quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

A HIPOCRISIA SISTÉMICA





 “O PSD vai apresentar um projecto de lei para a próxima semana que visa legalizar as chamadas ‘barrigas de aluguer’, avança o Diário de Notícias. O grupo parlamentar dos sociais-democratas está apenas a ultimar o documento com o ministro da Saúde.
O PSD vai assim seguir as recomendações do Conselho Nacional da Procriação Medicamente Assistida, que defende que seja legalizado este método alternativo à maternidade. No projecto laranja está por isso condicionado este método a casais em que seja medicamente provado que a mulher não pode ter filhos, escreve o DN.” -LEIA AQUI O SOL

 Ao ler isto, tenho de confessar, fico assim como que a balouçar entre o DEVER e o DEVIR. Por outras palavras, entre o que a colectividade pede que se faça e o que se deve fazer.
Senti exactamente o mesmo em relação ao ABORTO –tenho a certeza que é uma decisão da mulher-mãe –e também do pai- que radica na sua própria liberdade, enquanto geradora de vida, porém a consequência da legalização do acto implica danos imprevisíveis na sociedade. Basta atentar no que se está a passar actualmente em Portugal com os baixos índices de demografia. Pode dizer-se que a razão directa será a crise, mas, uma grande parte será o corolário da permissividade da lei do aborto. Não quero alongar-me, mas basta ler os jornais e verificar que muitas mulheres, ao repeti-lo sistematicamente, estão a usá-lo como contraceptivo  corriqueiro.
Voltando às “barrigas de aluguer”, para mim –e que até me considero liberal, isto é, penso que não tenho teias de aranha na cabeça- esta medida transcende a racionalidade. Transcende o próprio conceito de vida –tal como o aborto. Onde ficam os sentimentos da mãe? Plasmados num contrato em papel? –Aliás, atente-se que esta discussão continua a ser geradora de jurisprudência nos tribunais superiores dos países onde esta prática é permitida. Alguém consegue, “a priori”, antever as reacções futuras perante um ser que lhe sai das suas entranhas, mesmo considerando que o embrião é de um estranho?
Mais ainda, no futuro, o filho da “barriga de aluguer” não sentirá necessidade de saber quem foi a procriadora? Que ambivalência irá gerar nesta pessoa?
Na minha modesta opinião estamos, mais uma vez, em face de uma leviandade que todos os governos, talvez para parecerem “modernos e para a frente”, não pensam nas consequências futuras.
Depois há também muita hipocrisia nesta medida. Repare-se que, no tocante à prostituição, os executivos fogem à sua legalização como o Diabo da cruz –no sentido de a considerarem profissão, uma vez que perante o nosso ordenamento jurídico não é ilegal para quem a pratica- com base no conceito de que o corpo humano não é passível de aluguer.
Então e para as “barrigas de aluguer”, como é que é? A concepção de “corpo humano” mudou? Mudou em quê? Provavelmente apenas na apreciação hipócrita partidária. Enquanto alterar o pensamento político da prostituição implica chocar uma colectividade maioritária e profundamente conservadora, e poucos partidos arriscam o resultado, no aborto e neste da “barriga de aluguer”, como se trata de satisfazer clientelas, quer a esquerda quer a direita não olha aos meios –que nos custam a alma lusitana- para atingirem os fins. Se assim não fosse, há muito que a questão da prostituição estaria resolvida, até porque seria uma medida profilática sanitária imperiosa, cujos resultados para a sociedade –para além dos conflitos morais e éticos- são benignos, e ainda mais para as “envolvidas”, na medida em que, para além de as obrigar a exames clínicos constantes, através de descontos, lhes iria permitir no futuro ter acesso a uma legítima aposentação. Quando se questiona acerca do possível reconhecimento da profissão, normalmente, os argumentos radicam em torno da dignidade da mulher. Ora ao vermos uma prostituta a “atacar” na berma da estrada que dignidade terá esta mulher? E mais, que protecção jurídica lhe é atribuída se a sua função social não é declarada? Além de ser duplamente discriminada, pelo estigma associado à tarefa e impossibilidade de aceder a uma reforma.
Mais ainda, na actual lei, embora não se penalize a actividade pela autora, é proibido o lenocínio, ou seja, terceiros virem a explorar e a auferir lucros directos com esta laboração. Então e como é que se encara a publicidade nos jornais? Basta abrir um qualquer diário e é um regabofe –saliento que em Espanha foi proibida.
Voltando novamente à “barriga de aluguer” –lembrando o caso Ronaldo, que foi buscar uma criança aos Estados Unidos-, o que dá a parecer é que os partidos querem uma lei de propósito para os ricos. Uma espécie de “offshore” para a natalidade. Até aqui se nota uma discriminação implícita: os pobres não terão hipótese de alugar uma barriga. Claro que, penso, poucos aceitariam. Mais depressa iriam adoptar uma criança do que praticar um absurdo destes.
Se os governantes hodiernos pensassem pela sua própria cabeça –e neste caso até ouvissem mais a Igreja Católica- é mais que certo que tenderiam a alargar a adopção –mesmo até a homossexuais-, para que se retirassem crianças da rua –esta premissa, isso sim, deveria constituir o supremo desejo universal. Mas os governos estão mais virados para os fins políticos do que os meios morais e éticos. Estes juízos não lhes causam reflexão. Infelizmente.


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