, em África, a dançar em volta da fogueira, e a exclamar: “é
comunista! É comunista! Eu tenho um comunista na minha casa!”. Penso que, com o
tempo, esta catalogação lhe teria passado. A verdade é que estive lá 9 anos e
despedi-me por minha iniciativa. Modéstia à parte, chegou a prometer-me “mundos
e fundos” para eu não sair. Ainda bem que o fiz. Quem por lá ficou, dos meus
antigos colegas, há poucos anos, por insolvência e pouca consideração dos
sucessores, nem a declaração para o subsídio de desemprego tiveram direito.
Lembro-me, quando cumpria o
serviço militar em Estremoz, um dia, fui a uma consulta ao Hospital Militar de
Évora e na volta apanhei boleia de uns civis. Nos cerca de 30 quilómetros que
separam as duas cidades alentejanas levei uma lavagem ao cérebro que ia ficando
desmiolado. A conversa girou sempre em torno de “camarada, temos de tomar os
quartéis, se preciso for, pela força! Estás connosco, não estás, camarada?”
O tempo foi passando e eu
conservei-me sempre distante das lides partidárias. Ideologicamente, nunca me
senti próximo de nenhum. No entanto, isso sei, estabeleci-me por conta própria
em 1982 e comecei a pensar como patrão. Isto é, comecei a ler umas coisas sobre
o liberalismo, desde Aristóteles, até Adam Smith, no Iluminismo, e, nessa
altura, finalmente julgava ter encontrado uma doutrina que me identificava
plenamente. Por volta de 1986, mais coisa menos coisa, no tempo de Cavaco
Silva, fui assistindo ao afastamento do Estado na economia. Progressivamente
foi-se implantando a liberdade de cada um estabelecer o preço do seu produto,
com a concorrência a servir de fiel de balança, e eu achei que estava correcto.
O lugar do Estado era apenas servir de árbitro e deixar correr a compra e venda
nos rios da liberdade contratual. Até que por imposição de Bruxelas se começou a
desnacionalizar a banca. Mais recentemente, com a liberalização dos
combustíveis, havendo apenas menos de meia-dúzia de operadores, comecei a ver
que o liberalismo que sempre me norteou estava a beneficiar claramente um
pequeno grupo em detrimento do colectivo. Os aumentos têm sido o que se sabe. A
seguir foram as telecomunicações. Depois a saúde, com o aparecimento de
hospitais particulares e as PPP, Parcerias Público Privadas. Depois foi a legislação
do trabalho –não que não achasse que era necessária uma mexida, mas em que, com
ponderação, fossem salvaguardados os direitos dos trabalhadores. Agora são as
rendas de casa, em que, perante a quebra de rendimentos do trabalho, se assiste
a uma violência inacreditável sobre os inquilinos, particulares, impondo a
expulsão de pessoas para debaixo da ponte por não poderem pagar. No
arrendamento comercial, sem nada se fazer, favorece-se claramente os
proprietários deixando-os à vontade para, no seu direito, pedirem as rendas que
quiserem e, em contrapartida, lhes serem impostas obrigações de contribuírem para
o bem comum de praticarem valores aceitáveis. Como? Há vários instrumentos que
o legislador pode pôr mão. Um deles, por exemplo, é que em rendas com tecto
superior a 500 euros paguem um alto imposto em sede de IRS, por exemplo, de 40
por cento. Haverá outros meios, mas, de facto, esta forma será a mais subtil e
incisiva para baixar o rendimento do capital para níveis aceitáveis e menos
especulativos. Um estabelecimento comercial é um catalisador de criação de
riqueza social, portanto, obrigatoriamente, tem de contribuir para os que
precisam de trabalhar e ser tratado com mais respeito pelo seu possuidor.
Independentemente do individual direito legítimo de propriedade, a riqueza só
faz sentido se for um motor de desenvolvimento em prol da sociedade. Não o
sendo, não estando ao serviço do público, a fortuna, para além de se tornar bastarda,
é aberrante, parasitária e contrária ao interesse comum. É urgente criar
medidas que impeçam que uma loja comercial esteja encerrada mais do que
meio-ano. Enquanto usufrutuários da cidade, todos temos obrigação de contribuir
para a sua revitalização. Ora, um estabelecimento encerrado há vários anos,
como são os casos repetidos na Baixa de Coimbra, é uma constante provocação à
partilha, aos princípios de solidariedade que todos, enquanto indivíduos, filhos
de uma nação em crise, estamos obrigados.
No grande comércio todos sabemos
o que está acontecer, a reinar a barafunda, praticando “Dumping”, e,
descaradamente, afundando as pequenas lojas de bairro.
Agora, perante os nossos olhos,
estamos a ser assaltados diariamente pelos bancos com comissões abusivas. Ainda
hoje disse no banco com quem trabalho se teimarem em me retirar comissões apresento
uma participação no DCIAP por furto simples e abuso de confiança. A verdade é
que, pelo menos por agora, fizeram a reposição das verbas confiscadas
abusivamente. Mas não tenho ilusões, estes especuladores, piores que
assaltantes de cara descoberta, vão voltar e ainda com mais força.
Infelizmente, como tudo indica, o Governo não está interessado em travar este
ilícito arresto. Por isso mesmo, cabe-nos a nós, individualmente, usando mesmo
meios pouco ortodoxos, defender o que nos pertence.
Cada vez mais me sinto afastado
deste liberalismo que sempre julguei nortear. É preciso colocar um travão nesta
ideologia que explora os mais fracos em descarado benefício dos mais ricos.
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