quinta-feira, 18 de abril de 2019

CRÓNICA DO MALHADOR (4)

(Imagem de Leonardo Braga Pinheiro)


DEPOIS DE 04H15 À ESPERA – PROGRAMADA NO REGIMENTO PARA AS 17H00, A SESSÃO PÚBLICA ABERTA AOS MUNÍCIPES COMEÇOU ÀS 21h15 - , COM ALGUMA DIFICULDADE EM FAZER OUVIR-ME POR PARTE DE MANUEL MACHADO, QUE POR VÁRIAS VEZES TENTOU INTERROMPER A DISSERTAÇÃO COM RUÍDO PROVOCADO NO MICROFONE-, LÁ CONSEGUI DESPEJAR O SACO. É PRECISO TER TRAQUEJO E UMA GRANDE DOSE DE LOUCURA PARA ENFRENTAR ESTE SENHOR DA PREPOTÊNCIA .


EX.MO SENHOR PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL, SENHORES VEREADORES, MEUS SENHORES E MINHAS SENHORAS:


Antes de entrar no assunto que me trouxe cá, vou fazer uma ressalva. Como sabe a última reunião do executivo foi adiada várias vezes. Para além da obrigação de ser alterado o calendário com a data das sessões na página online do município, é dever do Gabinete da Presidência comunicar a dilação aos munícipes inscritos para intervir. E, no meu caso, nada foi feito. Para ser respeitado é preciso respeitar. Fica o alerta.
E agora vou à questão principal: na última sessão deste executivo alertei para a triste realidade: a Baixa comercial está a morrer. Na réplica consequente, assobiando para o lado, o senhor presidente, sem responder ao concreto, refutou com demagogia.
Hoje, através dos depoimentos de vários comerciantes das Ruas Ferreira Borges e da Sofia que mais abaixo nomeio, estou na qualidade de procurador e penso estarem presentes nesta sala, trago a esta vereação casos concretos sobre o desempenho dos serviços administrativos desta Câmara Municipal. Nos últimos tempos, a fiscalização municipal, num processo alegadamente persecutório, tem transformado as suas vidas num inferno de insegurança. Vale a pena atentar nos seus lamentos:
Começo com o discurso directo de Rui dos Santos Luís, dono das centenárias Retrosarias Casa das Rendas, na Rua da Sofia, e Mateus, na Praça do Comércio. Diz ele: “Na Rua da Sofia, por estarem muito velhas, em 2005, portanto há 14 anos, substituí umas vitrinas pregadas na parede, com cerca de um metro quadrado, em ferro por pvc branco. Sempre paguei licença. Há algumas semanas recebi a visita de um fiscal camarário que, embora correctíssimo no trato, me intimou a retirar imediatamente os expositores, sob pena de levantamento de auto de contra-ordenação. Embora com a licença de 110 euros paga até ao próximo Novembro, recolhi-as há alguns dias.
Passo a palavra a Isabel Martins Pinto, com várias lojas de artesanato na Rua Ferreira Borges. Diz ela: “Com ameaça de processo mandaram retirar os expositores. Só permitem um expositor de um metro quadrado. É manifestamente pouco. Acho ridículo mandarem retirar os artigos expostos junto das portas de entrada. Sinto-me cansada! Estou a pensar em encerrar uma ou duas lojas. Às tantas, querem dar connosco em doidos! Parece mesmo perseguição ao pequeno comércio.
Vou enunciar as palavras de Ana Freitas, comerciante na Rua Ferreira Borges. Diz assim: “Obrigaram-me a retirar os vasos. Os fiscais disseram que eram ordens superiores. Mandaram recolher um expositor em ferro e vidro com as medidas regulamentares. Não deixam ter qualquer artigo pendurado na parede. Cada fiscal dá sua ordem. Querem acabar connosco!
Vou dar a vez a José Pintassilgo, da casa Focus, na Rua Ferreira Borges. Diz isto: “Desde há 35 anos que tive aqui uma montra estreita, aparafusada na parede, em niquelado branco. Tinha uns pendulares na parede que embelezavam a loja e chamavam a atenção. Mandaram recolher. Há dias recebi a visita de um fiscal que, imperativamente, ordenou: “retira tudo ou multo?”. Apesar de ter recolhido, tenho um processo de contra-ordenação a decorrer.
Já sou velho no comércio e nunca vi uma coisa destas! Isto é perseguição para acabar com os pequenos!
Vou passar a José Reis Rénio, da Papelaria Cristal, na Rua Ferreira Borges. Sublinha ele: “Já tive quatro expositores na rua com as medidas regulamentares. Actualmente tenho apenas um expositor na rua. É manifestamente pouco.
Em Agosto de 2017, pela falta de comunicação prévia, aplicaram-me uma coima de 1,022.21 euros. Pedi para para pagar em prestações e não me foi concedido. Para meu azar não consultei um advogado nem impugnei. Mais tarde vim a saber que, como se estivesse totalmente clandestino, incluíram também um toldo que estava e está legal há décadas e com licença paga.
No que toca ao licenciamento de cavaletes assistimos a um autêntico confisco. Passou-se de 10 para 145 euros por ano. Vai-se ao inacreditável de exigirem que se pague a mesma importância no espaço ocupado pelo cavalete de publicidade ao autocarro turístico Yellow Bus quando, sendo dos Serviços Municipalizados, é um serviço prestado à autarquia. Não há razoabilidade. Parece perseguição ao pequeno operador!”


Agora falo eu, Dr. Manuel Machado:
E principio pelo cumprimento da legalidade do Regulamento Municipal de Ocupação de Espaço Público e Publicidade imposto pela fiscalização camarária. Embora nem eu nem o senhor sejamos juristas, contudo, pela nossa longa experiência, para além de sabermos ler e interpretar, conseguimos perceber o que é justo e injusto. Começo por chamar a atenção desta câmara para o facto desta postura municipal, por um lado, restringir fortemente o funcionamento do pequeno estabelecimento comercial, por outro, de forma escandalosa, beneficiar a hotelaria. Como exemplo, basta compararmos a Subsecção II, nos Artigos 42, número 2, onde se prescreve que pode ser autorizada a instalação de explanadas afastadas da fachada do estabelecimento hoteleiro, e a Subsecção III, no Artigo 48º, no referente a expositores de apoio a estabelecimentos, onde as regras são muitíssimo mais apertadas.
Para piorar são sobrecarregadas por um controle despótico e enviesado onde não se tem em conta o princípio da proporcionalidade. Os espaços comerciais, num autoritarismo endémico, são tratados com régua e esquadro. Ou seja, é quesito de obrigatoriedade apenas um expositor para cada loja independentemente da área útil do estabelecimento. Para o mesmo peso económico entre retalho e hotelaria duas medidas diametralmente opostas. Isto é, salvo melhor opinião, o princípio da igualdade entre operadores apresenta-se gravemente ferido na sua legalidade.
Por outro lado, e aqui muita atenção, é preciso salientar que o presente regulamento não prescreve nem a quantidade de expositores na via pública nem proíbe a tomada de espaço junto da fachada de qualquer loja desde que seja realizada a comunicação prévia, Artigo 16º, ponto 1, alínea e).
Aliás, este Regulamento Municipal de Espaço Público e Publicidade manifesta uma grande preocupação com o Centro Histórico. De tal modo o cuidado é reforçado que até prevê um regime de excepção nas Regras Gerais, do Artigo 34º, ponto 3. Logo, as exigências de banir a apropriação junto às fachadas e a imposição de um único expositor são ilegítimas, inapropriadas, de lesa-cultura e estão a ser feitas à revelia da lei.
Mais ainda, senhor presidente e restante vereação, embora esteja estipulado na Subsecção III, no Artigo 48, ponto 2 madeira e ferro para os expositores de rua, pelos vistos, a definição é confusa para a fiscalidade e dá azo a variadas interpretações. Assim como também está bem definido neste artigo a ocupação de expositores para o ramo alimentar.
Por outras palavras, é minha convicção que a fiscalização camarária, sem estudar bem o código de posturas e sem ter em conta o interesse maior da cidade, está a provocar um desânimo geral, um antagonismo desnecessário entre administração e administrados, que não é viável nem saudável. Sobretudo num momento de uma brutal quebra de vendas. Mas, não se pense que os comerciantes têm por intenção denegrir ou desrespeitar a função de policiamento. Nada disso! Há abusos que é preciso pôr cobro. O que não se pode é, numa espécie de fanatismo radical, ir do oitenta para o zero. E aqui deixo-lhe um desafio, Dr. Manuel Machado, no âmbito da filosofia de governo local participado, de acordo com a oposição, mande constituir uma comissão independente, que, entre outros, inclua comerciantes, para, sabendo ouvir os interessados, se procurar o melhor para todos e atingir a paz social na Baixa.
Uma coisa sabemos: não podemos continuar a percorrer o caminho actual. São centenas de vidas que estão em jogo! Não podemos esquecer!
Por outro lado, que fique bem claro: trata-se de um assunto eminentemente político, que exige o envolvimento de todos, e não uma questão pessoal direccionada ao cidadão Manuel Machado.
Na parte que toca os vereadores com e sem pelouro, tenho a certeza que, tal como nós comerciantes, querem o melhor para a cidade e não é seu desejo ficar na história como os cangalheiros do comércio de rua.
Se é assim, estando todos do mesmo lado, mostrem o que valem!
Sabendo os senhores - os que se interessam pelo conhecimento do passado - que esta forma expositiva nas fachadas do edificado, é um típico postal ilustrado para quem nos visita, tem séculos de existência e faz parte da história comercial da cidade, e é ainda uma atracção pública nacional e internacional que, satirizando a formatação do igualitarismo, dá alma às artérias estreitas e largas, não seria mais lógico mandar disciplinar os excessos e incrementar o seu uso?
Num mundo em mudança, onde o tradicional funciona como um retrato fiel de outras épocas, o pitoresco é deliberadamente eliminado por governantes sem visão política para os tempos vindouros. Tal como se fez aqui em Coimbra com o desmantelamento da rede dos eléctricos na década de 1980, os senhores eleitos, de forma perversa e obstinada, não podem concorrer para a destruição dos costumes e a apagar a luz da memória de um povo.
Não foi para “Valorizar Coimbra” que o senhor, Dr. Machado, foi (re)eleito?

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