(Imagem da Web)
Sempre me fez muita espécie a
razão de, mesmo sem motivo aparente, ficar angustiado entre Novembro e Março.
Costumo dizer em jeito de brincadeira que, se pudesse, sairia de Portugal no
começo do Outono e só regressaria na Primavera. Até já tenho os países
escolhidos e tudo. Se optasse pela Europa, inevitavelmente, tomaria por destino
Espanha –mais exactamente Benidorm. Se optasse pela América, escolheria o
Brasil –como não conheço, sei lá, talvez o Rio de Janeiro. Uma coisa sei, a
terra que eu escolher tem de ter mar. Então o período que se aproxima do 25 de
Dezembro é, para mim, profundamente depressivo. Sempre pensei que esta forma de
sentir fosse muito minha. Detesto o frio –qualquer corrente de ar coloca-me a espirrar
sem destino; detesto a noite, pelas sombras que provocam a solidão; detesto a chuva
–mesmo a bater na vidraça, que é um quadro tão recorrente e poético. Sou uma
pessoa polarizada no calor. Aguento altas temperaturas. Preciso de muita luz
para sobreviver. Os raios solares são para mim o carregamento necessário da
minha bateria existencial.
Tenho reparado que não sou o
único a sofrer a apoquentação do Natal. Conheço muitas pessoas que sentem o
mesmo que eu, ou pior. Há algumas que não podem sequer ouvir a música ambiente
das ruas que, nesta altura, é tão característica desta quadra.
O que concorre para ser assim? Fui socorrer-me de um trabalho de
Célia Pinheiro, sobre psicanálise, e que encontrei por aqui, na Internet, por
acaso. Diz ela que “Sinto
que há uma tristeza que desperta nas pessoas nesse tempo natalino. Afinal esse
é um tempo onde alguns ideais – impossíveis de alcançar, diga-se – são
preconizados e de certa forma exigidos. É um tempo onde se vende a idéia da família
perfeita, aquela livre de questões, de intrigas, de diferenças, de rancores,
etc, etc, etc. O pior é acreditar que esse ideal se fez realizar no vizinho ou
naquela família mostrada nos comerciais que vendem seus produtos natalinos.
Daí, há uma diferença muito grande entre o ideal e o real. Essa diferença é
angustiante quando se deixa levar pela crença que no outro há essa paz possível
de ser alcançada.
A comparação logo ganha seu lugar e aí, é claro, o
sujeito vê-se na posição daquele que não conseguiu. Logo, considera-se o
infeliz diante daquele que é feliz, o azarado diante daquele que tem sorte, o
pobre diante daquele que tem mais posses. Tudo ilusão! Cada sujeito tem suas
questões e um modo muito particular de se posicionar diante delas. O que vemos
muitas vezes é um triste encaminhamento da subjetividade humana reduzidas nas
armadilhas do TER. E é claro que um reflexo disso vai também no mostrar o TER.
TER PARA SER. Ser o que afinal?
(…) O final de ano traz consigo a marca de coisas que se acabam. De um tempo
que se vai, de uma passagem que aumenta mais um ano na contagem do tempo. É um
significante forte por lembrar que coisas acabam e, opa! também estamos
incluídos nessa temporalidade. De um lado um ideal que não se pode alcançar, de
outro um tempo que se marca trazendo a idéia de finitude. Será por isso que nos
presenteamos nessa época e fazemos tanta festa? Para aliviar o peso que essas
questões vem nos trazer? Bom, e onde é que tudo isso se relaciona com a
sexualidade? Em tudo. Vamos ver.
É também pela marca da reprodução que é sexuada que
a temporalidade se faz marcar para o sujeito humano pois as gerações sucessivas
registam o caminhar do tempo. Nota-se um final de ciclo se marcando ai. Quando
se nasce, passa-se a ser um ser para a morte. Afinal começamos a morrer ao nascermos.
Natal, a palavra refere nascimento. Temos aqui envolvidos três termos:
sexualidade, nascimento e morte. Ninguém passa impune e sem trazer
consequências destes três conceitos ao longo da vida. Longe de ser esse texto
uma posição desesperadora frente à vida, ele tem mais como pretensão podermos
questionar nosso destino errante e aí sim podermos usufruir de parcelas
possíveis de uma felicidade. Felicidade esta não calcada nos engodos modernos.”
Penso que está muito bom este trabalho
acima referenciado. Na análise, quanto a mim não como especialista da matéria
nem coisa que o valha, apenas peca por conceituar o sofredor angustiado somente num sentido único, de baixo para cima.
Isto é, este trabalho dá como certo que “o sujeito vê-se na posição daquele que não
conseguiu. Logo, considera-se o infeliz diante daquele que é feliz, o azarado
diante daquele que tem sorte, o pobre diante daquele que tem mais posses”. Penso
que o sentimento depressivo opera nos dois sentidos. Ou seja, contrariamente ao
aflorado no estudo, se o indivíduo provir de reminiscências humildes e tiver
atingido um estatuto financeiro fora do comum, com família funcional e tudo o
que possa concorrer para a sua felicidade, pode sentir a mesma aflição. O que
quer dizer que o padecimento não será apenas de fora para dentro –pela forma de
ver o outro bem e não estar igual-, mas também de dentro para fora. Neste caso é como
se o tempo passado de miséria ficasse para sempre gravado a fogo no
consciente/inconsciente e, pela sua memória marcante, nesta altura de
envolvimento humanitário, saltasse sempre ao de cimo.
Para terminar, e para quem sofrer desta
agonia, uma palavra de muita força: faltam apenas três meses para chegar a Primavera.
TEXTO RELACIONADO
"Mulher..."
TEXTO RELACIONADO
"Mulher..."
2 comentários:
Desejo-lhe um feliz natal. Votos de um ano novo com paz e saude!
Muito obrigada pela sensibilidade. Agradeço e retribuo. Feliz Natal.
Enviar um comentário