segunda-feira, 27 de maio de 2019

BAIXA: CRÓNICA DO MALHADOR (7)

(Imagem de Leonardo Braga Pinheiro)



Com (apenas) vinte e três minutos de atraso em relação ao horário regimental, que está plasmado para as 17h00 e hoje (pasme-se) começou às 17h23, levei a sessão de Câmara Municipal um assunto que considero estruturante para o futuro da Baixa e da cidade. Bem sei que esta minha posição, por parte do público em geral, será tudo menos unânime.
Como nota introdutória, salienta-se a falta de comparência de uma senhora munícipe inscrita para intervir no hemiciclo e que não apareceu. Alegadamente, a interveniente, inscrita há muito tempo, não esteve presente por desconhecer a data de realização da sessão e, ao que parece, por não ter sido avisada pelos serviços camarários. Continuamos à espera que, conforme prescreve a lei, o mapa das sessões, de Câmara e Assembleia, seja publicado na página institucional para segurança jurídica dos interessados. Como o nosso fado é tirar tudo a saca-rolhas deste executivo PS, vamos continuar a malhar e à espera.




Ex.mo Senhor Presidente da Câmara Municipal, senhores vereadores, meus senhores e senhoras.


Hoje, mais uma vez procurando sensibilizar este executivo para questões prementes para o desenvolvimento local, esquecidas ou deliberadamente arrumadas por serem fracturantes, venho falar da criação de uma Sala de Consumo Assistido, as denominadas Salas de Chuto, na Baixa. Como se sabe, estes locais, que no geral, de facto, ainda não passaram do papel, têm por fim retirar os dependentes de substâncias psico-activas das ruas e, sobre olhar médico e especializado, tornarem os seus actos vigiados. Para além de prevenir a introdução de germes patogénicos no consumo intravenoso, com doenças transmissíveis associadas, e a promoção da proximidade com os consumidores, visa-se, sobretudo, evitar a sua morte sem dignidade em cantos e recantos, como de coisas sem valor se tratasse.
Como é público, foi aprovado o Decreto-Lei n.º 183/2001, de 21 de Junho, no qual se incluiu a possibilidade de tal programa ser implementado pelas Câmaras Municipais ou entidades particulares que lutem contra a toxicodependência, cabendo a autorização para a sua instalação ao Instituto da Droga e da Toxicodependência.
Nestes quase vinte anos de vigência da lei, exceptuando Lisboa que, em ambulatório, vai fazendo experiências no terreno, assim como também é o caso do Porto, que, há dias, fez saber que neste 2019 será inaugurado na Invicta o seu primeiro arrojado projecto, o país, com a classe política a olhar para o lado contrário do que se passa efectivamente no mundo da adição, embrulhado num silêncio sepulcral, nem ousa falar de tal cisma.
Para não fugir à regra, Coimbra, emoldurada na sua habitual hipocrisia social, assobiando para as estrelas, faz-de-conta que a adversidade não tem lugar na cidade. Mas, mesmo tentando varrer o problema para baixo do tapete, o embaraço existe e não pode ser ignorado. Então, como em tudo na vida, há duas opções: ou continuamos a empurrar com a barriga ou, com a coragem dos políticos e envolvendo os munícipes, encaramos a perturbação de frente e tentamos dar solução.
Todos temos noção de que é difícil demonstrar ao cidadão comum, pouco esclarecido e menos receptivo a mudanças sociais que chocam, que o estender a mão, dando sem nada exigir em troca numa primeira fase, implica identificar, prevenir e enfrentar grandes tragédias em muitas casas portuguesas, neste presente e futuro próximo. Sim, porque o consumo de drogas, leves ou duras, sem controlo, é terrorismo que, sem escolha entre pobres e ricos, mata no silencio e transversalmente e destrói muitas famílias.
Na Baixa, apesar da toxicodependência ser preocupante, só não é de maiores consequências, sociais e económicas, graças ao admirável trabalho de muitos técnicos que desenvolvem a sua actividade em instituições junto ao Terreiro da Erva. Beneficiando deste momento para os agraciar, aproveito também para lançar o alerta de que no dia em que se transferirem estes serviços de apoio para outra zona o Centro Histórico fica entregue à sua sorte. Depois não se queixem.
Para justificar a criação de uma estrutura desta envergadura na Baixa, convido os senhores a visitarem ao entardecer e ao cair da noite as zonas da Loja do Cidadão e do Terreiro da Erva. Perceberão que, enquanto interessados que querem o melhor para Coimbra, não podem, nem devem adiar mais esta problemática.
Na qualidade de Presidente da República, quando a medida legislativa foi aprovada em 2001, Jorge Sampaio disse o seguinte: “Em tempos dominados pelo medo e pela regressão, é bom ouvir uma história de sucesso. Mas o que era inovador no passado tem que ser mantido sob controlo permanente. As políticas públicas precisam de se adaptar às novas tendências e enfrentar os desafios emergentes e de longo prazo. Nós não podemos descansar com os louros obtidos. Todos os países, todas as cidades, todas as comunidades podem fazer mais e melhor pela redução dos danos”.

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