terça-feira, 23 de julho de 2019

BAIXA: CRÓNICA DO MALHADOR (12)

(Imagem de Leonardo Braga Pinheiro)





Ontem, duas horas e quinze minutos depois da hora regulamentar, às 19h15 – o Regimento das sessões de Câmara Municipal prevê, no seu artigo 14º, “a ocorrer pelas 17h00” –, na qualidade de munícipe, realizei a minha intervenção na Câmara Municipal de Coimbra.
Em resposta à minha questão colocada, o presidente da autarquia, Manuel Machado, respondeu que a edilidade, em face da lei vigente, uma vez que se trata de uma iniciativa empresarial que cabe aos privados, não poderia dar provimento a uma escola profissional de calceteiros. Será assim? Não sei. Mas duvido que, havendo vontade, não seja possível. Tudo é possível, mas, para acontecer, é preciso haver mesmo vontade. Conforme sugeriu o vereador José Manuel Silva, do movimento Somos Coimbra, nem que fosse através do ITAP, Instituto Técnico e Artístico Profissional de Coimbra, um instituto profissional na qual a Câmara Municipal é fundadora e detentora de uma parte do capital social.
Um enorme agradecimento ao Fernando Moura, director, redactor, repórter de imagem do Notícias de Coimbra, por, mais uma vez, dando imagem às minhas palavras, contribuir para mudar o político situacionismo endémico, bafioso,  patológico e subversivo que grassa no executivo da Câmara Municipal de   Coimbra. Com a sua louvável ajuda, tenho a certeza, a razão vencerá e o presidente da Câmara Municipal, sem que seja considerada derrota, vai ter de recuar e começar a respeitar os cidadãos, em geral, sem vocativo e sem apêndice. É uma questão de tempo. Pela defesa da minha honra, estarei presente até à vitória final.
Pode visualizar aqui o trabalho do jornal online Notícias de Coimbra (clique em cima).
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Ex.mº Senhor Presidente da Câmara Municipal de Coimbra, senhores vereadores:


A cidade, enquanto espaço de fruição pública, assenta em, pelo menos, cinco factores que lhe dão sustentabilidade e a transformam em atractivo para aglomerar pessoas: segurança, iluminação, jardins, lixo e o chão que pisamos. Com a mesma sintomatologia, as premissas que enunciei, sem excepção, desenvolvem fenómenos inconscientes que vão influenciar as nossas decisões diárias para transitar ou, pelo contrário, preterir uma artéria e condená-la à proscrição, ao abandono e ostracismo para sempre. Embora pareça um assunto de somenos, é um tema importantíssimo para tornar a polis mais agradável e equitativa na prestação social aos cidadãos. É por esta falta de atenção da Administração que as ruas, tantas vezes carregadas com narrativas humanas, história de tradição comercial e séculos de universalidade, apagam-se e, como sarcófagos vazios, morrem aos nossos olhos.
Se quanto aos primeiros quatro vectores deixarei para uma próxima intervenção neste hemiciclo, hoje focarei apenas o último, o chão que pisamos na Baixa. Estou em crer que, embora estejamos sujeitos a critérios psicológicos de escolha que não controlamos, na maioria das vezes, não se dá muita atenção onde colocamos os pés. A mobilidade para todos, incluindo idosos, mulheres com carrinhos de bebé, crianças, deficientes motores e invisuais, é um direito absoluto que contribui para a igualdade e a paz social.
Recorrendo ao passado para justificar o presente, ao longo dos últimos quinhentos anos, -*com abertura de novos arruamentos, predominou o calhau rolado no chão da Baixa. Sem grande certeza, nos últimos três séculos o paralelepípedo em rocha foi substituindo o asfalto romano nas vias do Centro Histórico, Alta, cidade muralhada, e Baixa, considerada arrabalde para gente assalariada e criadora de artes e ofícios. Segundo poucos estudos disponíveis sobre este pavimento asfáltico, sabe-se que, apesar de não ser o melhor na aderência de pneus, qualquer outro similar tem um ciclo de vida na ordem da milionésima parte de durabilidade do paralelepípedo.
No virar do milénio, cumpria o Dr. Manuel Machado o seu último mandato como presidente camarário, em 1998, ao abrigo do PROCOM, Programa de Apoio à Modernização do Comércio, exceptuando pequenas áreas como a Praça do Comércio e Rua da Sota, a pavimentação das vias estreitas e largas da Baixa foi alterada para calçada portuguesa e intervalada com lajeado em pedra. Começou aqui o Inferno para a locomobilidade cidadã e o abrir do poço sem fundo para os gastos nos cofres camarários. Sem a assistência necessária e imperativa proporcionada diariamente por calceteiros especializados, sem o mínimo respeito por quem pisa e aprecia a arte ancestral de atapetar os caminhos, hoje o chão da Baixa é um enorme tapete de pedrinhas com declives, buracos e crateras, aqui e ali remendados com cimento, lajes partidas e uma tremenda falta de planeamento urbano que desencadeia a indignação. Sem pretender arvorar-me em especialista na matéria, dá para ver que este piso não é o indicado para ser pisado por trânsito rodoviário. Então, sendo assim, há duas hipóteses: ou se harmoniza o existente com uma assistência cuidada ou, preferindo a inércia, se substitui de vez o empedrado. Claro que se se optar pelo restauro cuidado e atempado, para isso acontecer, é preciso disponibilizar meios humanos e conhecimento técnico. Acontece que nos últimos vinte anos, quer os anteriores, quer o actual, jamais um executivo se preocupou em criar uma escola de calceteiros e canteiros de pedra.

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