(Imagem da Web)
Para
reflexão de um calmo Sábado à tarde, podemos começar por
interrogar: o que leva uma(s) rua(s) da cidade a morrer?
Contrariando,
para tornar o pensamento sustentável, apresentando as variáveis que
lhe dão vida, sem certeza na hierarquia, poderemos adiantar que a
primeira será o meio de ligação mais curto. Ou
seja, a distância entre uma saída, a montante, e uma entrada, a
jusante, que leva menos tempo a percorrer. Por conseguinte, a
lonjura entre as duas cambiantes, como economia de tempo, é pensado
antecipadamente como um plano de viagem a pé de modo a ser o mais
rápido possível.
Outra
variável que dará movimento a uma artéria -ou a condenará a morte
certa- será, por exemplo, a troca de uma rotina
diária. Por exemplo, entre outros, mudar uma paragem de transportes
colectivos. Para outro local.
Outra
ainda, será o desaparecimento da génese corporativa.
Exemplificando, uma via que historicamente e na sua identificação
sempre foi encarada num determinado ramo de comércio perder a alma
que lhe deu espírito durante mais de um século Coimbra, no centro
histórico, tem muitas muitas ruelas que ligavam às corporações de
artífices: Rua da Louça, Rua das Padeiras, Largo das Olarias, Rua
dos Esteireiros, etc.
Outra
mais ainda, será a deslocalização/desertificação,
esta
a concorrer para
agudizar as três enunciadas.
Isto é, à medida que a urbe alarga pela criação de novas
centralidades e o coração da cidade vai ficando mais vazio o fluxo
de transeuntes diminui. Aqui, naturalmente, está incluída a perda
de empregos quer no comércio, quer na indústria, quer na função
pública, esta, com a deslocalização de direcções gerais para
outras cidades -ocorreu sobretudo no magistério do governo de José
Sócrates-, assim como serviços transferidos para outras áreas da
cidade. Como é óbvio, também a falta de políticas de
rejuvenescimento habitacional das últimas décadas, que conduziram a
um esvaziamento de moradores.
II
Lembrei-me
de escrever sobre este assunto porque, como uma calamidade
atmosférica que se bate sobe uma determinada região e, aos poucos,
a torna desértica, na Baixa, sem que aparentemente haja alguém que
se preocupe com este facto, paulatinamente, estamos a constatar este
fenómeno em algumas artérias que, em outros tempos, foram grandes
vias habitacionais e comerciais e hoje, perante os nossos olhos e sem
que nada se faça para o impedir, estão em coma profundo.
Iniciemos
pelas mais notórias, onde a falta de transeuntes, pede uma profunda
intervenção de revitalização social:
Rua
Adelino Veiga
-este homenageado
em placa toponímica na antiga Rua das Solas foi um grande poeta
operário e, para além disso, grande benemérito e filantropo na
cidade. Nasceu a 18 de Novembro de 1848, na Rua das Solas e faleceu a
8 de Março de 1887, no Largo do Romal. Esta
via, numa extensão de cerca de pouco mais de de uma centena de
metros, liga o Largo das Ameias à Praça do Comércio, se durante o
século XIX albergava vários ofícios, já em meados da centúria
seguinte foi conhecida pelos muitos bazares de brinquedos. Por altura
de 1980, já em profunda mudança, com estas populares casas a
encerrarem umas atrás de outras, detinha muitas casas de
pronto-a-vestir. Na década de 1990, foram feitas duas mudanças que
contribuíram para a total transformação da rua
do poeta morto:
até aí, a saída de passageiros da Estação Nova era unicamente
feita pela porta principal. No escoamento dos comboios, para aceder a
outras partes da cidade, a via mais próxima era a Rua Adelino Veiga.
Sempre que chegava um trem aquela via enchia com centenas de pessoas
a cruzarem-se. Sem se saber a razão, mais que certo para facilitar a
desconcentração de passageiros, eis então que foi aberto um portão
lateral que dá para a Rua António Granjo e que fica em linha recta
com a Rua das Padeiras. Ao mesmo tempo, foi também mudada uma
paragem dos autocarros dos SMTUC. Saiu do Largo das Ameias para a Rua
António Granjo. Resultado destas alterações: a Rua Adelino Veiga
começou a ficar deserta de passantes. Em consequência,
paulatinamente, foram encerrando as grandes casas de comércio,
Fetal, Saul Morgado, Modas Veiga, Eldorado. Hoje é uma artéria em
morte clínica. Com quase uma vintena de estabelecimentos encerrados.
Rua
do Corvo
-conhecida assim por a meio ter um corvo preto por cima de um antigo
estabelecimento de mercearia. Esta artéria, que liga a Praça 8 de
Maio até ao Largo da Maracha, durante o último século, sobretudo a
partir de meados, foi conhecida pela rua dos tecidos a metro -as
lojas, numa identidade muito própria, penduravam os tecidos de
várias cores por cima das portas. Hoje, apenas com duas que ainda
praticam este género de negócio e com amostras penduradas, com
alguns encerramentos, é uma rua solitária que busca uma nova
identidade.
Rua
Eduardo Coelho
– conhecida ainda hoje por rua dos sapateiros, por albergar muitos
artífices da arte de coser e cortar cabedal para os pés ao longo
dos séculos XIX e XX. No início de XX passou a chamar-se Eduardo
Coelho em homenagem ao fundador do Diário de Notícias, que nasceu
nesta ruela.
Por
volta de 1970, o artífice manual já tinha dado lugar à venda de
artigos prontos para os pés. Embora existissem também duas
ourivesarias, era composta essencialmente por estabelecimentos com
venda de sapatos. Há cerca de uma década detinha em funcionamento
13 sapatarias. Hoje, em memória do passado, restam apenas quatro em
funcionamento. Ao longo das suas cerca de oito dezenas de metros,
neste momento tem 8 lojas encerradas
Valerá
a pena pensar nisto? Estas linhas servirão para alguma coisa?
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