Sempre que
alguém importante morre faz-me muita impressão a louca corrida aos encómios,
aos louros de eternidade, os discursos exaltados para o falecido. Andamos todos
carecentes de ícones que nos façam lembrar de que, enquanto andarmos por cá a percorrer
esta estrada, devemos ser boas almas. É uma constatação. A nossa rua precisa de
projectar o melhor de nós no senhor “Jaquim”, um pacato vizinho que se limita a
sorrir para nós quando estamos ensimesmados? A cidade precisa de se ver na vida
de um político que, sem fazer grande obra mas era um tipo porreiro, partiu cedo
e deixou muitos amigos? O País precisa de continuar a venerar um homem que
morreu num acidente de avião, provocado ou não, e a achar que se ele estivesse
vivo esta Nação seria tudo menos igual? O mundo precisa de se rever num homenzinho
de metro e meio, que descalço e túnica branca, renegou a violência e fez curvar
uma das maiores potências mundiais da altura à sua vontade férrea? O planeta
precisa de se remirar em Nelson Mandela que foi tudo, na fragilidade e na
fortaleza, o que um humano pode ser desde pobre, agitador, terrorista,
presidiário, libertário, até presidente de uma imensurável terra da África Austral?
Precisa! Faz-nos bem ao ego. O que não precisa é de exagerar. O universo está
pejado de exaltações de bem-aventurança. Basta atentarmos para a Igreja Católica
que, desde pastorinhos, passando por madres, até papas, todos servem para
canonizar –o que, a talhe de foice, dá para especular que se Mandela fosse um
bom praticante cristão –e fosse branco, claro-, mais que certo, teria um lugar
garantido na candidatura à Congregação Para a Causa dos Santos do Vaticano.
Pelo respeito destas pessoas que
passaram pela história e nela permanecerão até um dia que por conveniência
serão apagados, que pelas circunstâncias acabaram heróis –na maioria das vezes
de efabulação- haja alguma contenção na verve. Deixemo-nos de hipocrisias, de
mentiras descaradas. Não façamos do homem um santo que nunca foi, nem do santo
o homem que nunca existiu. Tomemos mais atenção ao homem simples da rua.
TEXTOS RELACIONADOS
"A canonização de Fausto Correia"
"Um homem morreu sozinho"
"O culto hipócrita da morte"
"Fim de vida do ano 2008"
"O manto diáfano da morte"
"O sonho que a morte destruiu"
"A morte... na nossa vida"
"Um homem sozinho"
"Uma constatação curiosa"
"Uma curiosidade"
"Porque é que a religião nos toca?"
"As exéquias da indignação"
"Um sábado de manhã na Baixa"
"Na morte lava-se a alma"
"O culto hipócrita da morte"
"É preciso exportar tristeza"
"A lição de vida..."
"Carta a José"
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