sexta-feira, 26 de novembro de 2010

DIVAGANDO POR BECOS E RUELAS...

 



 Estou naqueles dias que não sei sobre o que hei-de escrever. É raro, mas acontece. Normalmente, na falta de tema vou alimentar-me na informação diária. Mas, apesar de já ter lido três jornais em papel e mais uns quatro virtuais, continuo sem saber por onde começar. Talvez porque, tenho a certeza, hoje, estou mais selectivo. Não me apetece pegar na crise ao colo e divagar como um louco pelas ruas da cidade. Considero fastidioso debruçar-me sobre o Euro e se vamos permanecer muito ou pouco tempo neste sistema monetário. Não me apetece escrever sobre a guerra ao tráfico nas favelas do Rio de Janeiro. Até poderia pegar no mau estado do estado social, mas não tenho vontade. Apetecia-me algo diferente, assim no género do “Ferrero Rocher”. Mas onde é que vou encontrar? Já se falou e escreveu sobre tudo!
Se me debruçar sobre as pessoas com quem me cruzo na rua diariamente sou obrigado a escrever que estão cada vez mais velhas. Quando reparo nos traços da fronte, até me apetece gritar: “ai Nossa Senhora do Amparo!”.
Dou uma volta pela Baixa da cidade, verifico que muitas lojas comerciais estão encerradas. As que estão abertas, lá dentro, para além do patrão ou empregado, não se vê mais ninguém. Parece que os consumidores, aproveitando a boleia da greve geral, partiram para outro mundo para não mais voltarem. Olhando um mendigo numa esquina de uma rua estreita, que bem ensaiado soletra “dê-me ao menos um cêntimo, senhor!”, penso, um pouco a deixar-me escorregar pelo cano, se o meu futuro não poderá ser o mesmo. Afasto logo este pensamento, “vade retro Satanás”, não vá o mal-amado do tridente, só porque pensei nele, lembrar-se que tenho certo jeito para o teatro e…pimba!
Dou uma volta pelo Centro Histórico. Quem sabe não me falem de algo que me inspire. Começo por falar com um amigo comerciante, o “fala-barato”. Antevejo ali na conversa uma desgraça. Há dias foi de urgência para o hospital por causa de uma arritmia cardíaca. “Excesso de stresse”, disseram lá nos serviços de saúde, conta o meu amigo. Bolas, longe vá o agoiro, ponho-me a andar depressa dali para fora. Eu preciso de algo mais sereno, que me deixe a alma a tocar harpa.
Ainda não tinha dado cinquenta passos, avisto o Faisal, um curtido iraquiano que é mais português do que filho do Médio Oriente. Caminha em direcção a mim de braços abertos, mais parece o Cristo-Rei. Adivinho a mensagem que dali advirá: “ó senhor Luís, me empresta 50 cêntimos, para uma emergência”. Tento empatar com retórica de ocasião. Emergência?, interrogo, é para ires beber um copo, diz antes assim. E ele, com aquele sorriso de safado, sorri e abraça-me, como se estivesse a envolver um condenado em partida para ultima viagem. Mau, mau…
Continuo a contar as pedras da calçada. Na rua larga, uma equipa de jovens, nem sei bem por alma de quem, tentam tolher-me o passo. É uma moedinha não sei bem para quem. Não estava receptivo a ouvir. Nós só ouvimos o que queremos, isso já eu sabia.
Vou mas é falar com um outro meu amigo comerciante. É o “Choras”, pelo apelido não devem conhecer. Como quase todos os dias, numa rotina mecânica, vou interrogá-lo: “e então? Novidades?”. E ele, igual a outros dias, para não variar, vai-me responder: “novidades? Estamos cada vez mais na miséria”. Hoje, talvez porque está mais bem disposto do que habitualmente vai estender a conversa, “o futuro dos comerciantes é negro. Vê lá bem que até estive a falar com o “Manel” –um comerciante vizinho bem instalado financeiramente- e até ele me disse que o comércio, enquanto actividade profissional, não tem futuro. Já viste isto?”.
Até amanhã, despedi-me. Hoje não me apetece falar de amarguras. Eu procuro um paraíso diferente. Quero música celestial, se possível, acompanhada com umas musas a manusearem-se numa envolvente dança do ventre.
Continuei na minha volta. Na Praça 8 de Maio parei ao pé da vendedeira de castanhas mais famosa da cidade. Então como é que está, dona Adelaide? “Ó menino, com os meus 87 anos, como é que hei-de estar?”. Vi logo, pelo ar irado, que a velhinha não estava nos seus dias. E, ainda por cima, eu com perguntas parvas. Ela, em poucas palavras, quis-me dizer que a resposta era óbvia: estava de pés para a cova. E eu não via, não? Claro que rapidamente mudou de tom de voz, como se arrependesse de me falar assim, e emendou a mão. “Estou mal, menino. Já devia ter arrumado o carro das castanhas há muito tempo, mas que quer? Preciso…entende?”. Logo a seguir passa ao ataque, “já viu aquele ali? –aponta um outro concorrente, próximo dela. “Só vende sucata, as minhas castanhas é que são boas. Ele nem as sabe assar como deve ser!”.
Despedi-me com alguma ternura da experiente vendedeira. Eu precisava de um assunto diferente, qualquer coisa que não tivesse choro, e continuei em direcção à Rua da Sofia. Enquanto me embrenhava nesta outrora artéria viçosa comercial ia vendo alguns prédios em estado lastimável. Aqui e ali mais uma loja fechada. Mas isto não me interessava, eu precisava de algo diferente. E se eu fosse cumprimentar o comerciante meu amigo “Barrô”? Ele é um tipo fixe, todo optimista. Aposto que me vai dar alento para qualquer coisa. Então, “Barrô”, como é que estamos, cumprimento. “Mal, muito mal, pá! Hoje é sexta-feira. Esta semana, até agora, fiz 18 euros. Já viste? Como é que posso continuar assim. Já disse ao senhorio, se não me baixar a renda tenho de entregar a loja. Pelo menos tem de me tirar 250 euros. Pago 1250…é um disparate para os dias de hoje!”.
Larguei depressa o meu afeiçoado. Porra! Isto está tudo mais negro que um velório de carpideiras. Vou mas é cumprimentar e beber um café com outro meu amigo, o “Gáspeas”. Dali já sei que sai sempre uma ideia qualquer. O “Gáspeas” é o mais nobre comunista que conheço. Às vezes brinco com ele. Como é que um marxista vive atrás do capitalismo, interrogo. Ele responde que “se não fosse esta maldita crise, viveria muito bem”.
Vamos então beber um café à Império, à velha Império. Um dos estabelecimentos mais antigos da cidade e que eu, porque cheguei a trabalhar lá nos idos anos de 1970, conheci bem. Então ó “Gáspeas”, conta-me coisas novas, tento provocar. “Coisas novas?!”, engelha o nariz, a “beiçoleta”, a fronte e sei lá que mais. “Está tudo lixado, pá!”, desabafa num longo arfar, expelindo ar pela boca. “O que é que vai ser dos comerciantes? Não se vende. Estamos cada vez mais a enterrar-nos em dívidas. Não temos direito a subsídio de desemprego. Vamos fazer o quê?”, interroga-me com grande acutilância como se eu soubesse alguma coisa. Prossegue, “qualquer dia, muito em breve, muitos de nós estaremos a pedir comida. Quanto antes, seguindo o exemplo de Lisboa, a Câmara Municipal deveria utilizar o antigo quartel 12, ali junto à Penitenciária, para, diariamente, darem lá jantar aos muitos sem-abrigo e outros que estão na pobreza eminente e têm vergonha. Sabes que este antigo quartel tem umas instalações espectaculares, com uma cozinha toda equipada? E se não puder ser aqui, porque não na Manutenção Militar, que também tem instalações formidáveis e que não estão a serem devidamente aproveitadas?! Poderiam, por exemplo, fazer um protocolo com o banco Alimentar, não achas? Estão à espera de quê?!”.
Despedi-me do “Gáspeas”. Eu hoje precisava de escrever sobre qualquer coisa diferente, mas não me aparece nada. Pronto! Desisto! Não escrevo! Que se dane!

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