sábado, 14 de dezembro de 2013

A DOENÇA DA ESPERANÇA




 Não há quem não a conheça. Quando ela passa, com aquele ar de graça, a nossa alma cresce e a vida apanha outro sentido. Não se sabe de onde veio. Sabe-se apenas que mal foi sentida passou a ser amada por todos. Não há ninguém que não a queira tomar. Mas a Esperança não tem dono, é do mundo, é universal. Como se diz agora é património imaterial da humanidade.
Chegou um dia ao entardecer, estava o Sol a pôr-se lá longe, no horizonte. Não trazia nada consigo, mas, perante aquele raio de luz que parecia tocar todos com um olhar, ninguém questionou o vazio de riqueza. Os mais afoitos ousaram aproximar-se mas ela tinha qualquer coisa que impedia um abeiramento e eles, como cão danado que encontrou resistência e enfia o rabo entre pernas, recuavam. Só um ousou avançar, o mais frágil do lugar, aquele que ao passar parecia tremer como cana no canavial em dia de vento agreste. Como um gatinho medroso a avançar, passo entre passo, o Suplício, sem grande alento, em face do recuo da maioria, dizendo para seus botões o que tens a perder?, lançou-se todo para frente, como se estivesse a colher uma amora isolada no silvado. A Esperança era forte, era o positivo faseal, viu imediatamente que ali, naquele suplício estava a parte negativa que lhe faltava. Sendo ela capaz de provocar nos outros uma sensação inabalável de tudo conquistar, precisava do outro lado do desespero para a contrabalançar. E estava ali o que a completava. Foi amor à primeira vista.
A Esperança era o centro da comunidade. Todos procuravam os seus conselhos. Com sorriso feliz, perante grandes dúvidas, a todos dava resposta. Invocava grandes pensadores como Voltaire e citava os seus aforismos. "Um dia tudo será excelente, eis a nossa esperança; hoje tudo corre pelo melhor, eis a nossa ilusão”. Quando lhe falavam em capitular invocava Simone de Beauvoire: “É horrível assistir à agonia de uma esperança” -“Em todas as lágrimas há uma esperança”. “O fim da Esperança é o começo da morte”, de Gaulle. E completava com Eurípedes: “O tempo não se ocupa em realizar as nossas esperanças: faz o seu trabalho e voa”.
Nos últimos tempos a Esperança deixou de ser vista. Há quem diga que está muito doente. Consta-se que o Suplício montou tenda junto à sua cabeceira e vai finar-se na hora em que morrer a sua amada esperança, na esperança de ver a Esperança sobreviver. Dizem que ainda há uma última esperança para a Esperança. Afirmam que a esperança não pode morrer, que faz parte de nós, é a nossa alma colectiva, o espectro, a razão de ser da nossa existência.

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