(Imagem de Leonardo Braga Pinheiro)
Ontem,
3h15 depois do horário regulamentar – a hora prevista é às 17h00
-, e depois de ter sido vetado pelos serviços na sessão anterior
com o argumento de que não tinha preenchido o requerimento
correctamente, fiz a minha intervenção pública na Câmara
Municipal de Coimbra com o mesmo texto que deveria ter sido
apresentado há cerca de três semanas. Um facto digno de registo, ou talvez não: o presidente, tendo recebido uma chamada telefónica um pouco antes, ausentou-se da sala. Foi o vice-presidente Carlos Cidade que, em substituição de Machado, ouviu a explanação. E, seja digno de nota, sem levantar problemas de maior, esteve muito bem.
De
salientar, repetindo o mesmo procedimento que tem sido feito comigo,
que ontem mais um cidadão devidamente inscrito para intervir –
segundo alegou – ficou a falar sozinho.
É
o hemiciclo prepotente e ditatorial que Coimbra merece? Se calhar…
Ex.mo
Senhor Presidente da Câmara Municipal de Coimbra, Senhores
Vereadores, meus senhores e senhoras:
Começo
com uma ressalva, depois de devidamente inscrito para intervir na
última reunião da Câmara, vi vetada a minha participação. E qual
foi o argumento que, desta vez, serviu de base ao impedimento,
perguntarão? Não escrevi no impresso a frase “solicitar
esclarecimentos”. Perante resultados tão brilhantes a
obstaculizar sistematicamente a minha participação pública, por um
lado, sinto-me lisonjeado pela importância que me atribuem, por
outro, sinto-me na obrigação de elogiar o pessoal do Gabinete de
Apoio à Presidência. São mesmo muito bons a construir muros! De
tal modo que questiono: será que não deveriam estar noutra
profissão? Nestes quatro meses de participação política, a favor
da polis, inscrevi-me nove vezes e consegui marcar presença em 6
sessões. Bom resultado para os burocratas! Mas, tenho a certeza,
ainda farão melhor se apertarem mais a malha!
E
agora vou ao texto que deveria ter lido na última sessão:
Contrariamente
ao que se crê e reivindica, Coimbra nunca foi um grande polo
industrial. É certo que, ao longo dos últimos três séculos,
algumas fábricas marcaram forte presença na olaria, nos têxteis,
na porcelana, na azulejaria mas, historicamente, o comércio de rua
foi o tronco e a pequeníssima indústria associada foram os ramos
que fizeram respirar a cidade. Os comerciantes, mesmo tendo agregado
um legítimo interesse egoísta, através da sua visão arrojada,
arriscando o seu magro pecúlio e contraindo empréstimos,
sacrificando a sua vida e a da família, elevando a esperança e o
sonho da concretização, foram sempre o motor do desenvolvimento da
cidade. A história destes humildes lavradores de noites mal
dormidas e semeadores nas agruras dos tempos, que fugindo da pobreza
dos lugarejos em redor, começando como marçanos e subindo a corda a
pulso, ainda não foi devidamente reconhecida nem contada.
Basta
atentarmos na toponímia corporativa de certos largos e artérias da
Baixa, Praça do Comércio, Largo das Olarias, Ruas da Louça, dos
Esteireiros, das Padeiras, para percebermos o quanto a pequena
produção artesanal aliada à venda foi importante e esteve sempre
presente na economia local.
Sobre
os auspícios do
raio de luz
intelectual da Universidade, com muitos
ministros,´secretários-de-estado
e até um presidente
do conselho
que ali foram docentes, após a implantação da República, em 1910,
a Lusa Atenas, ao longo de todo o século XX, sobretudo por ser um
epicentro
comercial a céu aberto de
confluência,
foi o centro do centro de Portugal e afirmou-se como terceira cidade
do
país.
Sem
o esforço, dedicação e entrega destes
mercadores, alguns ainda vivos e outros que já pereceram, não teria
sido possível este engrandecimento regional.
Socorrendo-nos
novamente da toponímia,
até à introdução da democracia, em Abril de 1974, um comerciante,
pequeno,
médio
ou abastado,
era o
modelo
de cidadão, reverenciado,
símbolo da palavra honrada, sinónimo
de comendas e respeitabilidade pública.
Após o troar dos canhões da revolução, lavando
a classe com sabão clarim, trocando
o nome pomposo para “empresário”,
foram
sendo desvalorizados
completamente
no
reconhecimento de integridade. Confundindo
a árvore com a floresta, vinculando-os aos grandes grupos económicos
que era preciso abater pelo
anátema,
praticamente, os negociantes foram remetidos para as calendas do
esquecimento, como
se fossem apêndices instrumentais
do Estado Novo e
tivessem de liquidar
uma impagável
dívida
à sociedade.
Por
incrível que pareça, na Baixa, entre os 79 e os 95 anos, temos hoje
11 comerciantes ainda a marcarem
presença e a labutarem
nos seus estabelecimentos. Sem
esquecer outros tantos ainda de boa saúde mas afastados das lides
comerciais. Por
questões óbvias não divulgarei aqui as suas identidades.
Nesta
minha intervenção política, trago uma proposta e uma
solicitação de esclarecimento. Como proposta, na minha
qualidade de munícipe, sugiro que esta Câmara Municipal,
rectificando uma lacuna de muitas décadas, assumindo um critério de
escolha, deveria agraciar este lote especial de profissionais com a
medalha de prata da cidade no próximo 04 de Julho, Dia da Cidade.
É
politicamente correcto? É sim senhor! Mas, para o caso, pouco
importa. Se
for levada em conta esta minha intervenção cidadã,
o
que interessa como
valor maior
é que o município, através
desta aclamação pública,
está a reconhecer
que tendo
sido
ingrato para uma classe de obreiros que ajudaram a construir a
cidade, apesar
de tardiamente,
está
agora a
emendar a mão.
Como
esclarecimento, solicito a seguinte informação: qual a razão que
sustenta
que,
em
45 anos de liberdade, apenas
um comerciante tenha
sido agraciado com a medalha de prata da
cidade?
Nomeadamente, José da Costa, votado
por unanimidade em Assembleia Municipal em 28/6/1993 e medalhado no
Dia da Cidade, em 04 de Julho de 1993
TEXTOS RELACIONADOS
TEXTOS RELACIONADOS
Sem comentários:
Enviar um comentário