Escrevi este poema em 2008. Gosto muito. Teria sido criado num momento raro de inspiração. Sim raro, porque de inspiração não sou muito farto. Se o escrevesse hoje seria totalmente diferente. Passados cinco anos os rostos estão cada vez mais fechados... apesar de não haver sacos de compras a passar. É feio estar a citar-me, não é? Pois é! Mas não tinha mesmo mais nada para dar. E quem dá o que tem...
UMA FOLHA CAÍDA NO NATAL
É Dezembro…
Uma folha cai… lentamente…
Ziguezagueia por entre a amálgama de gente,
gente apressada, escrava do tempo,
insatisfeita, faces duras sem contento,
pisam a folha, alinhados em parada, com tacões,
ecoam na calçada… como centuriões,
as pedras vibram, com tanta precisão,
uma pedrinha solta-se na multidão,
alguém a pontapeia, ao acaso, em estopada,
e ela rolando, por cá e lá, vai sendo chutada;
O vento sopra, cortante, e a folha voa,
e de cima, olha para baixo, vê à toa,
este exército mal ordenado,
como se estivesse condenado,
a andar, a andar, sem se render,
mesmo sabendo que vai desaparecer,
continua a querer mais, a ambicionar
mesmo que por um metro de terra tenha de matar
e o menino de olhos tristes, cara meiga, faça chorar,
o que importa nesta guerra é o feito, o vencer,
a infelicidade não conta, mesmo sabendo que se vai morrer;
E de novo a folha cai… lentamente…
Um louco ri sozinho… desalmadamente,
pega na folha, com carinho, o anormal,
afaga-a com a mão, como se fosse um pardal,
faz caretas, gesticula, dança ao vento com nobreza,
embala a folha, dá-lhe beijos, filha da natureza,
nem o frio, a refrear o ímpeto, lhe faz mal,
ele sabe que é festa, não sabe que é Natal,
não sente a solidão, não conhece abraços,
não compreende a razão de tantos laços,
E de tantos rostos fechados com ar formal;
Alguns presentes e sacos enfeitados,
tantas almas embrulhadas,
tanto amor materializado,
tanto calor humano… desperdiçado
entre o dever e o ser,
só é gente com… o ter,
e a folha… lentamente,
nos braços de um demente,
sorri… para a turba disforme,
e pensa a folha, se eu falasse… uma frase conforme,
mesmo com a voz do tonto rouco, gritaria em altos berros:
AFINAL QUEM É O LOUCO??!
1 comentário:
Magnífico poema, triste realidade!
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