quinta-feira, 25 de junho de 2009

UM SONO (DES)CULPABILIZANTE






O sol pica, passa pouco mais das catorze e trinta,
acolá, num banco de pedra, no Largo das Ameias,
uma mulher, parecendo homem, talvez nem sinta,
anestesiada no etílico, que a envolve como teias,
talvez se engane, conte “estórias”, ou até minta,
quantas vezes se perguntou por que saiu da aldeia?;
Dormir, para ela é uma fuga, entrar no esquecimento,
olvidar o desprezo que provoca noutros insignificantes,
“ela é aquela”, “a outra”, sem identidade de nascimento,
é um animal, uma “coisa”, na boca de alguns tratantes,
olham, usam, sacodem, deitam-na fora como instrumento,
estranha forma de vida, de viver, sem alma, pensa o meliante;
Provavelmente, um dia destes, numa esquina, vai aparecer,
tal como hoje, encolhida, fixada, sem qualquer lamento,
jazerá inerte, ninguém saberá quem é, nem quererá saber,
será enterrada como indigente, animal, não tem documento,
finalmente descansará em paz, deste mundo, foi bom morrer,
acabou tudo, o arrastar na vida, a solidão, e todo o sofrimento;
Mas a foto, desta mulher sem nome, de alguém que abdica de viver,
perdurará para sempre, neste mundo virtual, sem dó, sem condição,
esta mulher sem o pedir, sem o querer, foi uma estrela a esmorecer,
não parece, mas ela sente, ela respira como gente, ela tem coração,
nós, filhos da modernidade, dizemos que isto não deveria acontecer,
num olhar fugaz, pensamos. “é a escória de nós… é a sua vocação!”

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