quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

COIMBRA CIDADE DO RIDÍCULO



 Em Outubro, último, já tinha contado este caso, até lhe chamei “Um ícone vivo -e se o ridículo tivesse orelhas de burro?”. Vou voltar a contar: a Dona adelaide é uma anciã com a bonita idade de 87 anos -até aqui nada de invulgar. Porém, se eu relatar, a quem não sabe, que esta mulher -que eu muito admiro-, apesar da sua provecta idade renega deixar de trabalhar -em metáfora, lembrando o título do livro de Paulo Coelho, poderia ser... Adelaide recusa morrer-, o caso muda de figura. Ou seja, esta mulher do povo, que, na Praça 8 de Maio, no Inverno vende castanhas e no Verão vende uns pistáchios, tremoços e amendoins, para quem estiver disposto a ver, é um exemplo de vontade. É um modelo a seguir por todos nós. Repare-se que quando a maioria de pessoas, com a sua idade, estão em casa sentadas no sofá a ver televisão, este ícone vivo persiste em trabalhar. Diga-me, leitor, esta ilustração é ou não digna de ser elevada aos mais altos píncaros do conhecimento público nacional? O caso desta senhora deveria servir de tese para um caso de estudo. Porém o que acontece é que ninguém lhe liga ou toma atenção ao que está à frente dos nossos olhos. Pior é o que vou contar a seguir. Fico tão envergonhado que até me custa escrever. Vou desabafar:
A dona Adelaide, no ano passado, segundo uma testemunha, foi apanhada pela Polícia Municipal (PM) a vender baralhos de cartas e bugigangas. Como só estava licenciada para vender tremoços, pevides, amendoins e afins, a PM levantou-lhe um auto, cuja multa vai de 50 a 90 euros.
Depois de informada pelo Departamento Jurídico e Contencioso da Câmara Municipal de Coimbra (CMC), através de um Processo contra-ordenacional, foi aplicada a coima mínima de 50 euros.
Como a Adelaide não sabe ler nem escrever, Carlos Clemente, presidente da Junta de Freguesia de São Bartolomeu, em 3 de Outubro, e a pedido daquela, elaborou a impugnação. Em nome da visada, no auto, era dito:

“1-Sou reformada e com dificuldades financeiras. Recebo de reforma 337 euros, dos quais tenho de pagar a renda de casa, água e luz, assim como medicamentos que sou forçada a tomar, face à minha idade e doença que possuo;
2-Tenho 87 anos de idade e sou viúva;
3-Não possuo qualquer rendimento adicional a não ser a minha reforma;
4-Sou vendedora de castanhas na Baixa de Coimbra há mais de 50 anos;
5-Fui vendedora-ambulante no “Choupalinho” (Praça da Canção);
6-É verdade que tenho vendido alguns produtos (…) para tentar angariar mais alguns euros, no sentido de fazer face às minhas dificuldades financeiras;
7-Sempre adquiri o meu cartão de vendedora ambulante, junto da CMC, e cumprindo as normas estabelecidas;
8-Nunca tive qualquer problema no que diz respeito à minha venda-ambulante, e, pela primeira vez, sou confrontada com esta coima;
9-Pelas razões expostas, venho mais uma vez apelar a V. Ex.ª se digne anular o valor constante no processo de contra ordenação.”

Em 17 do mesmo mês de Outubro, por parte da CMC, foi ratificado o seguinte despacho:

“Em virtude da junção aos autos em epígrafe do requerimento de impugnação apresentada pela arguida Maria Adelaide... procedeu-se à apreciação do seu respectivo conteúdo, do qual podemos aferir o seguinte:

a) A arguida não veio juntar ao processo qualquer elemento novo que levasse à reapreciação dos factos ocorridos e, consequentemente, demonstrassem e provassem que a mesma não praticou o ilícito contra-ordenacional;
b) A arguida alega ter dificuldades económicas que lhe impossibilitam o pagamento da coima que foi atribuída, em virtude da baixa reforma e idade avançada. No entanto, não apresenta qualquer prova da sua situação económica que nos permita verificar tal situação de carência;

Neste conspecto, face ao supra exposto, entende-se não haver motivo para a revogação da decisão do presente processo contra-ordenacional. Todavia, tal não impede que a arguida venha apresentar, nesta edilidade, requerimento para o pagamento faseado ou diferido da coima que lhe foi atribuída, mediante a apresentação de comprovativo da sua situação económica, o qual ficará sujeito a apreciação superior.”


Nova comunicação da CMC, exarada em 10/01/2012:


“Verificando-se que a coima aplicada no âmbito do processo contra-ordenacional em epígrafe identificado não foi paga no prazo legalmente estabelecido para o efeito, informa-se V. Ex.ª que o mesmo será remetido, no próximo mês, ao Tribunal da Comarca de Coimbra, para fins de execução, nos termos (…).”


E O QUE DIZ CARLOS CLEMENTE?


“Estou indignado! Isto é o cúmulo do ridículo. A senhora Adelaide está a vender a 10 metros da CMC. Toda a gente sabe que esta senhora é pobre. Muito pobre. Trabalhou a vida inteira. Esta senhora é mais conhecida na cidade do que o presidente da Câmara. Esta atitude dos serviços da Divisão de Contra-ordenações é o paradigma do legalismo positivista, isto é, condenar todos por igual, para servir de modelo, sem levar em conta as diferenças de cada um. Se fosse noutro qualquer país o exemplo desta mulher era apresentado em tudo o que era escola básica. Em Portugal, aqui em Coimbra, multa-se com 50 euros por querer continuar a trabalhar e pugnar pela vida activa.
Atente-se no custo deste processo. As várias cartas registadas com aviso de recepção. E agora o envio para tribunal. Talvez se comece a entender o entupimento de julgamentos e a ineficácia da justiça.
Enquanto presidente da junta, mesmo a expensas pessoais, eu até poderia pagar os 50 euros e arrumava o assunto. Mas é uma questão de princípio meu não colaborar com injustiças. Já fiz isso com a derrocada do prédio da Rua Corpo de Deus. Sempre quero ver se, perante as alegações apresentadas à CMC e que estas não atendeu, o tribunal condena a dona Adelaide. Se no limite condenar -o que não acredito- deixo aqui lavrado que assumo os custos que lhe vierem futuramente a ser aplicados.
Não é uma questão de teimosia, estou profundamente entristecido com esta situação. Enquanto edil, esta decisão não enobrece a autarquia de que faço parte na Assembleia Municipal.”


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"Uma imagem por acaso"


3 comentários:

Jorge Neves disse...

A Câmara Municipal de Coimbra está podre.
Estou com a Dona Adelaide e com o Clemente.
Alguma coisa que seja preciso podem ambos contar comigo.
Amigo Luis mande este seu texto para todos orgãos comunicação social.

Anónimo disse...

Não se preocupem,
Quando ela morrer vão fazer grande alarido nos meios de comunicação onde irão aparecer estes "figurões" a dizer qua a dita Srª era um exemplo e muito querida deles... Já vi este filme...

Anónimo disse...

É uma vergonha, este País, tem a dirigi-lo as pessoas mais desumanas que já alguma vez vi, a lei faz-se para ser cumprida, mas há uma norma que é de todos conhecida, o bom senso de imperar, este senhor que mandou para tribunal esta multa, deve ganhar menos do que a pobre vendedor, digo eu.............