quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

EM QUE FICAMOS, SENHOR VEREADOR?

(Imagem da Web)




“O vereador da Câmara Municipal de Coimbra (CMC) pelo Movimento Cidadãos Por Coimbra, José Ferreira da Silva, defende que o empreendimento “é uma agressão à Baixa”, mas lembra que “também pode haver um impacto positivo com a atração de visitantes à cidade”. “É preciso saber também conjugar as duas coisas no sentido de que a cidade ganhe no todo com uma superfície desta natureza”, conclui.
[...] José Ferreira da Silva diz que o estudo de impacto ambiental que foi levado à última sessão camarária “não merece reserva a não ser num aspeto: o local escolhido”. “A localização assumida foi imposta pelo Ikea em que os poderes públicos não tiveram qualquer papel relevante e isso preocupa”, explica o vereador. Ferreira da Silva defende que “havia alternativas bem melhores” como “o velho parque industrial da Pedrulha”.
"Comerciantes locais temem IKEA"
In A Cabra, de 17 de Dezembro de 2013”

Postado na página do movimento cívico Cidadãos por Coimbra (CpC), no Facebook, repesquei este extracto do seu vereador no executivo municipal, José Ferreira da Silva, aquando de uma entrevista publicada no jornal académico A Cabra, do último dia 17 deste mês.
Antes de ir directamente à análise das declarações de Ferreira da Silva, gostaria de fazer uma ressalva, sou apoiante desde as primeiras reuniões deste movimento cívico. Embora, saliento, por impossibilidade profissional, sem grande prestação cívica a favor da causa. Mais ainda, nas últimas eleições autárquicas votei com convicção nas propostas desta agremiação cívica e política porque acreditei que era uma pedrada no charco lodoso no artificialismo da política local. Tive fé que este movimento cívico, conseguindo eleger um vereador e alguns deputados municipais como assim aconteceu, pudesse ser uma voz incómoda no “establishment”, no sentido de combater uma elite social, económica e política que controla a sociedade e impede o seu harmonioso desenvolvimento. Tive esperança que este movimento, constituído por pessoas de vários quadrantes ideológicos, se pudesse demarcar da visão global do todo –que, a meu ver, é a patologia que enfermam actualmente todos os partidos, onde, num amplexo interno e individualista, grassa o interesse dos prosélitos- e se ocupasse dos pequenos problemas, as minudências dos conimbricenses. Não que se transformasse em defensor localizado de corporações mas, perante iniquidades, ser uma bandeira a defender, se preciso for, uma ou várias profissões em vias de desaparecimento.
Agora vamos incidir a minha perspectiva na entrevista do vereador da CpC ao jornal A Cabra. Começa Ferreira da Silva por afirmar que “o empreendimento é uma agressão à Baixa”, para, logo a seguir afirmar que “também pode haver um impacto positivo com a atracção de visitantes à cidade”. Salvo melhor opinião, estamos perante uma clara contradição. É ou não é uma agressão? Se é uma agressão como pode transformar-se em atracção? Passando a minha natural ignorância na matéria, utilizando um pouco a linguagem jurídica do representante da CpC, que é advogado, é assim, em metáfora, como um sujeito levar, de um vizinho, uns murros valentes na tromba –constituindo ofensa à integridade física simples- e a seguir lá na sua rua passar a ser motivo de visitas turísticas. Como de inteligência não sou muito abastado, precisava de saber melhor o que entende o vereador pelo conceito de “agressão” e “atracção”. É certo que em direito também se aprende que cada palavra tem um peso e significado diferenciado e devem ser empregues apenas as querem dizer exactamente o que se pretende. No entanto Ferreira da Silva pode estar a direcionar a palavra para a filosofia e, neste caso, “agressão” pode querer dizer não exactamente o que parece. Pode significar “o instinto de combate do animal e do homem dirigido contra o seu próprio congénere” e em que, desta acção, resulta múltiplas determinações, por motivação, e circunstanciais, na reação para a libertação de um situacionismo implantado. Ora a ser assim a estamos perante um incentivo à libertação. Mais que certo, às tantas, o vereador queria dizer: “ergue-te Baixa! Liberta-te da opressão! Luta pela tua dignidade!”. Se assim foi, Ferreira da Silva falou bem.
Quanto à “atracção” é lógico que, mais uma vez, o vereador do CpC não queria dizer o que parecia ser. Ele não queria misturar a lei de Newton, a lei da Gravidade, em que os corpos materiais se atraem mutuamente, nada disso. Não poderia ser. Até porque, factualmente, há um corte, uma descontinuidade, entre o Planalto de Santa Clara e a Baixa da cidade, que é materializado pelo rio Mondego. Por outras palavras mais singelas e objectivas, sabe-se muito bem que quem vier de fora da urbe vai ao Planalto, onde está implantado o Fórum Coimbra, e regressa às suas terras. Por algum motivo estas grandes superfícies escolheram polos da cidade e bem servidas por estruturas rodoviárias. Por isto mesmo, estou certo que mais uma vez o entrevistado estava a ir para a filosofia. Quase de certeza que estava a referir-se a teorias do Novo Pensamento, em que se defende “que os pensamentos das pessoas (tanto conscientes quanto inconscientes) ditam a realidade de suas vidas, estejam elas sabendo disso ou não”. O que é que esta coisa quer dizer? Quer dizer que se a Baixa está nas lonas e precisa de sair deste estado letárgico, e este é o pensamento recorrente, das duas, uma: ou quem pensa assim se mantém e fica sentado à espera de Don Sebastião ou vai à luta e pugna pela sua defesa. Portanto, mais uma vez se prova que a prosa do tribuno está correctíssima.
Passando a outra expressão, “É preciso saber também conjugar as duas coisas no sentido de que a cidade ganhe no todo com uma superfície desta natureza”. Aqui acho que estamos no reino da evidência, assim uma espécie de La Palisse. Claro que, com esta nova grande superfície, a cidade só retira proveitos. Incomensuráveis, diria até. Aliás, até coloca por terra a teoria de que a um proveito subjaz sempre um prejuízo para alguém. Neste caso são somente mais-valias. Ganha um mastodôntico edifício de consumo num descampado que há pouco tempo foi de sobreiros; ganha duas centenas de empregos; ganha a libertação de umas dezenas largas de famílias que, na cidade –no concelho e no distrito- vivem directamente do comércio e vão ter de se fazer à estrada na procura de um meio que lhes permita sobreviver; seguindo a teoria do buldózer, em que a força bruta impõe o esmagamento do mais fraco, a cidade ganha uma maior oferta comercial que embora já estivesse esgotada há muito –mas isso não interessa nada-, passa a ser mais atractiva; ganha também na limpeza asséptica, no desaparecimento de algumas lojas emblemáticas que, de serem tão velhas, exalavam um cheiro a mofo insuportável; a cidade também ganha uma nova classe humana que se pode transformar em cães raivosos e, um dia destes, morde qualquer um, seja ele independente ou dependente partidário, numa canela, pelo medíocre conhecimento que detêm da cidade e dos seus problemas e da pouca-vergonha que continuam a ter e a defender.
Em jeito de resposta à ressalva do início do texto e como se me fizessem uma pergunta. Ou seja, perante esta entrevista patética, se fosse hoje votaria outra vez no CpC? Vou aguardar mais um tempo antes de responder. Pode ser?




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