terça-feira, 20 de agosto de 2019

BAIXA: CRÓNICA DO MALHADOR (13)

(Imagem de Leonardo Braga Pinheiro)





Ontem, depois de 02h13 à espera, o relógio marcava 19h13, na qualidade de citadino interessado em resolver problemas da sua cidade, realizei a minha intervenção na reunião do executivo da Câmara Municipal de Coimbra. Conforme disse ao presidente da edilidade, neste desbocado desrespeito pelos munícipes - no qual em projecção aleatória represento -, Manuel Machado, ao não cumprir o horário estabelecido no Regimento, que é às 17h00, continua a espezinhar os meus direitos de cidadão.
Perguntei também ao chefe do executivo se, contando histórias pessoais no decorrer da sessão durante mais de cinco minutos, o seu tempo oficial é mais importante do que o dos munícipes, que, chegando no horário prescrito para intervenção, nunca sabem quando vão sair do hemiciclo.
Quanto à oposição, lamento dizer, está cada vez mais “amestrada” e rendida ao charme do homem do leme. Mansa, lançando, aqui e ali, elogios ao trabalho do PS na Câmara, sem garra, deixa muito a desejar na protecção do melhor para a cidade. Pasme-se, a cadeira do vereador do PSD, Paulo Leitão, por se encontrar de férias, apresentou-se vazia. Os sociais-democratas não conseguiram contactar o substituto na lista? O que é isto?
Quanto à defesa dos munícipes, no seu intrínseco direito de intervir na sessão e no horário pré-estabelecido, como de costume, nem uma palavra. Fora das reuniões, em bloco e na comunicação institucional, toda a oposição passa a palavra de que está muito preocupada com a falta de democracia praticada. No decorrer das sessões, acompanhando o estender do tempo usado em dislates, histórias de encantar e prova de bolos, sabendo que há pessoas à espera para participar, vá-se lá saber o por quê, nem uma palavra a denunciar a arbitrariedade. Longe vai o tempo em que assisti a discussões em torno da falta de pluralismo naquele parlamento.
Quanto aos conimbricenses, olhando para a violação do direito de participação pública como cão em vinha vindimada, preferem continuar a lamentar-se nas redes sociais do que usar um instrumento importantíssimo como é a participação nas assembleias. Embora sem resultados passíveis para resolver os seus problemas, faz bem ao ego, é mais prático, não cria inimizades e não se perde tempo… Até ao dia em que a sua casa estiver a arder. Nessa altura, pagando com juros altíssimos, em consequência, vão lembrar-se ao que conduziu a sua passividade. Fica a pergunta: que cidadania estamos a (des)construir?
Mais uma vez, com um enorme agradecimento, para visionar, fica aqui o link para o vídeo do Fernando Moura, do jornal online Notícias de Coimbra.
Deixo então o teor da minha intervenção pública:



Ex.mo Senhor Presidente da Câmara Municipal de Coimbra, senhores vereadores:


Na última sessão de Câmara falei que a cidade, enquanto espaço de fruição pública, assenta em, pelo menos, cinco factores que lhe dão sustentabilidade e a transformam em atractivo para aglomerar pessoas: segurança, iluminação, jardins, lixo e o chão que pisamos. Em análise mais extensiva, debrucei-me sobre o chão que pisamos.
Hoje, na mesma linha, trago à colação um parecer sobre o lixo da cidade: o que directamente produzimos e somos responsáveis e o que é feito pelos nossos vizinhos e, pelo desrespeito e egoísmo da colectividade, somos obrigados a conviver diariamente.
Os detritos, enquanto elemento poluente inevitável numa sociedade de excedentes, obrigam à criação de regulamentos municipais. No mesmo objectivo, imperativamente, impõem ao emissor das regras sociais um serviço de recolha eficaz e, ao mesmo tempo, contra-ordenações sancionatórias, uma fiscalização actuante para obrigar os munícipes ao seu cumprimento. Entre o maniqueísmo do cumprir o dever ou apanhar pela medida grossa, se calhar, é necessário uma terceira escolha: optar por ideias simples de informação que levem à prevenção e premiar os cumpridores. Mas já vou.
Antes de mais convém esclarecer algumas premissas importantes. A primeira, começando pela Baixa -que é a zona que conheço melhor-, é preciso dizer que, salvo pequenas falhas pontuais, a recolha é feita com eficiência. A segunda, convém esclarecer que nos últimos 18 anos - como quem diz, a partir de 2001 – praticamente as coimas, que eram de 30 euros para pessoas singulares, nunca foram aplicados aos infractores. Curiosamente, em Novembro de 2016 entrou em vigor o actual Regulamento de Recolha e Transporte de Resíduos Urbanos e de Limpeza e Higiene Públicas do Município de Coimbra. No seu artigo 59.º, pasme-se, as contraordenações passaram a ser de 250 a 1500 euros para singulares e 1250 a 22.000 euros para pessoas colectivas (empresas). Logicamente que com estes valores absurdos e imorais, nem uma única terá sido executada, presume-se. Isto é, por demasiada ambição do legislador de um alegado estado-polícia em elevar a espada sobre os incumpridores e por falta de coragem em passar à prática o despautério, o resultado é o mais completo desrespeito pela cidade por parte do seu usufrutuário. Em qualquer parte da urbe e a qualquer hora do dia é normal vermos dejectos espalhados na via pública.
Em tese, entre várias interpretações, é como se o citadino só se interessasse pelo interior da sua casa. O que está fora de portas não lhe diz respeito. A cidade, na sua gestão ambiental, não lhe pertence. Poderemos presumir que, se nada se fizer para contrariar, estamos a contribuir para uma sociedade de sujeitos egocêntricos, sem espírito de partilha, e desenraizados do meio envolvente. E, saliento, não é por falta de sensibilização: há cerca de três anos, durante três meses na Baixa, andou um funcionário camarário de porta-em-porta a apelar ao bom-senso. De nada valeu! É preciso alterar este estado de coisas. Ou seja, tolerância zero para os prevaricadores e um prémio para os conscienciosos. Sem esquecer a sanção como último reduto para os porcalhões, é preciso atacar o problema com coragem e enveredar por uma política de informação nos momentos-chave. Por outro lado, deve optar-se por uma filosofia de gratificação aos cumpridores que conduza a um bairrismo saudável e, acima de tudo, ao desenvolvimento do orgulho de ser conimbricense. No primeiro caso, na divulgação de conhecimento que conduza a princípios de prevenção, é necessário estabelecer protocolos com a EDP e as Águas de Coimbra para, sempre que seja estabelecido um novo contrato de fornecimento, ser entregue ao novo contraente um aviso onde, entre outras informações úteis, conste o horário de recolha de entulho. No segundo, para elevar a auto-estima dos habitantes, com a designação de uma equipa ligada ao Serviço de Higiene, mensalmente deveria ser nomeada uma artéria, uma praça, um beco, um largo como o mais asseado e limpo do mês. Para além de uma faixa colocada expressamente no local e forte divulgação na imprensa diária, o prémio poderia ser, por exemplo, um desconto no tarifário da empresa municipal Águas de Coimbra para todos os moradores e comerciantes do espaço público contemplado.
Tenciona alterar o actual situacionismo?
Vale a pena pensar nisto?


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