Na terça-feira o Diário de Coimbra (DC), em primeira página, contava que “Tribunal manda reabrir loja Erótica”. Contava então o DC que “Numa acção de fiscalização em cumprimento de uma ordem superior emanada a nível nacional e levada a cabo em vários pontos do país, inspectores da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) determinaram, no dia 20 de Fevereiro de 2009, o encerramento da “Playground-Wanna Play?” erotik shop, sita no centro comercial Gira-Solum, em Coimbra. Para legitimar a decisão, a ASAE argumentou com artigos presentes em dois decretos-lei que remontam ao longínquo ano de 1976.”
Continuando a citar o DC, Um “dos argumentos invocados pela ASAE era a presença, a escassos metros, da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), fazendo uso do mesmo decreto nº 647/76, onde no seu artigo terceiro se lê que “os estabelecimentos de comércio de objectos ou meios de conteúdo pornográfico ou obsceno não poderão funcionar a menos de 300 metros de locais onde se pratique o culto de qualquer religião, de estabelecimentos de ensino, parques ou jardins infantis.
“Ontem, a juíza do 3º Juízo Criminal do Tribunal de Coimbra deu razão à proprietária da erotik shop ao confirmar que a ASAE não podia, nem tem poderes para fazer o que fez. (…)”, assim noticiava o DC este acontecimento.
Obviamente, porque apenas vou procurar incidir a minha análise sob o prisma social, não transcrevi alguns factos, embora sem relevância para o que pretendo defender. Também, e contrariamente ao que se possa pensar, não me vou debruçar sobre a intervenção da ASAE, e se a sua interpretação do citado diploma foi ou não a mais correcta. Para mim, isso aqui pouco conta.
O problema vem detrás. Muito detrás! Como se admite que leis que legislam sobre o costume continuem em vigor passados mais de trinta anos? A sociedade de hoje tem alguma coisa a ver com a de 1976, em que havia dois anos apenas que saíramos de um regime autoritário?
Neste turbilhão de ventos de vontades, parece que temos três países distintos entre si a conviver hipocritamente numa amostra de nação sem ritmo em velocidade de desenvolvimento.
Metaforicamente, entremos nesta confederação de três países num só país. Comecemos pelo “país superdesenvolvido”, dos “jotas”: onde se ratifica, através da lei, a despenalização do aborto até às 10 semanas; onde temos uma lei vanguardista sobre a violência doméstica; onde está regulamentada a educação sexual nas escolas; onde está em estudo a legalização da eutanásia; onde está em curso a intoxicação da opinião pública para a distribuição gratuita de preservativos no ensino secundário; onde se pretende legalizar o casamento entre homossexuais.
A seguir temos o “país católico”, em que dizem professar esta religião mais de 90 por cento dos seus cidadãos maiores; é neste país irreal que, se dizendo laico, por causa de uma “catrafada” de “dias-santos”, numa economia deficiente como a que vivemos, ao longo do ano, se permite parar a quase cinquenta por cento; é aqui, neste reino de temor religioso, que se permite que uma actividade comercial, como a que cito no começo do texto, tenha de estar a mais de 300 metros de uma igreja ou estabelecimento de ensino.
Vem então o “país atrasado, hipócrita e falso-moralista”. Neste “país” fantástico, próprio das mil-e-uma-noites, do tempo dos califas, faz-se de conta que o tempo não corre, com leis como a que cito em cima, onde o sexo continua a ser tabu; onde, para adquirir um qualquer acessório de uso corrente na vida sexual, tem de ser às escondidas, pela calada da noite, pela Internet, ou então numa loja, escondida num qualquer recanto escuro e nebuloso. Onde o cliente entra de óculos escuros, chapéu na cabeça, gabardina de gola levantada, e, a titubear, diz que foi um amigo que lhe pediu para comprar um vibrador. É neste “país surreal” que se pensa que a vendedora –normalmente, por acaso, só por acaso, brasileira- deve ser de outro planeta para estar ali a vender aquelas “badalhoquices” mas que a gente gosta tanto, e faz tanto jeito, de ter lá em casa –mas ninguém pode saber, caso contrário ainda nos rotulam de tarados. É neste “país de atrasados mentais” que se continua a permitir que a mulher se prostitua, sem dignidade, num qualquer pinhal à beira da estrada. É este “país medieval” que se opõe à legalização da prostituição. É este “país de faz-de-conta” que continua a permitir que os jovens adquiram drogas nas ruas, intensificando o tráfico, cortadas com substâncias tantas vezes mortais. É este “país subdesenvolvido” que se opõe que as drogas sejam vendidas em farmácias e com receita médica. É este país moralista que se opõe à legalização de bordéis, onde, livremente, se pratique “strip-tease” como coisa normalíssima, e se aceite a comunhão entre a arte, o porno e o erótico.
Por quantas mais décadas vai perdurar esta cumplicidade bacoca e pacóvia? Isso não sei. Mas o que posso dizer é que, socialmente, todos temos responsabilidades. Ninguém pode lavar as mãos como Pilatos, atirando a culpa para os nossos pais.
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