terça-feira, 25 de junho de 2019

CMC: CRÓNICA DO MALHADOR (9)

(Imagem de Leonardo Braga Pinheiro)



Ontem, 3h15 depois do horário regulamentar – a hora prevista é às 17h00 -, e depois de ter sido vetado pelos serviços na sessão anterior com o argumento de que não tinha preenchido o requerimento correctamente, fiz a minha intervenção pública na Câmara Municipal de Coimbra com o mesmo texto que deveria ter sido apresentado há cerca de três semanas. Um facto digno de registo, ou talvez não: o presidente, tendo recebido uma chamada telefónica um pouco antes, ausentou-se da sala. Foi o vice-presidente Carlos Cidade que, em substituição de Machado, ouviu a explanação. E, seja digno de nota, sem levantar problemas de maior, esteve muito bem.
De salientar, repetindo o mesmo procedimento que tem sido feito comigo, que ontem mais um cidadão devidamente inscrito para intervir – segundo alegou – ficou a falar sozinho.
É o hemiciclo prepotente e ditatorial que Coimbra merece? Se calhar…




Ex.mo Senhor Presidente da Câmara Municipal de Coimbra, Senhores Vereadores, meus senhores e senhoras:

Começo com uma ressalva, depois de devidamente inscrito para intervir na última reunião da Câmara, vi vetada a minha participação. E qual foi o argumento que, desta vez, serviu de base ao impedimento, perguntarão? Não escrevi no impresso a frase “solicitar esclarecimentos”. Perante resultados tão brilhantes a obstaculizar sistematicamente a minha participação pública, por um lado, sinto-me lisonjeado pela importância que me atribuem, por outro, sinto-me na obrigação de elogiar o pessoal do Gabinete de Apoio à Presidência. São mesmo muito bons a construir muros! De tal modo que questiono: será que não deveriam estar noutra profissão? Nestes quatro meses de participação política, a favor da polis, inscrevi-me nove vezes e consegui marcar presença em 6 sessões. Bom resultado para os burocratas! Mas, tenho a certeza, ainda farão melhor se apertarem mais a malha!
E agora vou ao texto que deveria ter lido na última sessão: Contrariamente ao que se crê e reivindica, Coimbra nunca foi um grande polo industrial. É certo que, ao longo dos últimos três séculos, algumas fábricas marcaram forte presença na olaria, nos têxteis, na porcelana, na azulejaria mas, historicamente, o comércio de rua foi o tronco e a pequeníssima indústria associada foram os ramos que fizeram respirar a cidade. Os comerciantes, mesmo tendo agregado um legítimo interesse egoísta, através da sua visão arrojada, arriscando o seu magro pecúlio e contraindo empréstimos, sacrificando a sua vida e a da família, elevando a esperança e o sonho da concretização, foram sempre o motor do desenvolvimento da cidade. A história destes humildes lavradores de noites mal dormidas e semeadores nas agruras dos tempos, que fugindo da pobreza dos lugarejos em redor, começando como marçanos e subindo a corda a pulso, ainda não foi devidamente reconhecida nem contada.
Basta atentarmos na toponímia corporativa de certos largos e artérias da Baixa, Praça do Comércio, Largo das Olarias, Ruas da Louça, dos Esteireiros, das Padeiras, para percebermos o quanto a pequena produção artesanal aliada à venda foi importante e esteve sempre presente na economia local.
Sobre os auspícios do raio de luz intelectual da Universidade, com muitos ministros,´secretários-de-estado e até um presidente do conselho que ali foram docentes, após a implantação da República, em 1910, a Lusa Atenas, ao longo de todo o século XX, sobretudo por ser um epicentro comercial a céu aberto de confluência, foi o centro do centro de Portugal e afirmou-se como terceira cidade do país. Sem o esforço, dedicação e entrega destes mercadores, alguns ainda vivos e outros que já pereceram, não teria sido possível este engrandecimento regional.
Socorrendo-nos novamente da toponímia, até à introdução da democracia, em Abril de 1974, um comerciante, pequeno, médio ou abastado, era o modelo de cidadão, reverenciado, símbolo da palavra honrada, sinónimo de comendas e respeitabilidade pública. Após o troar dos canhões da revolução, lavando a classe com sabão clarim, trocando o nome pomposo para “empresário”, foram sendo desvalorizados completamente no reconhecimento de integridade. Confundindo a árvore com a floresta, vinculando-os aos grandes grupos económicos que era preciso abater pelo anátema, praticamente, os negociantes foram remetidos para as calendas do esquecimento, como se fossem apêndices instrumentais do Estado Novo e tivessem de liquidar uma impagável dívida à sociedade.
Por incrível que pareça, na Baixa, entre os 79 e os 95 anos, temos hoje 11 comerciantes ainda a marcarem presença e a labutarem nos seus estabelecimentos. Sem esquecer outros tantos ainda de boa saúde mas afastados das lides comerciais. Por questões óbvias não divulgarei aqui as suas identidades.
Nesta minha intervenção política, trago uma proposta e uma solicitação de esclarecimento. Como proposta, na minha qualidade de munícipe, sugiro que esta Câmara Municipal, rectificando uma lacuna de muitas décadas, assumindo um critério de escolha, deveria agraciar este lote especial de profissionais com a medalha de prata da cidade no próximo 04 de Julho, Dia da Cidade.
É politicamente correcto? É sim senhor! Mas, para o caso, pouco importa. Se for levada em conta esta minha intervenção cidadã, o que interessa como valor maior é que o município, através desta aclamação pública, está a reconhecer que tendo sido ingrato para uma classe de obreiros que ajudaram a construir a cidade, apesar de tardiamente, está agora a emendar a mão.
Como esclarecimento, solicito a seguinte informação: qual a razão que sustenta que, em 45 anos de liberdade, apenas um comerciante tenha sido agraciado com a medalha de prata da cidade? Nomeadamente, José da Costa, votado por unanimidade em Assembleia Municipal em 28/6/1993 e medalhado no Dia da Cidade, em 04 de Julho de 1993

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