Há décadas que o Eduardo, um invisual nosso conhecido,
tomou posse administrativa, por usucapião, da esquina que liga a Rua Eduardo
Coelho com o Largo da Freiria e frente para a Rua das Padeiras e ali,
diariamente e quando lhe apetece, exerce o seu metier. Sem respeito pelo título de propriedade, volta e meia, lá
vem ora cigano romeno, ora mulher-pedinte de perna aberta e o Eduardo, cego de
ver, ofuscado pela invasão e irritado com estes gajos que não respeitam nem colega
de profissão, sem poder recorrer às autoridades, lá tem de gramar o abuso e tentar reaver o seu quinhão esquinado tão
arduamente conquistado aos invasores bárbaros.
Hoje calhou-lhe na rifa um colega de
profissão, de pedincha, obviamente, e ainda por cima cego de ver as realidades
materiais a não ser pelo apalpar, o António, que ganhou parcela junto à igreja
de São Bartolomeu e adquiriu umas quotas próximo de Santa Cruz. Então foi uma
discussão que só não meteu pancada porque cego não vê e, por isso mesmo, se não
vê também não sente. Mas ressentiu-se da presença do António porque lhe estava
a estragar completamente o negócio. E o Eduardo até se irritou deveras e
exclamou: “meu filho da mãe! Estás farto
de me fazer isto! A tua sorte é que eu não tenho aqui nenhuma navalha… se
tivesse, cortava-te às postas!”- Foi então que o Luís, outro cego como eles
os dois e menos cego do que eu porque faço de conta que não vejo, agarrou o
Eduardo por um braço e o levou para longe daquela esquina, meia esquinada e que
um dia destes há-de dar molho grosso.
Sem comentários:
Enviar um comentário