(Foto do Jornal de Notícias)
A notícia caiu ontem, terça-feira, em tudo o que era
título de informação: “GNR apreendeu nove leões do circo Victor Hugo Cardinali”.
Ao que parece, e estava escrito assim, por os bichos não terem registo ao
abrigo da convenção sobre comércio internacional de animais selvagens. Para
além de não poderem ser usados em futuros espectáculos da companhia circense, a
multa mínima é de 38,500 euros.
Começo com uma ressalva. No meu quintal, tenho
um cão que está preso, ao longo de uma extensão em ferro –não sou dono dele,
porque os animais são filhos da natureza, sou apenas seu protector-, e que
alimento todos os dias. Para além disso, diariamente, dou comer a uma série de
gatos vadios, cujo gesto não é relevado pelos felinos já que nem uma festa no
lombo lhes posso fazer porque não se deixam apanhar.
Gosto de animais, de todos sem excepção
–penso que quem não gosta deles será incompleto, de coração frio, não é tocado
pela sensibilidade de dar amor ao próximo. Sou incapaz de tirar a vida qualquer
ser rastejante pelo prazer sádico de matar. Porém, não sou obsessivo com a sua
defesa. Há limites. Antes deles estou eu, a minha família, os meus vizinhos e
outra qualquer pessoa mesmo que não conheça de lado nenhum. Numa equidade
necessária, tentando respeitar a vida de todas as espécies, para mim o humano
está sempre primeiro, é o primus inter
pares, considerando que a existência das cavalgaduras merece o mesmo
respeito. Não gosto de mostras bárbaras como, por exemplo, touradas ou luta de
galos, onde a crueldade no sofrimento desnecessário impera e o pior que os humanos
têm dentro de si ressalta. Mas, no caso das touradas, verifico que nos últimos
anos as posições de quem as defende e quem as renega radicalizaram-se a
defenderem o impossível. Isto é, a meu ver, as touradas poderiam perfeitamente
continuar a existir sem a dor exposta dos touros, sem a colocação de
bandarilhas e ferros no corpo da besta. Porque não poderia ser apenas uma luta
entre homem e cornúpeto, como a pega de caras? Numa barbaridade sem limites, por
que razão, fazendo jorrar o sangue de quem não se pode defender, se há-de espetar
o animal numa completa atrocidade? E no extremo o que pode justificar matar o
gado na arena apenas pelo divertimento de anormais que se afirmam normais, como
se voltássemos ao tempo dos romanos? O problema é que os anti e os prós, tendo
em conta o superior interesse dos animais, não estão dispostos a abdicarem de
nada. Uns e outros, os que estão a favor e os que estão contra, querem ganhar
em toda a linha. Querem tudo sem condescenderem em nada. De um lado, querem a
morte exposta, de outro, defendem a extinção pura e simples do costume
ancestral. E aqui reside o problema. Quando há posições extremadas ninguém se
entende e perdem todos. Para piorar as condições das próprias vítimas, uns e
outros, acabam por influenciar os governos que, verdadeiramente sem estarem
interessados na fauna selvagem mas antes em ganhar simpatias, legislam ao sabor
de lobbies de pressão, numa hipocrisia completa, tentando agradar a uns e outros
sem conseguirem contentar nenhuma das partes.
Neste caso do circo, é meu entendimento que
estamos perante mais uma estupidez assente numa completa dissimulação, onde o
que parece ressaltar é a defesa dos leões mas o que emerge é uma caça à multa e
o mostrar serviço a uma comunidade nacional, que emprenha pelos ouvidos e, numa
síndrome de carneirada, acaba a parir pelos olhos, e internacional fingida que,
com estes actos parece mesmo preocupada com os direitos e extinção da vida
selvagem. Basta atentar nas notícias do tráfico, nos milhões gerados em receita
não contabilizada, para verificar que estamos perante uma montanha de fumo.
Senão vejamos, quantos circos há em Portugal a usarem animais? Se calhar nem
uma dúzia. Ora, será esta minoria que está a contribuir para o achincalhamento e
desaparecimento destes seres vivos? Tenham dó desta pobre cabeça que escreve!
Mais ainda, hoje é moda ser defensor dos animais e todos termos pelo menos um
gato em casa. Será que a domesticação não é uma desvirtuação, uma alteração
idiossincrática da natureza? Por que é que estes fundamentalistas não soltam as
feras ao vento? Para se dizer que não se deve praticar o abandono? Será? Ou,
antes pelo contrário, dá jeito ter um animal para companhia e afogar neles a
solidão já que os humanos, como companheiros, não valem um pífaro? Ainda mais
uma coisita, se os animais num circo incomodam tanta gente, por que razão não se
fazem manifestações à porta do Jardim Zoológico a reivindicar a libertação de
todos os irracionais? Será que ali os pobres coitados não sofrem de stresse?
Será que, no meio de uma cidade, numa área limitada, estão no seu habitat
natural?
Sem pretender ofender ninguém mas
apetece-me fazer um manguito para os defensores da libertação dos leões do
circo Cardinali. Por que não se preocupam mais com os humanos e, muito
particularmente, com as dezenas de famílias que, num trabalho meritório, quase históico,
de entrega à comunidade e que tanto bem nos fazem, (sobre)vivem do circo? Num
escândalo sem precedentes, se abriram uma cláusula de excepção para matar
touros em Barrancos, estão à espera de quê para fazer o mesmo com o maior
espectáculo do mundo? Tenham dó! Não me façam mais tolo do que já sou!
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