terça-feira, 29 de novembro de 2011

A VIDA DE UM COMERCIANTE

(IMAGEM DE LEONARDO BRAGA PINHEIRO


Nasceu nos anos cinquenta,
numa casa pobrezinha,
a fome era cinzenta,
fartura só na vizinha;

As alpercatas não tinham sola,
os calções começaram calças,
quando se jogava à bola
a ambição estava descalça;

Não havia qualquer carinho,
por parte do progenitor,
era indicado um caminho,
ter que ser agricultor;

Nunca se faziam anos,
nunca havia aniversário,
faziam-se tantos planos
que ficavam no armário;

O Natal era condicional,
igual a outra data qualquer,
era sempre conjuntural,
como a beleza numa mulher;

Foi feita a escola a correr,
era tempo para labutar
não havia tempo a perder
o pai estava a ameaçar;

Em criança foi trabalhar
para a cidade encantada,
não pode sequer brincar
com a malta ajanotada;

Depressa se fez adulto,
num pulo estava a casar,
na experiência se fez culto,
em Deus na fé do acreditar;


Do trabalho fez uma ponte
Entre o passado e o futuro,
O comércio foi o horizonte
Que o fez caminhar no duro;

Aos filhos deu muito amor,
tudo mais que não tivera,
de todos fez um doutor,
o futuro estava em espera;

Mas o destino é cruel
e não admite projecção,
é um poema em papel
enviado a uma paixão;

Hoje o comerciante, velhote,
olha para trás a lamentar,
de quem teria sido o serrote
que lhe amputou o sonhar;

As noites são de angustiar,
voltas na cama sem dormir,
entre um virar e um revirar,
tentando o sono seduzir;

Que futuro?”, pensa o vendedor
enquanto fuma um cigarro,
“depois de tanto, sou perdedor,
(tosse), ai que me mata este catarro!”

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