Helena Ferreira é uma daquelas pequenas comerciantes que admiro muito. Irmã de uma numerosa prole, conjuntamente com os muitos irmãos, andou a pedir pelas ruas da cidade por volta de 1960. É uma lutadora que dá gosto falar. Com o seu permanente sorriso nos lábios, tem sempre uma boa disposição que impressiona. Quem é cliente do seu pequeno quiosque na Rua dos Oleiros sabe bem que não estou a exagerar. Esta mulher, estranhamente, consegue rir da própria tristeza. É normal ouvir-lhe uma gargalhada de tal forma aguda que até o “Conquistador”, a dormir o sono eterno dos justos, a mais de uma centena de metros, na Praça 8 de Maio, se deve questionar como é que em tempos de solidão, como os que vivemos, esta mulher ousa rir assim.
Mas ontem estava sorumbática. Então, então?! Interroguei, após notar o seu ar de preocupação. “Sabe o que mais me lixa nesta vida?!” -questionou-me. “É a falta de reconhecimento, a ingratidão. É as pessoas ou instituições esquecerem tudo o que fizémos por eles e, de uma forma quase humilhante, tratarem-nos como coisas. Veja bem, há vários anos que vendia aqui senhas para os transportes urbanos. Aquilo rendia pouco lucro -dava 1,5 por cento-, mas sempre ajudava nas despesas. Você conhece bem o meu negócio, porque faz o favor de ser meu cliente e converso consigo, e sabe as dificuldades enormes que passo para me aguentar aqui. É a renda do espaço, sãos impostos e isso tudo que você sabe; são os constantes assaltos que já sofri e continuo a sofrer -ainda há dias, perante dois tipos de leste que se apresentaram aqui de gorros na cabeça prontos para me roubarem, a única saída foi ir para a rua gritar-, é a desertificação desta rua. Pois olhe que em Dezembro recebi uma carta dos SMTUC a comunicar-me que, em face do novo sistema de bilhética, “os agentes autorizados podem vender pré-comprados e carregar alguns tipos de passes existentes no tarifário em vigor, sendo necessário para esta última operação um terminal portátil de venda. (…) Nestes termos, devido às alterações tecnológicas do novo sistema de bilhética já avançadas, o actual contrato de agência não reune condições para continuar a vigorar.
No entanto, poderá V. Ex.ª manifestar o interesse de atribuição de um equipamento portátil de venda (…) havendo lugar, em caso de deferimento, à celebração de novo contrato, sendo que para o efeito será sempre exigida uma garantia bancária/depósito ou seguro caução no valor de 5000 euros, à ordem dos SMTUC, de modo a garantir eventuais situações de incumprimento de prestação de contas ou de danos no equipamento.”
“Já viu?!-Continua a Dona Helena. "Quer dizer, para ganhar 1,5 por cento vou pagar uma garantia bancária no valor de 5000 euros? Isto é mesmo para acabar com os pequenos negócios como o meu. Não há consideração por ninguém!”
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