quinta-feira, 11 de junho de 2009
BAIXA: O SOL DA MEIA-NOITE (1)
Aparentemente, sem causa, sem motivação, na terça-feira à hora do almoço, passei no Largo das Ameias e reparei num quadro de rara beleza. As pombas, símbolo da paz, andavam em magotes à volta, e quase em cima, do “Carlitos” que estava sentado num banco de pedra.
Para quem não conhecer, este rapaz, que na idade de 62 anos se fez homem sem nunca passar de criança, é um inadaptado na vida organizada, pelo menos como a concebemos. Psicologicamente tem uma leve deficiência, o que faz com que não aceite as regras impostas. Porém, saliente-se, não faz mal a ninguém. É uma figura típica de Coimbra, que, consciente ou não, todos aceitamos a sua bonomia e forma de viver como tal.
Perguntei-lhe então se lhe poderia tirar umas fotos. Em seguida, convidei-o para tomar uma bebida no Café Angola, ali mesmo ao lado. Enquanto tomava o café, perguntei-lhe se queria comer alguma coisa. Por ele respondeu o empregado: “não, ele não quer, ele almoçou há pouco”. Quem falava assim era o Bruno Morais, o anjo da guarda do “Carlitos”. Começámos a conversar, e às tantas, atira o Bruno com desalento: “coitado, amanhã, quarta-feira, começa a dormir na rua. Estava aí num pequeno armazém, em regime de favor, mas a dona vai ter de entregar aquilo, e o “Carlitos vai ficar na rua. Já andou aí uma técnica da Segurança Social, mas não conseguiu nada”.
Saí dali um pouco impressionado. Em seguida, escrevi um texto para o blogue e, ao mesmo tempo, enviei cópia para o Diário de Coimbra (DC).
Tenho de confessar que não esperava grande coisa. Com o DC, sei que posso contar sempre, sobretudo quando se trata de denunciar uma situação de emergência social. Fui para casa com a certeza de que tinha feito o mínimo.
Para minha grande surpresa, ontem recebi um e-mail que dizia isto: “Boa tarde. Se, ainda, não houve resposta ao pedido formulado, o Centro de Acolhimento João Paulo II –Sociedade São Vicente de Paulo- Paróquia de São José, está disposto a colaborar na resolução do problema do realojamento do “Carlitos”. Abaixo ficam os contactos. Teresa de Sousa.”
Hoje, de manhã, fui ter com o Bruno Morais para saber como estava a situação do desabrigado “Carlitos”. “Dormiu num banco, provavelmente onde está agora a dormir –o “Carlitos” estava a dormitar num banco de pedra em frente ao café.
Seguidamente, liguei para o número que foi enviado por e-mail. Atendeu-me o senhor Armando Garcia. Após ter-lhe explicado sumariamente a situação, diz este senhor: “vocês arranjem-lhe um quarto aí na Baixa, que não ultrapasse muito os 100 euros, que o centro João Paulo II paga. Se não conseguirem, vão à Pensão Santa Cruz, que nós, em colaboração com a Segurança Social, temos um protocolo com este estabelecimento, e ele pode lá ficar temporariamente até lhe arranjarmos um quarto.”
Apesar de corrermos várias casas particulares, não arranjámos um quarto vago para o “Carlitos”. Falámos também com o presidente da Casa dos Pobres de Coimbra, Aníbal Duarte Almeida, que apesar de não ter vaga, mostrou estar sensível ao problema e prometeu tomar conta da sua inscrição futura.
Eu e o Bruno, fomos então à Pensão Santa Cruz. O senhor Valter, o proprietário, tinha um quarto vago e o rapaz poderia ir ocupá-lo. Mesmo assim, disse o gerente da pensão: “vocês já ligaram para a linha de emergência da Segurança Social, o 144?”. Ligámos então a seguir e expusemos o caso. Mandaram-nos levar o rapaz à esquadra que a seguir uma equipa de emergência se encarregaria de alojar o sem-abrigo. Assim foi. Hoje, temporariamente, ficou instalado na Pensão Santa Cruz, pelo menos até se conseguir um quarto que se adapte às suas condições.
Durante o dia, voltei a falar com o senhor Armando Garcia, do Centro João Paulo II, e dei-lhe conta do desenvolvimento, sublinha este senhor: “vão vendo como correm as coisas. Esse homem, nem ninguém deve dormir na rua. Se for necessário, o centro intervém e ajuda em tudo o que for preciso”.
Não tenho palavras para classificar o Bruno Morais, Armando Garcia, o Valter, o Aníbal Almeida, Ana Pinto, da Linha 144, a PSP, que prontamente se disponibilizou para ajudar. Todos juntos são o sol da meia-noite, a luz que emerge na noite escura, destes desabrigados da sorte, na Baixa de Coimbra.
Estamos todos de parabéns. Por estas pessoas, nesta forma desinteressada de voluntariado, tudo leva a crer que a sociedade caminha no bom sentido. Um grande e sentido abraço a todos.
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2 comentários:
Fiquei muito feliz ao saber noticias do Carlitos. Enquanto trabalhei na Cristal fui sempre vendo se não lhe faltava o essencial (comida e roupa, tanto para o corpo como para a "cama"). O carlitos é muito querido e, pelo que ele me contou, esteve institucionalizado até aos 18 anos, portanto nunca teve uma familia no verdadeiro sentido da palavra. O Bruno sempre o ajudou, é uma pessoa 5 estrelas.
beijinhos e mais uma vez obrigada.
Muito obrigada eu, Ana. O Carlitos está a morar numa pensão, aqui na Baixa. A mensalidade é paga com o seu RSI. Abraço.
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