terça-feira, 20 de agosto de 2019

EDITORIAL: A BAIXA E O FINGIMENTO DOS PROSADORES

(Imagem de Leonardo Braga Pinheiro)






Ontem, em reportagem de duas páginas e sob o título “Há uma nova geração de “inquilinos” empenhada em mudar a Baixa para melhor”, o Diário de Coimbra, conforme nos vem habituando nos últimos anos, presenteava-nos com um trabalho profundamente optimista sobre o que se passa na actualidade na Baixa, pincelado a cores vivas, para agradar a todos. Há apenas um senão, quando o relato é descrito numa espécie de euforia, com a imaginação a suplantar a realidade, os conhecedores da situação real tomam a descrição como sendo de outro mundo. E foi o que me aconteceu. Primeiro, comecei por beliscar-me para ver se não estaria a sonhar e se este Centro Histórico seria o mesmo que eu conheço bem há muitas décadas. Vendo que estava acordado, li três vezes a reportagem. Era mesmo.
Pelas declarações dos depoentes, na maioria ligados a empreendimentos de hotelaria, depreende-se que a Baixa está a caminho de ser a nova Silicon Valley de Portugal. Num desenvolvimento como nunca se viu, parece uma cota toda apertadinha onde as formas firmes e apetecíveis fazem revirar os olhos aos adolescentes. Só que o problema é que tais generosos e abundantes contornos, como “verdades palacianas”, não passam de mentiras para enganar os tolos. Num dar exagerada importância a si mesmo, em exercício narcísico, até se entende já que o parecer é mais importante do que o ser mas, que diabo, nem que fosse pela solidariedade que atravessam os que têm mais dificuldades, a meu ver, fica mal esta prosápia. Bem sabemos que só pensa nos outros aquele que já sofreu as agruras da vida. Sobretudo os mais novos, que não fazem ideia do que passaram os pais para alcançarem uma posição económica desafogada, têm tendência em desvalorizar tudo o que está para trás e considerarem os “velhos” como resignados e fora do tempo presente.
A dificuldade começa, porventura, quando for preciso apresentar reivindicações na Câmara Municipal. Com este discurso inflamado de que a Baixa vive no melhor dos mundos como justificar novas medidas necessárias ao seu desenvolvimento?
Até porque basta pensar que, em três páginas mais à frente do mesmo jornal, foi noticiado um assalto rocambolesco ao proprietário de “A Brasileira”, Lúcio Borges, ocorrido no dia anterior, domingo pelas 07h00, em plena rua larga na Baixa, no coração turístico da urbe. Pelos vistos, sem um único agente da PSP por perto, o reconhecido empresário teve de pedir a um condutor particular para perseguir o assaltante. É normal acontecer uma coisa destas numa parte da cidade em que tudo corre sobre-rodas?

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