(Imagem de Leonardo Braga Pinheiro)
Coimbra é uma cidade estranha.
Estranha, não no sentido de ser diferente para melhor, mas para o pior. É uma
urbe de pequenas ilhotas onde pululam os amigalhaços, nas confrarias, nos
clubes, nos partidos, onde o que conta verdadeiramente para a maioria é a importância
do “Dr” a anteceder o nome, ou a posição
que ele ocupa na administração da cidade, ou, se escreve, e desde que seja
jornalista, mande uns bitaites mesmo
que sejam uns disparates ofensivos à honra e dignidade, todos batem palmas.
Basta abrir qualquer um dos dois jornais diários locais e analisar os
articulistas. Coimbra é uma cidade cínica, calculista, subserviente e
hipócrita. Onde a sua alma errante, o seu espírito negro como negro é o seu
fado, vagueia entre a Câmara Municipal e a Universidade. Vale mais uma bufa mal
cheirosa de um doutor ou de um político partidário que um frasco de perfume com
cheiro a rosmaninho se vier de um qualquer trabalhador. O sumo da razão,
enquanto ideia equilibrada e ajustável, nunca interessou nada. É uma cidade
vazia, desprovida de ideias novas. Tal como o país, vive do passado e à espera
de um D. Sebastião que, embrulhado em capa de super-homem, a venha retirar
deste estado amorfo de letargia. Porém, vá-se lá entender, se ele aparecer não
será levado em boa conta, será expulso e corrido a pontapé.
Outro dado a merecer reflexão, pode
até ser a maior aselhice e badalhoquice do
planeta mas desde que venha de um iluminado com orelhas de burro todos vão atrás
a lançar loas ao mastronço. Mas depois do personagem virar costas, no diz-que
disse, gritam-se cobras e lagartos contra a sua arrogância imperialista e contam-se
segredos de alcova. Este comportamento arregimentado passa-se ao nível da
classe média superior e que detém algum poder, não de facto, mas de influência.
Curiosamente, do meio para baixo, para além de se projectar um ódio visceral ao
grupo altaneiro, nunca é possível apelar ao sentido ético-moral corporativo
onde o espírito de união deveria funcionar como defesa, colmatando a
fragilidade.
E servi-me desta longa introdução
para manifestar a minha indignação. O que vou escrever a seguir é um exemplo,
entre outros, que mostra bem a apatia que reina em alguns sectores da vida
profissional da cidade e que explica a causa deste grande lugarejo com
várias capelas nunca passar da cepa torta. O Arménio Pratas é um reputado
comerciante estabelecido na Rua da Sofia. Para além disso –que não é pouco, já
diz muito da sua loucura, se tivesse juízo há muito tempo que tinha ido fazer
outra coisa qualquer e largado o negócio- é um cidadão preocupado com a
situação premente que o comércio tradicional atravessa. Vai daí, há umas semanas contactou a CPPME,
Confederação Portuguesa das Micro Pequenas Empresas, para vir à cidade debater
esta grave crise que se abateu na compra e venda de rua, incluindo a
fiscalidade, o investimento e o crédito, a justiça e o apoio social, entre
outros temas. A CPPME aceitou, com a promessa de vir o seu presidente João
Pedro Santos, mas ainda fez mais, prometeu trazer consigo um experimentado fiscalista
e reputado economista, Eugénio Rosa, ligado ao PCP. Ficou assente que seria
feito um jantar-debate na próxima sexta-feira, dia 22. O Pratas andou esta
semana a contactar todas as lojas da Baixa para que cada comerciante pudesse
colocar a sua questão, reportando dúvidas, e, neste jantar com um custo de 10
euros por pessoa, ficasse minimamente esclarecido quanto ao presente nebuloso e
futuro mais que certo na pobreza. Tendo em conta o momento gravíssimo que se
assiste, em que fecham mais lojas do que bocejos dos donos são detectados,
seria de supor que a Baixa não teria um restaurante com uma sala suficiente
grande para albergar tanto descontentamento. Seria assim? Não, não é. O
Arménio, ontem, cancelou o encontro por falta de interessados. Conseguiu 8
inscrições e 6 prováveis sujeitos a confirmação.
Como entender um resultado
destes? É a pertinência titânica que se impõe. Como é que se pode compreender
que uma classe que, pela indigência crescente, precisa de apoio urgente reaja
desta maneira? Será comodismo? Será pela desmotivação que, atingindo o
incomportável, está ao nível do “estou por tudo. Já não me importo com o que
vier!”? Ou falamos de hipocrisia, no pior deste sentimento, onde impera a
dissimulação, a falsidade, o fazer de conta de que ainda se é, ou tem, sem nada
ser e sem nada ter? Onde grassa o individualismo, no grau mais elevado de
egoísmo, desligado do que se passa à sua volta? Com este procedimento
caminhamos para onde? Com comerciantes assim alguma vez se consegue recuperar a
Baixa? Como a culpa não pode morrer sozinha, bem podem continuar a culpar a
classe política de todos os males. TRISTEZA!
1 comentário:
Excelente reflexão e que, infelizmente corrobora o que digo muitas vezes sobre o comércio e alguns comerciantes da baixa de Coimbra. A crise financeira / económica, neste caso, não justifica tudo e é uma pena que assim seja.
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