sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

A ANGÚSTIA DO NATAL

(Imagem da Web)

 Sempre me fez muita espécie a razão de, mesmo sem motivo aparente, ficar angustiado entre Novembro e Março. Costumo dizer em jeito de brincadeira que, se pudesse, sairia de Portugal no começo do Outono e só regressaria na Primavera. Até já tenho os países escolhidos e tudo. Se optasse pela Europa, inevitavelmente, tomaria por destino Espanha –mais exactamente Benidorm. Se optasse pela América, escolheria o Brasil –como não conheço, sei lá, talvez o Rio de Janeiro. Uma coisa sei, a terra que eu escolher tem de ter mar. Então o período que se aproxima do 25 de Dezembro é, para mim, profundamente depressivo. Sempre pensei que esta forma de sentir fosse muito minha. Detesto o frio –qualquer corrente de ar coloca-me a espirrar sem destino; detesto a noite, pelas sombras que provocam a solidão; detesto a chuva –mesmo a bater na vidraça, que é um quadro tão recorrente e poético. Sou uma pessoa polarizada no calor. Aguento altas temperaturas. Preciso de muita luz para sobreviver. Os raios solares são para mim o carregamento necessário da minha bateria existencial.
Tenho reparado que não sou o único a sofrer a apoquentação do Natal. Conheço muitas pessoas que sentem o mesmo que eu, ou pior. Há algumas que não podem sequer ouvir a música ambiente das ruas que, nesta altura, é tão característica desta quadra.
O que concorre para ser assim? Fui socorrer-me de um trabalho de Célia Pinheiro, sobre psicanálise, e que encontrei por aqui, na Internet, por acaso. Diz ela que “Sinto que há uma tristeza que desperta nas pessoas nesse tempo natalino. Afinal esse é um tempo onde alguns ideais – impossíveis de alcançar, diga-se – são preconizados e de certa forma exigidos. É um tempo onde se vende a idéia da família perfeita, aquela livre de questões, de intrigas, de diferenças, de rancores, etc, etc, etc. O pior é acreditar que esse ideal se fez realizar no vizinho ou naquela família mostrada nos comerciais que vendem seus produtos natalinos. Daí, há uma diferença muito grande entre o ideal e o real. Essa diferença é angustiante quando se deixa levar pela crença que no outro há essa paz possível de ser alcançada.
A comparação logo ganha seu lugar e aí, é claro, o sujeito vê-se na posição daquele que não conseguiu. Logo, considera-se o infeliz diante daquele que é feliz, o azarado diante daquele que tem sorte, o pobre diante daquele que tem mais posses. Tudo ilusão! Cada sujeito tem suas questões e um modo muito particular de se posicionar diante delas. O que vemos muitas vezes é um triste encaminhamento da subjetividade humana reduzidas nas armadilhas do TER. E é claro que um reflexo disso vai também no mostrar o TER. TER PARA SER. Ser o que afinal?
(…) O final de ano traz consigo a marca de coisas que se acabam. De um tempo que se vai, de uma passagem que aumenta mais um ano na contagem do tempo. É um significante forte por lembrar que coisas acabam e, opa! também estamos incluídos nessa temporalidade. De um lado um ideal que não se pode alcançar, de outro um tempo que se marca trazendo a idéia de finitude. Será por isso que nos presenteamos nessa época e fazemos tanta festa? Para aliviar o peso que essas questões vem nos trazer? Bom, e onde é que tudo isso se relaciona com a sexualidade? Em tudo. Vamos ver.
É também pela marca da reprodução que é sexuada que a temporalidade se faz marcar para o sujeito humano pois as gerações sucessivas registam o caminhar do tempo. Nota-se um final de ciclo se marcando ai. Quando se nasce, passa-se a ser um ser para a morte. Afinal começamos a morrer ao nascermos. Natal, a palavra refere nascimento. Temos aqui envolvidos três termos: sexualidade, nascimento e morte. Ninguém passa impune e sem trazer consequências destes três conceitos ao longo da vida. Longe de ser esse texto uma posição desesperadora frente à vida, ele tem mais como pretensão podermos questionar nosso destino errante e aí sim podermos usufruir de parcelas possíveis de uma felicidade. Felicidade esta não calcada nos engodos modernos.”
Penso que está muito bom este trabalho acima referenciado. Na análise, quanto a mim não como especialista da matéria nem coisa que o valha, apenas peca por conceituar o sofredor angustiado somente num sentido único, de baixo para cima. Isto é, este trabalho dá como certo que “o sujeito vê-se na posição daquele que não conseguiu. Logo, considera-se o infeliz diante daquele que é feliz, o azarado diante daquele que tem sorte, o pobre diante daquele que tem mais posses”. Penso que o sentimento depressivo opera nos dois sentidos. Ou seja, contrariamente ao aflorado no estudo, se o indivíduo provir de reminiscências humildes e tiver atingido um estatuto financeiro fora do comum, com família funcional e tudo o que possa concorrer para a sua felicidade, pode sentir a mesma aflição. O que quer dizer que o padecimento não será apenas de fora para dentro –pela forma de ver o outro bem e não estar igual-, mas também de dentro para fora. Neste caso é como se o tempo passado de miséria ficasse para sempre gravado a fogo no consciente/inconsciente e, pela sua memória marcante, nesta altura de envolvimento humanitário, saltasse sempre ao de cimo.
Para terminar, e para quem sofrer desta agonia, uma palavra de muita força: faltam apenas três meses para chegar a Primavera.


TEXTO RELACIONADO
 "Mulher..."


2 comentários:

Conversas... disse...

Desejo-lhe um feliz natal. Votos de um ano novo com paz e saude!

LUIS FERNANDES disse...

Muito obrigada pela sensibilidade. Agradeço e retribuo. Feliz Natal.