sábado, 13 de junho de 2009

UMA VIAJEM AO PASSADO SEM SAIR DA CIDADE




















Há quanto tempo é que você não vai à Alta da cidade velha? Tanto tempo? Ai, alma de Deus!, você não larga esse maldito sofá e o raio da televisão.
Hoje você tem motivos de sobra para sair dessa saleta onde faz tudo a correr. Saia daí depressa. Pegue na cara-metade e rume à Baixa. Estacione no Parque do mercado municipal D. Pedro V –os primeiros 15 minutos são grátis. Suba as escadas, acompanhado da dona Efigénia, a sua mulher –ai não se chama assim? Desculpe, estou a ficar um bocado lerdo, é da idade- e entre no mercado municipal. Já lá está? Está admirado; pela sua cara de espanto, vejo que não ia aí vai para largos anos. Vá com calma! Repare nas expressões das pessoas. Olhe aí, mesmo ao seu lado, sim, essa senhora. É a dona Guilhermina. Vende frutas no mercado há mais de trinta anos. Repare na fruta –é mesmo na fruta, homem. Fogo, você é maldoso! Coitada da dona Guilhermina, contrariamente à fruta viçosa que vende, está um pouco mirrada pelo tempo.
Continue a andar, tome atenção aos sons. Atente na vaga de fundo, própria dos mercados onde se negoceia. Há quanto tempo você não ouvia nada igual. Que pena que tenho de si, mas ainda vai a tempo. Continue em direcção à praça do peixe. Já lá está? Repare na construção em ferro, a fazer lembrar Eiffel, por volta de 1900. Veja se a dona Efigénia, a sua mulher está ao seu lado, não se distraia. Ela tem de sentir que é a razão da sua existência –faça o seguinte: quando sair daí, da venda do peixe, suba ao andar superior e ofereça-lhe uma rosa. Você ainda se lembra de ver uma mulher derreter-se à sua frente? Foi há muito tempo, eu sei, o tempo não perdoa.
Continuando, imagine-se uma máquina fotográfica, registe tudo na sua mente. Os sons, as expressões das pessoas, o brilho daquela sardinha. Veja bem. Linda, não é? A sua Efigénia está a comprar uma dúzia, está dizer-lhe que vai, amanhã, fazer uma sardinhada na varanda do seu T3.
Já compraram tudo? Gostou? Eu bem lhe dizia. É uma sensação única. E todos nós estamos a perder estas recordações. Mas você pode voltar. Não esqueça que o mercado está aberto todo o dia de sábado, em colaboração com a Baixa e com os comerciantes que aderiram a trabalhar todo o dia.
Vá pôr as compras no carro e venha a pé até à Praça 8 de Maio. Está a passar na Rua Martins de Carvalho (antiga Rua das Figueirinhas), sente-se a tristeza desta artéria, não é? É verdade, sim. As ruas, como nós, também têm sentimentos. Sofrem de solidão e abandono como nós humanos. Perguntava o que poderia fazer para ajudar? Olhe, é vir mais vezes à Baixa, passar nas ruas, como esta das Figueirinhas. Dê-lhe o calor dos seus passos. Faça-as sentir vivas e úteis.
Chegou à Praça 8 de Maio. Entre no Café Santa Cruz. Homem, feche essa boca. Parece um artolas que veio pela primeira vez à cidade. É lindo, não é? Vá lá ao fundo. Aprecie a exposição de pintura. Já viu? Agora, você e a Efigénia –desculpe tratá-la com este à-vontade-, sentem-se na esplanada e peçam ao senhor Costa –não sabe quem é? É o empregado de mesa e pintor de arte plástica- dois cafezinhos. Se pago eu? Caramba, você está a abusar de mim, mas está bem, eu pago. Diga ao senhor Costa que ponha na minha conta.
Estão sentados na esplanada? Inale o ambiente, com as pessoas a passarem à sua frente, em baixo na praça. Dá uma sensação de paz, não dá? Pois dá. É um espectáculo!
Agora, levante-se. Não apetece, pois não?! Mas tem de ser. Siga em direcção ao Largo da Portagem, subindo a Rua Visconde da Luz. Vá olhando as montras das Lojas –lindas, não são?-, não esqueça que estão abertas ao sábado todo o dia. Já está na Rua Ferreira Borges, está a passar em frente ao Café Nicola, agora, corte à esquerda, em direcção ao Arco de Almedina. Há tanto tempo que você não passava aqui. Quase que apetece as pedras milenares chorarem pelo seu abandono. Está admirado do bulício no Quebra-costas? É uma feira mensal que os comerciantes destas escadas de memória fazem para revitalizar o comércio local. Está lindo não está?
Suba as Escada de Quebra-Costas, em direcção ao largo da Sé Velha. Ena pá, tanta gente, parece você dizer. É a feira Medieval. É a 18ª realização da (agora) Fundação Inatel e da ADAAC, Associação para a Defesa da Alta de Coimbra. Parece que estamos na Idade Média, não é? Pois é. Olhe está a aproximar-se o “Bazilius”. Dê uma moeda ao mais famoso pedinte de Portugal. A sua caracterização e performance é plena. É um teatro vivo o desempenho deste homem simples.
Já agora, que estão no Largo da Sé Velha, entrem no Café Oásis e bebam uma água. Cumprimentem o Arsénio, o proprietário, que já faz parte da história deste mítico largo.
Para equilibrar, entre no Café Sé Velha. É o mais lindo espaço de tertúlia da Alta. Tenho grandes recordações neste café. Já lá fui muito feliz. Nem você imagina quanto. Dê um abraço meu ao senhor Abel. Aprecie aqueles bonitos painéis de azulejos pintados à mão de Coimbra antiga. Cada um deles tem uma gotícula de suor meu. Gosto muito deste café. Está lá uma parte da minha vida. Mas isso é outro assunto.
Gostou? Não precisa agradecer. Volte mais vezes. Tanta coisa linda nesta sua cidade e você a navegar na Internet e no “Nacional Geografic”. Se precisar de um cicerone é só dizer…

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